Fernando Maluf, oncologista e cofundador do Instituto Vencer o Câncer: “Temos curado muito mais do que a gente curava antes”
Fernando Maluf, oncologista e cofundador do Instituto Vencer o Câncer: “Temos curado muito mais do que a gente curava antes”
No novo episódio de Futuro Talks, Fernando Maluf falou sobre mitos e verdades do câncer de mama e próstata e a importância das campanhas de conscientização
O câncer de mama é um dos mais comuns entre mulheres, tanto no Brasil quanto no mundo, enquanto o câncer de próstata ocupa a segunda posição entre os homens no país. Campanhas como Outubro Rosa e Novembro Azul buscam desmistificar essas doenças e esclarecer mitos persistentes. No episódio mais recente do Futuro Talks, o oncologista Fernando Maluf, cofundador do Instituto Vencer o Câncer, esclareceu mitos e verdades sobre o câncer de mama e de próstata.
Na entrevista, Maluf explicou que o câncer de mama afeta entre 10% e 12% das mulheres, com maior incidência após os 50 anos, embora casos em jovens estejam em crescimento. Ele ressaltou que, atualmente, a maioria das mulheres com câncer de mama localizado tem boas chances de cura. Graças aos avanços nos tratamentos complementares à cirurgia, o prognóstico de casos localizados e metastáticos melhorou significativamente, resultando em altas taxas de cura, inclusive em tumores maiores.
Ao longo do episódio, o oncologista afirmou que, em geral, homens abaixo de 50 anos não precisam se preocupar com o câncer de próstata, a menos que pertençam a grupos de risco. A partir dos 50, é recomendado realizar exames de detecção, como o toque retal e o PSA, o Antígeno Prostático Específico, que são complementares. Embora eficaz, o toque retal é frequentemente evitado devido ao preconceito cultural, mas deve fazer parte do check-up masculino, juntamente com exames de colesterol, glicemia e saúde cardiovascular.
Para ele, as campanhas Outubro Rosa e Novembro Azul são essenciais para a conscientização sobre câncer, mas seu impacto é limitado por se concentrarem em apenas um mês. Ele ressalta a importância de manter a disseminação de informações e a conscientização durante todo o ano, reforçando a prevenção e o entendimento da população.
Confira a entrevista a seguir:
Saímos do Outubro Rosa e entramos no Novembro Azul, e gostaríamos de aproveitar para discutir esses dois temas importantes. Para começar, o câncer de mama: toda mulher pode desenvolvê-lo? Quais fatores aumentam o risco?
Fernando Maluf – A resposta é sim. A incidência do câncer de mama é de uma em cada oito mulheres, ou seja, entre 10% a 12%, o que a torna uma doença extremamente comum. Embora seja mais frequente após os 50 anos, o que temos observado é um aumento da incidência também entre as mulheres mais jovens, algo que era muito raro no passado. Portanto, é uma doença que vem crescendo em todo o mundo por diversas razões, com um crescimento particularmente notável entre as pacientes jovens.
Podemos fazer algo para reduzir o risco, como praticar atividade física, ter uma alimentação equilibrada e adotar hábitos saudáveis?
Fernando Maluf – Os fatores de risco para o câncer de mama incluem tanto aspectos genéticos quanto ambientais. Aproximadamente 10% dos casos são atribuídos a fatores genéticos, como mutações em genes específicos, que não são modificáveis. Além disso, a idade avançada é um fator de risco bem estabelecido. Quanto aos fatores ambientais, a falta de exercício físico é um grande risco, enquanto a prática regular de atividade física atua como um fator protetor. A obesidade também é um fator de risco claro, e combatê-la é uma maneira eficaz de proteção. Além disso, dietas ricas em gorduras, carnes vermelhas, alimentos processados, embutidos e enlatados são fatores pró-oncogênicos, ou seja, que favorecem o surgimento do câncer. Em contrapartida, dietas ricas em frutas, verduras, legumes e carnes brancas têm um efeito protetor, ajudando na prevenção da doença.
Além da genética, quais outros fatores que podem aumentar o risco de câncer de mama?
