Fabrício Campolina: “Lidar com vidas não pode ser desculpa para o setor não se transformar”

Fabrício Campolina: “Lidar com vidas não pode ser desculpa para o setor não se transformar”

A transformação digital está no foco de praticamente todas as

By Published On: 22/09/2022

A transformação digital está no foco de praticamente todas as empresas, de qualquer setor. Essa é uma máxima também na saúde. Contudo, aliar tecnologia e saúde não é tarefa das mais fáceis. Ao lidar com vidas, aquele conceito de startups de fazer rápido, errar rápido e aprender rápido não se aplica. Mesmo assim, quem não buscar essa digitalização vai ficar para trás. Este foi um dos temas da conversa com Fabrício Campolina, presidente da Johnson & Johnson MedTech, entrevistado do mês em Futuro da Saúde.

O executivo possui mais de 20 anos na indústria de alta tecnologia – os últimos 17 na própria J&J – e é referência quando o assunto é tecnologia, inovação e tendências. A entrevista marca outra novidade: Campolina será o mais novo colunista de Futuro da Saúde, onde trará em seu espaço justamente esses assuntos que têm o potencial de transformar o setor.

Ao longo da conversa, ele abordou a necessária transformação digital das empresas de saúde, trouxe exemplos práticos dessa mudança, falou de metaverso, ecossistemas, a importância da atuação das entidades setoriais para a saúde avançar e da necessidade da mudança cultural para concretizar as transformações: “Tudo começa, se desenvolve e termina com a mudança cultural. Esse é o pilar principal”. Confira os principais trechos da entrevista:

De uma forma geral, qual sua visão sobre onde estamos e para onde vamos nessa junção de tecnologia e saúde?

Fabrício Campolina – Quando fazemos uma reflexão sobre o mercado de saúde, a tecnologia sempre esteve presente, mas o foco de transformação da saúde era trazer um produto que conseguisse melhorar um desfecho clínico e proporcionar uma inovação na forma de cuidado. O investimento em pesquisa e desenvolvimento sempre existiu. O que está acontecendo de novo nesse momento é a mudança de foco apenas em produto para pensar também em processos e na gestão. É o que chamamos de transformação digital empresarial.

Consegue trazer alguns exemplos?

Fabrício Campolina – Em processos de cadeia logística, há 20 anos vários outros setores já falavam de integração de sistemas para automatizar a troca de pedidos. Isso era uma conversa dos anos 2000, literalmente. Eu participei disso em outras indústrias. Na área de saúde, essa é uma conversa que começa a ter mais força agora. Algo sobre como pegar o meu sistema, meu SAP, e conectar com os sistemas dos meus clientes, de hospitais, para automatizar os processos de troca de informação para, de um lado, me ajudar a ter o estoque realmente adequado aqui no Brasil e, ao mesmo tempo, esse produto estar disponível na hora de uma cirurgia. Sem que isso envolva um custo exorbitante. Até como referência de outras indústrias, ao unir esses sistemas e automatizar, é possível reduzir em até 30% o tamanho do seu inventário, ou seja, com ganhos de eficiência. Nessa área, a saúde avançou muito pouco em termos de tecnologia. Muitas vezes essas reposições de pedidos ocorrem através de e-mails ou telefonemas. São processos que funcionam, mas com uma eficiência muito baixa.

E por que demorou 20 anos para esses avanços? Por que ainda hoje existe esse trabalho mais analógico?

Fabrício Campolina – Talvez porque não tenha tido uma necessidade tão forte como temos hoje de aumentar a eficiência dentro do sistema de saúde. Com as discussões que se aprofundaram na década passada, de que o modelo antigo era insustentável, e o início dessa rediscussão das relações e de onde é possível reduzir as ineficiências, essa área de cadeia logística e automatização, por exemplo, é uma que ganhou mais atenção. Talvez em outros setores, que trabalhavam com margens menores, se não houvesse essa eficiência não conseguiriam sobreviver. Acredito que na área da saúde está chegando esse momento.

Se os modelos não forem repensados, se não promovermos eficiência, poucas empresas conseguirão realmente se manter perenes dentro desse mercado.