Fernando Maluf – O álcool, de fato, tem uma relação comprovada com o aumento do risco de câncer de mama. Além disso, a exposição prolongada ao estrógeno, o hormônio feminino, também é um fator de risco. Isso ocorre quando uma mulher tem menstruação precoce ou entra na menopausa tardiamente, já que esse longo período de exposição ao estrógeno pode aumentar a probabilidade de desenvolvimento da doença. A reposição hormonal também está associada a um leve aumento do risco, embora seus benefícios possam superar esse risco em algumas situações. O uso de métodos como o “chip da beleza”, que fornece doses excessivas de hormônio, é considerado um grande risco, pois esses níveis elevados de hormônio podem ter um impacto negativo na saúde e aumentar a probabilidade de câncer de mama. Por outro lado, a amamentação é um fator protetor importante, pois durante esse período os níveis de estrógeno no corpo da mulher são significativamente mais baixos, reduzindo o risco de câncer.
“Podemos classificar os fatores de risco para o câncer de mama entre os não modificáveis, como os genéticos e a idade, e os modificáveis, que envolvem o estilo de vida, como a alimentação, o consumo de álcool e a prática de exercícios”.
O uso de anticoncepcionais ou DIU hormonal aumenta o risco de câncer de mama? E quanto à reposição hormonal na menopausa, ela é contraindicada?
Fernando Maluf – Os tratamentos hormonais, como a reposição hormonal, de fato, aumentam o risco de câncer de mama em uma porcentagem relativamente pequena. Estudos e meta-análises indicam que a reposição hormonal pode aumentar de 10% a 20% o risco relativo de câncer de mama. No entanto, é importante frisar que esse aumento não significa que uma mulher tenha duas vezes mais chances de desenvolver a doença, mas sim que o risco é levemente elevado em relação ao risco basal, que para mulheres, sem outros fatores de risco, é de cerca de 10% a 12%. Ou seja, esse aumento representa algo entre 1% a 2% no risco individual, o que é pequeno, mas deve ser considerado. A reposição hormonal tem diversos benefícios, como melhorar a saúde vaginal, a saúde da pele, a libido, além de oferecer vantagens para a saúde cardiovascular e óssea. Portanto, os benefícios podem superar os pequenos riscos, desde que, ao longo de uma avaliação médica cuidadosa, o paciente e o médico decidam juntos se a reposição hormonal é a melhor opção para o caso específico. O que é diferente dos “chips da beleza”, por exemplo. Esses métodos de reposição hormonal muitas vezes envolvem doses muito altas de hormônios, o que pode representar riscos maiores e não é recomendado sem um acompanhamento médico adequado.
É importante falar disso. Inclusive, proibido recentemente.
Fernando Maluf – É uma grande ameaça. O que acontece é que, ao administrar superdose de hormônios para que a pessoa ganhe mais massa muscular, perca mais gordura ou se sinta mais plena, está-se expondo o organismo a uma exaustão hormonal. Isso pode aumentar significativamente o risco de diversas doenças, além de elevar as chances de tipos de câncer relacionados a hormônios.
Com o aumento das fake news sobre o câncer, como orientar seus pacientes a não se deixarem levar por informações erradas, garantindo segurança e evitando o desespero?
Fernando Maluf – Eu vejo dois pontos importantes aqui. O primeiro é que deve existir uma relação de confiança entre o paciente e o médico. Ou seja, o paciente deve se sentir à vontade para trazer qualquer dúvida, seja uma preocupação pessoal ou algo que ouviu de terceiros – como algo visto na televisão, lido no jornal ou ouvido no rádio. O paciente não tem a obrigação de entender todos os detalhes, mas pode sempre trazer suas dúvidas ao médico, que deve respondê-las. O segundo ponto é que, no contexto atual do Brasil, as sociedades médicas, sem corporativismo e de forma justa, precisam entender que fake news é um crime – e fake news em saúde é um crime grave. Considero isso grave porque pode induzir uma pessoa a tomar decisões erradas ou deixar de fazer o que é certo, com consequências sérias. Essa recente história envolvendo um médico que viralizou pelo país, na minha opinião, deveria ser punida de forma exemplar.
“A população não é obrigada a saber o que é verdadeiro ou falso, mas existem juízes e sociedades médicas que têm a capacidade de monitorar e responsabilizar por isso”.
As redes sociais contribuem para a disseminação de informações sobre o câncer de mama, mas também para a propagação de desinformação.