Mas você acredita que o setor está realmente começando ou já está no meio desse processo de adoção da inovação na saúde?

Fabrício Campolina – Se pensarmos em uma perspectiva além da inovação em produtos, procedimentos cirúrgicos ou terapias – que sempre aconteceu no setor – e entrarmos na inovação realmente de processos, acho que isso é uma jornada que nunca vai terminar e está em diferentes estágios dependendo de cada empresa. Não é algo que está equânime em todo o setor. Se você pegar 10 empresas com a mesma área de atuação, vai encontrar três ou quatro que estão à frente dessa jornada, enquanto outras nem sabem ainda o que precisam fazer. E aí começa a refletir, por exemplo, no que aconteceu em outras indústrias em relação às empresas nativas digitais. A Microsoft é nativa digital? Não. Ela nasceu em 1975. Se desenvolveu como uma empresa tradicional, o próprio CEO reconhece isso. O ponto de virada foi em 2011, quando esse CEO novo assumiu. Inclusive, se você acompanhar as ações da bolsa deles, foi uma virada absurda depois que eles conseguiram começar a pensar de uma forma mais acelerada desse modelo tradicional para nativa digital.

Como se define, então, uma empresa nativa digital?

Fabrício Campolina – São empresas que nasceram já na era da internet, como a Amazon ou como Facebook, que desde o princípio já se organizaram de uma forma diferente de uma empresa tradicional. O que significa se organizar de uma forma diferente? A forma de trabalho dela não é por gestão de projeto tradicional. Elas se organizam em times ágeis, que é uma forma completamente diferente de trabalho, muito mais adequado no contexto de um mundo que está em constante transformação, com um movimento muito acelerado. Em termos de liderança, não é aquele formato da empresa tradicional, que é muito hierárquico. É uma liderança mais servidora, na perspectiva de que o líder precisa servir as equipes, dar o direcionamento, tirar os obstáculos e criar um ambiente de segurança psicológica. Inclusive, há estudos que a Google fez dentro da sua própria estrutura para identificar os fatores que tinham mais impacto sobre a performance e esse ambiente de segurança psicológica se destacou, que é fazer as pessoas se sentirem parte e seguras para falar o que pensam, trazer os desafios que precisam e provocar as mudanças que eles acreditam.

E que dê atenção aos dados, certo?

Fabrício Campolina – Sim, ela se organiza para ter uma estrutura operacional para integrar todos os dados. Em uma empresa tradicional, existem vários dados que estão soltos em todos os departamentos, que não se conversam e não permitem criar insights de uma maneira integrada. Nosso sistema de saúde é muito assim. Uma empresa nativa digital desde o princípio consegue criar essa estrutura operacional que integra todos esses dados e, em cima dessas informações, começa a criar insights compartilhados sobre os clientes entre todas as áreas. Consegue permitir também ter uma base para criar plataformas, gerar a transformação digital e novas propostas de valor.

Como se organizar nesse mundo de transformações tão rápidas?

Fabrício Campolina – Aí é que está uma tendência enorme. Antigamente, o planejamento estratégico era pensado para um horizonte de três a cinco anos. Você definia uma estrutura para entregar aquilo e, quando disparava, não parava mais. Isso funcionava há 20 anos, mas no mundo de hoje, o mercado pode mudar completamente em três, seis, nove meses.

Se você está organizado como empresa tradicional, terá pouca eficiência para reagir às mudanças e viverá em um ambiente de muito nervosismo, estresse e frustração.

Sempre faço uma brincadeira: você acha que uma empresa como Google ou Amazon já levou algum palestrante para falar do mundo VUCA (um acrônimo que significa volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, um conceito relacionado aos imprevistos e rapidez com que as mudanças ocorrem) para seus funcionários? Esse é o mundo delas, elas amam esse mundo e nadam de braçada nessa realidade. Portanto, o grande desafio para as empresas tradicionais é identificar como fazer essa jornada de conversão para uma empresa digital. A área de saúde também passa por esse processo para que essas empresas nativas digitais não comecem, em determinado momento, a assumir um papel que naturalmente seria das empresas que já estão no mercado há tanto tempo, desenvolvendo e gerando valor para esse mercado.