Fernando Maluf – O que eu vejo é que, quando você entra em outras mídias digitais, como YouTube, Instagram, Facebook e outras, é possível encontrar informações absolutamente desastrosas. Na minha opinião, muitas dessas informações têm uma conotação maliciosa e perversa, com o objetivo de obter lucro – seja financeiro, seja para ganhar likes ou seguidores. Eu, pessoalmente, adoro usar o YouTube, mas sempre que entro, meu celular acaba me mostrando algum conteúdo relacionado à saúde, e a quantidade de informações absolutamente erradas é gigantesca. A pergunta é: por que essas pessoas, que estão divulgando informações falsas e prejudiciais, não são punidas? Se aquilo é claramente falso e está prejudicando as pessoas, por que esse conteúdo permanece nessas plataformas sem qualquer tipo de ação inibitória, coibitiva ou punitiva? Isso eu realmente não consigo entender. Não estamos falando da deep web, que é algo mais secreto. Não. Estamos falando de pessoas que aparecem o tempo todo no meu celular – e que dizem coisas como “uma fruta cura Alzheimer” ou “andar não queima calorias”. São afirmações absurdas, mas como no mundo sempre existem pessoas maliciosas ou até mesmo doidas, precisamos de uma fiscalização rigorosa para que juízes do jogo, que monitorem e punam adequadamente esse tipo de conteúdo.
Você mencionou os fatores de risco e a importância da prevenção do câncer de mama. Para fechar esse ciclo, qual é a idade recomendada para iniciar a mamografia?
Fernando Maluf – Primeiro, é importante esclarecer que a mamografia não oferece risco. Ela deve ser realizada a partir dos 40 anos, uma vez por ano, e em alguns casos, pode ser complementada com ultrassom. A mamografia, embora não faça o diagnóstico definitivo, ajuda a identificar suspeitas, que levarão à biópsia para confirmação ou não do diagnóstico. Quanto ao autoexame, ele deve ser realizado, sim, mas ele não deve substituir a mamografia.
Mas ele tem utilidade?
Fernando Maluf – Conhecer o próprio corpo é fundamental, mas é importante entender que apenas o autoexame e a palpação não reduzem a mortalidade por câncer de mama, como demonstrado por estudos comparativos.
“O que eu sempre falo para as mulheres é: encorajo a prática do autoexame, mas desencorajo a ideia de que ele seja o único método de detecção. É essencial que, além do autoexame, as mulheres façam a mamografia regularmente para garantir a detecção precoce e o tratamento eficaz”.
Com o diagnóstico de câncer de mama, você tem observado avanços científicos que tornaram os tratamentos mais eficazes e com maiores chances de cura? O que podemos esperar para o futuro nessa área?
Fernando Maluf – Em linhas gerais, a grande maioria das mulheres com câncer de mama localizado tem grandes chances de cura, com base na nossa experiência e na de colegas que lidam com esse tipo de câncer no dia a dia. Existem três tipos principais de câncer de mama: o que se alimenta de hormônios, o que depende de uma substância chamada HER2 e o triplo negativo, que cresce independentemente de hormônios ou HER2. Cada um desses tipos tem características diferentes, mas o prognóstico melhorou significativamente, tanto na doença localizada, onde o tratamento medicamentoso, além da cirurgia, tem ajudado a prevenir recidivas, quanto na doença metastática. Hoje, a maioria das mulheres com doença localizada, mesmo com tumores maiores, estão completamente curadas. O combate ao triplo negativo se beneficia da introdução da imunoterapia, o HER2, do uso de drogas anti-HER2, e os tumores hormonais com o uso de inibidores da ciclina, que combatem o crescimento do tumor, além dos tratamentos hormonais e quimioterápicos.
Estamos caminhando para uma medicina ainda mais inteligente, não é?
Fernando Maluf – Atualmente, estão sendo avaliados testes inovadores, como a “biópsia líquida”, que, por meio de um exame de sangue, detecta fragmentos de DNA de células circulantes no corpo.
“Quando você opera um câncer de mama e não há sinais evidentes de doença, ou seja, não há nada visível macroscopicamente, isso não garante que não haja uma célula perdida no corpo. A biópsia líquida, que ainda está em estudo e validação, tem o potencial de, num futuro próximo, confirmar com alta precisão se, após a cirurgia, a paciente realmente está livre de doença, não apenas nos exames de imagem, mas também no sangue”.