Já vemos empresas de tecnologia como Apple e Amazon entrando na saúde, o que às vezes traz até um certo receio dentro do setor, no sentido de se desenvolverem e tirarem espaço para as empresas de saúde que já tem expertise.

Fabrício Campolina – É, mas se as empresas de saúde não conseguirem fazer essa mudança para se tornarem digitais, será só uma questão de tempo. A boa notícia é que as empresas estão despertando para isso. Algumas começaram mais cedo, outras vão começar mais tarde. Mas todas vão despertar em algum momento.

Onde está a J&J MedTech neste cenário?

Fabrício Campolina – Gostamos de falar que somos uma startup de 130 anos. Sempre abertos a nos reinventar e inovar. Nessa evolução de uma empresa tradicional para uma digital, estamos realizando esforços de uma maneira estruturada globalmente e no Brasil para que isso possa ser vivenciado no dia. Essa jornada começou antes da pandemia, mas foi acelerada por ela de uma maneira brutal. Teve início em 2019 quando criamos uma área de transformação da empresa, que até tive a oportunidade de liderar, e que, naquela época, pouca gente entendia o que de fato aquela área iria fazer. Lá em 2019, para dar um exemplo, tirando as áreas de tecnologia da informação, 100% da empresa trabalhava só com gestão de projetos tradicionais. Trouxemos os métodos ágeis de trabalho de TI para a área comercial. E aqui tem um ponto importante: se você faz esse movimento do dia para noite, você não gera inovação, gera caos. Na minha visão, a melhor forma de fazer isso é criando centros dentro da organização, depois vai ampliando para as áreas até chegar o momento de abranger toda a organização. E não necessariamente toda a organização vai trabalhar com metodologia ágil. Naquelas onde a situação é mais estabelecida e há menos mudanças, a gestão de projetos é mais que perfeita. Mas depois de dois anos de avanço nessa jornada, já temos 25% dos colaboradores da área comercial envolvidos em times ágeis.

Essas transformações demandam uma mudança cultural muito forte. Qual a dificuldade dessa mudança de mentalidade?

Fabrício Campolina – É o mais difícil. Quando começamos a pensar na jornada, tentamos entender o que precisamos priorizar. É na plataforma central? Treinar o pessoal em métodos ágeis? Me conectar com o ecossistema?

Tudo começa, se desenvolve e termina com a mudança cultural. Esse é o pilar principal. E começa com a liderança sênior.

Boa parte dos executivos fez cursos internacionais para entender de maneira mais profunda essas transformações. Temos também toda uma comunicação trazendo a importância de desenvolver essa destreza tecnológica e tirar os preconceitos, porque muitos pensam que tecnologia quem tem que saber é TI. Ou se perguntam ‘por que eu preciso saber o que é inteligência artificial?’. Por isso fazemos esse trabalho de comunicação.

Se a pessoa não entende o que é inteligência artificial, por exemplo, ela não se engaja no processo?

Fabrício Campolina – Não só isso. Existem dois aspectos. O primeiro é: se a pessoa tem preconceitos, se acha que esses termos tecnológicos são para outras áreas, ela não estará aberta a entender como a tecnologia vai ajudar a trazer ganhos dramáticos de produtividade. O segundo aspecto é o conceito de use case ou caso de uso. Se você viesse na J&J há 18 meses, ninguém saberia o que era. Hoje em dia, a maioria sabe e poderia contar um caso em que está envolvida.

O que é isso exatamente?

Fabrício Campolina – No mundo de antes, as pessoas estavam mais preocupadas em conhecer o negócio e as finanças, portanto faziam business case, ou seja, você apresentava o que vai acontecer, quanto vai investir e qual será o retorno. No mundo atual, uma empresa nativa digital usa o conceito de caso de uso porque sabe que, se ela não incluir uma tecnologia no meio, não vai conseguir transformar. Se ela quer aumentar um retorno em 200% ou melhorar a eficiência em ordem de grandeza de duas a três vezes, precisa da tecnologia. É a tecnologia que provoca mudanças de paradigmas. Nesse conceito, você consegue definir claramente qual é o problema que você quer resolver, qual o escopo daquilo que está sendo feito, qual tecnologia você precisa para fazer isso de uma forma transformacional e, obviamente, o retorno que você espera. Ao amarrar essas pontas, você acaba traduzindo para a área de tecnologia sua necessidade de negócio e o negócio traduz a tecnologia que vai te transformar. Por isso costumo falar que o caso de uso é o novo plano de negócio. Isso começa mudando a mentalidade da alta liderança e cascateando para toda a organização.

No setor da saúde há a questão de mexer muito com informações sensíveis. Isso torna mais difícil fazer uma grande transformação?

Fabrício Campolina – Sem dúvida. Temos que reconhecer que estamos lidando com vidas. Ao lidar com vidas você não aplica aquele conceito de faça rápido, erre rápido e aprenda rápido. E nossa sociedade cada vez mais demanda que os dados sejam tratados de maneira adequada, respeitando temas relacionados à confidencialidade e proteção. Isso sempre foi importante, mas agora é mais do que nunca. E tem também a questão do paciente em primeiro lugar. Tratar cada paciente como uma vida que tem família. Esses elementos trazem ainda mais desafios nessas mudanças.

Mas isso não pode virar uma desculpa para a gente não se transformar. Aumenta a complexidade e a responsabilidade, mas de forma alguma nos dá o direito de não mudar.

O setor sempre foi muito competitivo, mas hoje vemos muito mais colaboração entre empresas até do mesmo setor. Como você vê esse cenário?

Fabrício Campolina – Quem não entendeu isso ainda será obrigado a entender pelo impacto que isso vai trazer aos negócios em alguns anos. Essa cultura de transformação é muito mais de colaboração. Isso não é algo novo no aspecto geral, mas é novo para a saúde. Quando eu trabalhava em outro setor, de alta tecnologia, lembro muito bem que me relacionava com empresas que eram ao mesmo tempo fornecedor, cliente e competidor. E funcionava perfeitamente porque havia governança para isso. No fim das contas, quem ganhava era o usuário final. O mercado de saúde sempre teve essa dinâmica de disputa entre nós mesmos, obviamente, sem prejudicar o paciente nesse processo, mas isso está mudando.

A tendência de formação de ecossistemas vai nessa linha?

Fabrício Campolina – Dentro dessa evolução que estamos vivenciando fica muito claro que empresas conseguem se organizar em ecossistemas geram muito mais valor do que aquelas que ficam trabalhando de uma maneira independente, pouco colaborativa.

À medida que isso avança para ecossistemas, seja fechado ou aberto, vamos ver no mercado de saúde um cenário de competição mudando de empresa versus empresa para ecossistema versus ecossistema. E quem ficar de fora de ecossistema vai ficar muito pouco relevante nessa conversa toda.

O que é preciso para integrar um ecossistema? Primeiro, identificar outras instituições que compartilham os mesmos valores e o mesmo propósito, porque esses ecossistemas serão gerados em torno de propósitos e valores. Cada empresa que faz parte dele vai colocar seu ativo à serviço, criando um valor muito maior para os usuários. O segundo ponto é que, para isso funcionar, é preciso a atitude mais colaborativa de compartilhamento de dados e de confiança. Não tenho dúvida que o mercado vai evoluir nesse sentido e que as empresas que não estiverem integradas em ecossistemas não serão competitivas.

Dentro dessas transformações, qual o papel da legislação? Você acredita que as leis brasileiras ajudam ou atrapalham esse contexto de inovação?

Fabrício Campolina – Muitas das legislações e dos processos de conformidade são a base para poder impulsionar a inovação. Porque se você não tem essa base, você começa a inovar de uma forma que não é sustentável e aí é só uma questão de tempo até precisar parar, rever tudo e depois refazer. Isso dá muito mais trabalho, sem contar os impactos que isso pode ter em reputação ou nos próprios pacientes. Precisamos enxergar essas leis, normas ou políticas como a base para qualquer processo de inovação ser sustentável no futuro.

E as empresas conseguem ter voz para participar da formulação dessas regulamentações?