Se esse teste atingir um alto grau de acurácia, ele permitirá que evitemos tratamentos desnecessários, como quimioterapia, hormonioterapia ou imunoterapia, porque poderemos saber com mais certeza que a paciente está curada. Além disso, vai ajudar a evitar exames excessivos e visitas frequentes ao oncologista. A biópsia líquida tem, portanto, várias utilidades e pode, em muitos casos, impedir tratamentos que hoje são realizados por precaução. Embora esses tratamentos ajudem a reduzir riscos, eles podem ser aplicados a pacientes que, na verdade, já estão livres da doença. Esse teste ajudará a identificar quem realmente precisa de tratamento e quem pode ser poupada.
E o que falta para termos esse teste disponível de forma ampla?
Fernando Maluf – Minha impressão é de que, nos próximos dois a três anos, alguns desses testes estarão validados para uso clínico.
E para outros tipos de tumores, além do câncer de mama, também podemos esperar esse tipo de teste?
Fernando Maluf – Exato. Isso será um avanço incrível, pois permitirá poupar os pacientes de tratamentos desnecessários, resultando em uma economia significativa de custos e, obviamente, terá um impacto extraordinário na saúde mental dos pacientes oncológicos.
Falando em saúde mental, o câncer deixou de ser uma sentença de morte, mas ainda carrega muito medo para o paciente. Qual a importância de cuidar da saúde mental durante o tratamento e como isso é visto cientificamente? Esse cuidado pode contribuir para o processo de cura?
Fernando Maluf – Minha impressão é que sim, porque a saúde mental está diretamente relacionada à aderência ao tratamento e à qualidade de vida durante esse período. Os melhores centros de tratamento, tanto no Brasil quanto no exterior, reconhecem isso e contam com profissionais especializados em saúde mental dentro de seus departamentos oncológicos. Assim, a saúde mental não só é um fator prognóstico, mas também impacta a eficácia do tratamento, uma vez que pacientes com problemas de saúde mental tendem a ter uma aderência pior aos tratamentos. Além disso, essas pessoas enfrentam maior sofrimento ao longo do processo, o que afeta negativamente sua qualidade de vida ao longo do tempo.
Gostaria de falar rapidamente sobre alguns mitos e verdades do câncer de mama. Primeiramente, em relação aos testes genéticos: toda mulher deve fazer o teste genético para câncer de mama?
Fernando Maluf – No passado, eu diria que não, mas agora, com os novos conhecimentos e a diminuição do custo de alguns exames, eu afirmaria que uma boa parte das pacientes com câncer de mama deve fazer o teste genético. Isso porque ele tem implicações não só no tratamento, mas também no acompanhamento da paciente e no aconselhamento familiar. Vale lembrar que existem situações em que o teste genético positivo tem mais relevância, e outras em que tem menos. Naturalmente, dentro do contexto do câncer de mama, existe uma preocupação com o custo, que é sempre um fator importante. Portanto, é mais sensato focar em pessoas com maior probabilidade de apresentar um erro genético herdado de um dos pais.
Mamografia dói muito? Esse é um questionamento comum entre as mulheres.
Fernando Maluf – Geralmente, as mulheres reclamam muito pouco, pois o incômodo é pequeno. Algumas podem ser mais sensíveis, mas, na maioria das vezes, elas passam pelo exame de forma muito tranquila.
Desodorante pode causar câncer?
Fernando Maluf – Não.
Usar sutiã apertado ou dormir de sutiã pode causar câncer de mama?
Fernando Maluf – Não.
Toda mulher que tem câncer de mama detectado precisa fazer cirurgia?
Fernando Maluf – Sim, ainda é o padrão ouro. Existem alguns estudos que buscam evitar a cirurgia em pacientes, mas eu diria que todos os nossos pacientes tratados devem ser operados. O que está acontecendo é que, com a melhora dos medicamentos, a chance de tratar o paciente antes da cirurgia tem se tornado mais eficaz, e, na hora da operação, o tumor já pode estar completamente morto — ele apenas cresceu. No caso do triplo negativo, com a introdução da imunoterapia e da quimioterapia, e no HER2 positivo, com as drogas bloqueadoras e quimioterapia, a evolução tem sido promissora. O ponto é que ainda não sabemos identificar quem são os pacientes em que o tumor não só desapareceu nas imagens, mas que, de fato, não havia mais células vivas, o que poderia poupar a pessoa de uma cirurgia.