Fabrício Campolina – Sim, e o caminho natural é através das entidades setoriais. Precisamos estar cada vez mais atuantes e fortalecer as entidades setoriais para que elas possam, de uma maneira legítima, levar as bandeiras da área da saúde que interessam a todos os brasileiros para os órgãos públicos e buscar soluções que nos façam evoluir enquanto sociedade.

Você sente que essa mobilização e capacidade de articulação do setor está mudando?

Fabrício Campolina – Houve, sim, um avanço nos últimos 10 anos, mas ainda estamos longe de onde precisamos estar. Principalmente quando olhamos o contexto macroeconômico desafiador. Se conseguíssemos promover simplificação de regulação onde ela pode ser simplificada, além de garantir e expandir isenções fiscais onde realmente pode gerar benefícios para a sociedade, isso ajudaria muito o setor a continuar não apenas promovendo, mas ampliando o cuidado para a população.

Por isso é realmente importante que o nosso setor consiga se organizar para poder identificar as principais bandeiras e articular isso de uma maneira efetiva em conjunto.

Voltando para a questão das transformações, muito se fala de como o metaverso pode mudar a sociedade como um todo. Como você vê essa questão?

Fabrício Campolina – Primeiro, é preciso reconhecer que não existe uma definição de metaverso. A McKinsey fez uma pesquisa recente com alguns dos maiores especialistas globais e a conclusão é que não há um consenso. A partir dessa constatação, a minha reflexão pessoal é que o metaverso é muito uma questão de você entrar em algum tipo de imersão que cria a ilusão de que aquilo é real. No momento que uma imersão te faz esquecer que você está dentro, isso para mim já é metaverso. Acredito que essa imersão vai evoluir de uma maneira dramática nos próximos anos. A gente costuma superestimar o que acontece em um ano e subestimar o que acontece em 10. Não vai mudar muito até o final do ano que vem. Mas provavelmente será absolutamente diferente em uma década. Da mesma forma como foi com o celular. Do início da década de 90 até agora, houve um progresso extraordinário. Essa imersão vai evoluir no sentido de você sentir calor e frio, ter uma sensação tátil real, talvez até enxergar mais cores que a gente enxerga hoje em dia. À medida que você muda esse grau de imersão, os casos de uso se amplificam de uma maneira absurda.

Quais seriam as possíveis aplicações na saúde?

Fabrício Campolina – O primeiro que já está se desenvolvendo rapidamente é a parte de educação continuada. Por exemplo, trouxemos para o Brasil um sistema global que permite fazer treinamento de cirurgia de artroplastia de joelho. Então, imagine um jovem cirurgião nesse processo de aprendizagem e repetindo inúmeras vezes o passo a passo antes de ir para uma cirurgia real. É como você aprender a andar de bicicleta sem ter que ficar caindo. Já vemos estudos iniciais que sugerem uma eficácia muito grande dessa curva de aprendizado entre jovens cirurgiões ou residentes expostos a este tipo de tecnologia versus aqueles que não foram. Outro aspecto seria o de humanização da medicina.

Quais exemplos nesse sentido de humanização?

Fabrício Campolina – Por exemplo, criação de mundos imaginários no metaverso para aplicação de vacinas em crianças, ou seja, ela se distrai enquanto recebe uma dose. Ou ainda uma iniciativa que está sendo desenvolvido no Hospital de Amor, em que para crianças em quimioterapia, eles transportam para um mundo e aquilo vira como se fosse parte de um jogo que estão vivendo. Há também aplicações para pacientes com espectro autista. Já é bem conhecido que terapias com animais ajudam e elas estão sendo criadas agora no metaverso. E há ainda a questão das fobias. Uma pessoa com medo de falar em público pode se transportar para um auditório e treinar centenas de vezes até superar. E há o aspecto do marketing. Gerar ações de marketing dentro do metaverso para atrair clientes para o seu negócio no mundo real é algo que também está bem em voga.

O que você acha que vai acontecer daqui 10 anos, então?

Fabrício Campolina – Se isso evoluir a ponto de você ter um sistema tátil que realmente simule o real, mas mais do que isso, que amplie os sentidos, poderia ser possível, de uma certa maneira, atingir a capacidade olfativa de um cachorro, porque você teria receptores na outra ponta captando esses odores, analisando e mandando sinal para o cérebro. E aí, por exemplo, poderia sentir, igual o cachorro sente, que um paciente está com câncer. Então, daqui a 10 anos, uma consulta de telemedicina vai ser bem mais efetiva do que uma consulta real.

Eu sei que o que estou falando é absolutamente polêmico, mas falo para provocar mesmo.

Porque se dentro do metaverso você conseguir não só replicar o que temos no mundo físico, mas sim ampliar a capacidade desse médico de poder fazer um diagnóstico, tornar o atendimento mais equânime e afetivo, fazer o paciente ser atendido por um profissional que tenha uma qualificação adequada para tratar daquela doença e, ao mesmo tempo, libertar de restrições geográficas ou socioeconômicas, vai ser um grande salto.

Caminhando para o fim, outro tema em alta no momento é o ESG. Qual sua visão sobre as ações do setor de saúde nesse assunto?

Fabrício Campolina – Primeiro, é interessante refletir que o IHI [Institute for Healthcare Improvement] declarou que as três metas iniciais de saúde baseada em valor, que eram desfecho clínico, satisfação do paciente e custos adequados, precisariam ser ampliadas para cinco metas. A quarta meta é em relação a ter um corpo assistencial que também seja cuidado, porque não adianta nada atingir as primeiras três e ter os profissionais que estão entregando essa saúde sem nenhum cuidado, com alto nível de estresse e outras questões relacionadas à saúde mental. E a quinta meta é a equidade no acesso, ou seja, como garantir que todos tenham acesso à saúde e aos melhores padrões de cuidado. Obviamente isso é algo complexo, uma tarefa gigantesca a ser alcançada. Por outro lado, vemos todo um ambiente de negócios cada vez mais fomentando ESG, seja por empresas listadas na bolsa de valores que terão requerimentos a seguir, pressões das próprias comunidades, por governança, pelo aquecimento global. Esse pano de fundo faz com que isso entre na agenda das empresas da área de saúde do Brasil.

Como vocês trabalham esse tema na J&J MedTech?

Fabrício Campolina – Isso não é algo novo para nós, mas tivemos uma mudança importante. Antigamente, tínhamos uma área independente que atuava com as ações principalmente junto às comunidades. Era uma estrutura separada para nunca se comunicar com o negócio, porque não queríamos que as comunidades pensassem que eram ações de marketing. Durante a pandemia, percebemos que os colaboradores queriam se envolver nessas atividades, então privar isso delas era um grande desperdício. Além disso, você não consegue ter escala se simplesmente tem uma área atuando, mas que não conecte com todo o ecossistema da empresa. Agora, elas ultrapassaram as paredes dessa área e permeiam toda a organização. Temos vários exemplos na prática, como o projeto MilDevs, que forma jovens desenvolvedores, parque de energia solar na nossa fábrica em São José dos Campos e muitas ações de governança.

Para terminar, você acabou de assumir o novo cargo e gostaria de saber sua visão sobre os desafios da companhia.

Fabrício Campolina – Antes de mais nada, é um privilégio herdar um negócio em um momento excelente. Obviamente existem desafios e espero contribuir para ajudar a criar um legado e levar a companhia para o próximo nível. Um dos principais é garantir um sistema resiliente e sem fragilidade de fornecimento dos nossos produtos para todos os clientes, mesmo com todas essas complexidades que as cadeias produtivas globais estão vivenciando. Outro desafio é como a gente acelera toda essa transformação empresarial. Já avançamos bastante na jornada nesses últimos três anos, mas ainda temos muito a avançar. Finalmente, e acho que este é um desafio comum para todos, está o contexto de inflação persistente e de custos logísticos e como a gente consegue aumentar nossa produtividade, alavancar a tecnologia e intensificar a colaboração e integração dentro da cadeia para manter níveis sustentáveis do nosso negócio para o longo prazo.

Natalia Cuminale

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, com as reportagens, na newsletter, com uma curadoria semanal, e nas nossas redes sociais, com conteúdos no YouTube.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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