Campanhas como Novembro Azul ajudam a aumentar a conscientização e o debate sobre o câncer de próstata. Você percebe um impacto disso no seu consultório e no trabalho realizado no Instituto Vencer o Câncer?
Fernando Maluf – Eu sinto o impacto, mas acredito que ele poderia ser maior e mais eficaz. Lembre-se de que o ano tem 12 meses, e as pessoas não estão atentas a todas as informações em qualquer momento ou período específico. Portanto, embora as campanhas sejam interessantes, elas têm limitações, pois não podem se concentrar em apenas um mês do ano. Elas devem ser contínuas e recorrentes, especialmente porque a população nem sempre está completamente informada sobre essas doenças.
“Acredito que podemos ter picos de conscientização, como o Novembro Azul para o câncer de próstata e o Outubro Rosa para o câncer de mama, mas esses picos precisam ser seguidos por uma continuidade de informações nos outros 11 meses. Só assim, na minha opinião, a mensagem se tornará mais eficaz”.
Falar sobre algo em um curto período para uma população que muitas vezes não está familiarizada com o tema não traz o benefício pleno que poderia ser alcançado.
Pensando, agora, no câncer de próstata. Quais são seus principais fatores de risco?
Fernando Maluf – É interessante notar que alguns fatores de risco para o câncer de próstata são semelhantes aos do câncer de mama. A obesidade, a dieta e o sedentarismo são claramente fatores de risco. O fator genético também é relevante, representando cerca de 10% dos casos, assim como no câncer de mama. A idade é outro fator importante, já que o câncer de próstata é raro em pessoas abaixo de 50 anos. Além disso, estudos indicam que a raça negra pode estar associada a tumores de próstata mais agressivos. Esses são os principais fatores de risco relacionados à doença.
Quais são os sinais e sintomas do câncer de próstata? Sabemos que a próstata pode aumentar com o envelhecimento, mas quando isso deve ser considerado um sinal de alerta? Qual é a indicação para detectar o câncer de próstata de forma mais precoce?
Fernando Maluf – A hiperplasia benigna prostática (HBP) é uma condição comum que não evolui para câncer, mas provoca o aumento do volume prostático, geralmente a partir dos 50 anos, afetando quase todos os homens. Os sintomas típicos incluem aumento da frequência urinária, jato fraco, necessidade de acordar à noite para urinar e sensação de não esvaziar completamente a bexiga. Por outro lado, o câncer de próstata pode ter sintomas semelhantes, mas o ideal é que ele seja identificado em estágios iniciais, antes de causar sintomas. Quando o câncer começa a crescer, ele pode se espalhar para os gânglios linfáticos, causando inchaço nas pernas, ou para os ossos, resultando em dor óssea ou compressão do canal medular e nervos periféricos. Localmente, o câncer pode afetar a função urinária, a potência sexual (se invadir os feixes vasculonervosos), ou até mesmo causar sangramento na urina ou alterações no reto (se invadir a bexiga ou o reto).
“Com exames regulares como o toque retal e o PSA (antígeno prostático específico), feitos anualmente a partir dos 50 anos, é possível detectar tumores em estágios iniciais, antes que se tornem grandes o suficiente para gerar sintomas. Isso torna o diagnóstico precoce e a intervenção mais eficazes”.
Homens abaixo de 50 anos não precisam se preocupar tanto com o câncer de próstata, certo?
Fernando Maluf – Exceto para alguns grupos de risco. O histórico familiar é muito importante. Se você tem um pai com câncer de próstata, seu risco de desenvolver a doença dobra. Se você tem um irmão abaixo de 60 anos com câncer de próstata, o risco aumenta três vezes. Se você tem tanto um pai quanto um irmão com câncer de próstata, o risco sobe para quatro vezes. E, se ambos, pai e irmão, forem diagnosticados antes dos 60 anos, o risco pode aumentar de cinco a seis vezes. Portanto, esse grupo com histórico familiar é muito importante e deve começar o acompanhamento a partir dos 45 anos. Além disso, pessoas com síndromes genéticas específicas, como a do BRCA (responsável pelo câncer de mama, como no caso de Angelina Jolie), também devem iniciar o monitoramento mais cedo, por volta dos 40 ou 45 anos. Mas, fora esses grupos, a maioria das pessoas deve começar a se preocupar com o câncer de próstata a partir dos 50 anos.
A partir dos 50 anos, a recomendação é o exame de toque retal e o PSA, certo?
Fernando Maluf – O PSA e o toque retal são exames complementares no diagnóstico do câncer de próstata. Em alguns casos, o PSA pode estar elevado, mas o toque retal não apresentar alterações, enquanto em outros, o toque pode revelar nodularidade, mas o PSA estar normal ou baixo. Isso ocorre porque alguns tumores, especialmente os mais indiferenciados, não expressam PSA, o que pode resultar em um PSA negativo, mesmo na presença de câncer. Portanto, esses dois exames juntos ajudam a levantar a suspeita, mas não são definitivos. Quando há resultados conflitantes ou suspeitas, é necessário realizar exames de imagem mais detalhados, como a ressonância magnética. Contudo, apenas a biópsia pode confirmar o diagnóstico com certeza.
Existe algum exame alternativo ao toque retal para o câncer de próstata, considerando o preconceito em relação a ele? O que podemos esperar para o futuro nesse sentido?
Fernando Maluf – Você pode fazer uma ressonância magnética no paciente, mas ela é extremamente custosa e, muitas vezes, inexequível. É importante lembrar que a ida do homem ao médico para realizar o toque retal, na verdade, envolve uma consulta mais ampla, onde o médico também verifica o colesterol, a glicemia, a saúde cardiovascular e mental, além do toque retal e do PSA. Ou seja, a visita ao médico não é exclusivamente para o toque retal, mas para um exame físico completo.
O tratamento do câncer de próstata tem evoluído tanto quanto o do câncer de mama?
Fernando Maluf – Muito. Então, dando um passo para trás, hoje, em 30% dos homens com essa doença, nós não fazemos nada.
30%? Não faz nada?
Fernando Maluf – Nada. São tumores pequenos, indolentes, confinados, e que, com segurança, você pode apenas observar. Em 15 anos, metade nem precisará de tratamento. Já a outra metade, que precisará de tratamento no futuro, pode ter o câncer com um padrão microscópico alterado, mas a curabilidade será tão alta quanto a de 5 ou 10 anos antes. Ou seja, a pessoa aproveitou mais 5 ou 10 anos sem risco de efeitos colaterais, como a temida incontinência urinária ou impotência, que hoje são muito menores. O fato é que, se você não fizer nada, os efeitos colaterais são zero. E esses pacientes, quando bem seguidos, alguns nunca precisarão de tratamento, e, para aqueles que necessitarem, o prognóstico não é piorado. Dos outros 70% dos pacientes, a maioria precisará de tratamento, e esse tratamento pode variar em uma, duas ou até três modalidades. Quanto mais grave a doença, mais tratamentos você precisará aplicar. Os tratamentos mais utilizados para a doença localizada são cirurgia e radioterapia. A cirurgia melhorou muito com o advento da robótica, o que tornou a recuperação mais rápida e tolerável. Já a radioterapia evoluiu com doses mais focadas de radiação. Existe também um terceiro tratamento, bem menos comum, chamado HIFU, que consiste em queimar o tumor prostático por meio de uma alta dose de temperatura via transretal.
Isso se refere a tratamentos alternativos à cirurgia e radioterapia?
Fernando Maluf – Exato. E, hoje em dia, para pacientes com doença muito avançada, que no passado eram tratados com a simples supressão da testosterona, temos opções muito mais avançadas. Hoje, há drogas hormonioterápicas mais inteligentes, novos quimioterápicos e medicamentos que evitam a reconstituição do tumor, como as drogas alvo-dirigidas. Além disso, os radiofármacos, que são substâncias radioativas, agora podem ser utilizados. Essas substâncias se ligam diretamente ao tumor e o destroem. Dois exemplos de radiofármacos são o Rádio-223 e o Lutécio PSMA.
Com os avanços nos tratamentos do câncer de próstata, a incontinência e a impotência melhoraram? Qual a porcentagem de pacientes que ainda enfrentam essas complicações após a cirurgia?
Fernando Maluf – Exato. Em centros especializados e com profissionais experientes, a chance de incontinência urinária persistente após a cirurgia é menor do que 5 a 7%. A variação na chance de impotência, que pode variar entre 20% e 60%, ocorre devido ao fato de que essa não é uma doença exclusivamente de homens jovens. Muitos pacientes já apresentam algum grau de impotência antes mesmo do diagnóstico, seja por causa da idade, de outras condições de saúde ou do uso de medicamentos. No entanto, posso afirmar que as chances de efeitos colaterais graves diminuíram significativamente. Embora os efeitos colaterais não sejam tão baixos quanto os de não realizar nenhum tratamento, é importante destacar que, para pacientes que não apresentam características de um tumor muito indolente, a abordagem de “não fazer nada” pode ser arriscada.
“A cirurgia e a radioterapia, de fato, evoluíram bastante, e é essencial que a população entenda isso. O maior medo que as pessoas têm é o de serem diagnosticadas e precisarem passar pelo tratamento, mas a realidade é que essas opções de tratamento hoje estão muito melhores do que eram há 15 ou 20 anos”.
Além da incontinência e da impotência, há outros receios comuns que você observa nos pacientes quando eles chegam ao consultório ou esses são os principais?
Fernando Maluf – É natural haver angústia sobre a cura e os efeitos colaterais. Mas o que eu digo é o seguinte: o câncer de próstata localizado, ou até localmente avançado, é extremamente curável. Os tratamentos melhoraram muito, e acredito que o futuro, não só da cura, mas também da segurança, está cada vez mais promissor.
Para o câncer de mama e de próstata, ainda se mantém a recomendação de acompanhamento por cinco anos após o tratamento? Qual o motivo por trás desse ‘número mágico’?
Fernando Maluf – É um número mágico mesmo. Eu tive recentemente duas pacientes com câncer de mama que estavam curadas; uma recorreu depois de oito anos, e a outra, depois de dez. Então, quando batem os cinco anos, não é outra situação em que você pode dizer: ‘Bom, agora 100% protegido, eu não estava e acordei protegido’. As doenças não funcionam assim. O que eu diria é que, depois de cinco anos, quando a doença não voltou, a chance de recidiva existe, mas é pequena. Isso mostra, de algum modo, que o tumor não foi curado, mas foi muito lento para se desenvolver novamente.
Como você vê o acesso aos tratamentos de câncer de mama e próstata nas políticas públicas? Nem todos conseguem acesso aos melhores tratamentos, certo? Como isso tem impactado o diagnóstico e a recuperação dos pacientes?
Fernando Maluf – O acesso é muito limitado. Para a próstata, nós temos duas medicações aprovadas e financiadas: a quimioterapia e a injeção de hormônio. Porém, a gama de anti-hormônios, quimioterápicos e radiofármacos não está disponível no SUS. E para o câncer de mama, é a mesma coisa; temos muito pouca coisa. Uma das últimas drogas aprovadas para mama foi o Trastuzumabe, não o Deruxtecan, mas o Trastuzumabe, naquela época, há vários anos.
Existe uma mobilização da sociedade e das sociedades médicas para tentar mudar esse cenário de acesso desigual aos tratamentos?
Fernando Maluf – Veja, ninguém fica satisfeito com isso. Todo mundo sofre quando alguém não tem acesso a uma ótima droga, e eu acho que isso deve crescer cada vez mais. As sociedades e entidades afins devem se juntar para criar uma voz mais uníssona.
Dr. Maluf, para finalizar, quais são os principais pontos sobre o câncer de mama e de próstata que as pessoas devem prestar atenção para a prevenção e detecção precoce?
Fernando Maluf – Eu acho que prevenir é o melhor remédio. Quem procura, acha, e quem acha, cura. Então, achar um tumor pequeno, seja de próstata ou mama, é muito curável. Quando o diagnóstico é feito, procurem os melhores profissionais, os melhores hospitais. Nem sempre a pessoa pode, mas, se puder, olhe isso com carinho. Pesquise o profissional, cheque, etc. E os tratamentos, obviamente, só melhoraram. A gente tem curado muito mais mulheres do que antes. Portanto, se alguém tiver o diagnóstico da doença, não desanime, não abaixe a cabeça, seja estratégico ao procurar bons nomes e siga em frente, porque a sua chance de cura é muito alta.
Recebar nossa Newsletter
NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.