Hospitais expandem negócios em parcerias com operadoras e movimentam mercado
Hospitais expandem negócios em parcerias com operadoras e movimentam mercado
Novas unidades de hospitais de renome são construídas em parcerias com operadoras, buscando redução de custos e eficiência.
Apesar de parecer um mercado saturado, com as principais referências do setor de saúde na região, São Paulo irá receber novos hospitais nos próximos anos. O movimento surge para ampliar a capacidade das instituições e suprir uma demanda do mercado, aliado ao envelhecimento da população. Para isso, as parcerias com operadoras têm sido feitas antes mesmo dos projetos saírem do papel.
É o caso das joint ventures anunciadas ao longo dos últimos anos, com destaque para as parcerias realizadas com a Bradesco Seguros. Sendo uma das principais operadoras não verticalizadas do país, a operadora tem feito um movimento em busca de criar sociedades com hospitais renomados.
Três grandes projetos chamaram a atenção do setor. O primeiro, um negócio de oncologia junto ao Grupo Fleury e a BP – Beneficência Portuguesa, com investimento estimado em 678 milhões de reais. Em seguida, uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein para um novo hospital geral, com cerca de 300 leitos previstos. Já no final de dezembro, a Rede Mater Dei anunciou a sua chegada em São Paulo, na zona norte da cidade, com a construção de uma joint venture junto a Bradesco – todos via Atlântica Hospitais, o braço do grupo focado em unidades de saúde. A movimentação deve contribuir com um melhor controle da sinistralidade da operadora, em um cenário de envelhecimento populacional e aumento de custos.
Paralelamente, hospitais independentes também se movimentam para ampliar sua estrutura. O Sabará Hospital Infantil, por exemplo, deve inaugurar em 2026 uma nova unidade com cerca de 200 leitos. Já o Hospital Sírio-Libanês tem focado sua expansão em São Paulo e Brasília, com abertura de 10 a 15 unidades especializadas em áreas como oncologia, cardiologia e ortopedia, até 2032.
Mesmo com um cenário instável na saúde suplementar, que atinge principalmente os pequenos e médios hospitais que acabaram freando sua expansão, a abertura de novas unidades deve seguir nos próximos anos, assim como o processo de fusões e aquisições que vinha ocorrendo. Mas para isso, as instituições contam com um bom relacionamento com as operadoras, seja para credenciamento, seja para o pagamento de débitos atrasados.
“Estamos falando de 203 milhões de pessoas no Brasil. Quando pegamos a relação das quantidades de pessoas por leito no país, percebemos que em termos de leito o Brasil está abaixo em relação a outros países e da média mundial. Isso nos dá a possibilidade ou pelo menos a métrica média para dizer que tem espaço para construção de novos leitos”, avalia Luis Fernando Joaquim, sócio-líder de Life Sciences & Health Care da Deloitte, que aponta que o Brasil possui 2,1 leitos a cada 1 mil habitantes, frente à média mundial de 2,9 leitos.
Cenário do mercado
“Quando a gente fala de hospitais, o Brasil tem 6384 instituições e 500 mil leitos. Se a gente dividir essa quantidade de leitos por hospital, chegamos a 78 leitos por unidade. Na média, temos 362 pessoas por leito no privado. O Amazonas é o estado que tem menos oferta na saúde suplementar. Em segundo colocado vem São Paulo. Apesar de ser um polo médico, tem muita gente com planos de saúde”, explica Joaquim, da Deloitte.
Esse cenário colabora para que as empresas se dediquem na construção de unidades e expansão de leitos na região, mesmo parecendo um mercado saturado. Com 44 milhões de habitantes, o estado acumula mais de 18 milhões de pessoas com plano de saúde, de acordo com o último dado da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), referente a novembro de 2023.
Isso representa mais de 40% da população paulista com plano de saúde e 35% dos beneficiários de planos de saúde em todo o país. Estimativas da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) apontam para a existência de pouco mais de 64 mil leitos no estado, segundo o levantamento Cenário dos Hospitais no Brasil 2021-2022.
Por isso, entidades e especialistas são categóricos ao afirmar que o país tem espaço e demanda para a construção de novos hospitais. “Não temos nenhuma dúvida sobre o enorme espaço que existe para o crescimento do sistema de hospitais privados. Se a gente olhar para um médio e longo prazo, será um período de investimentos, aquisições, fusões e contratações. Um ciclo de expansão”, afirma Antônio Britto, diretor executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).
Contudo, Britto alerta que o cenário atual de crise na saúde suplementar fez as instituições frearem suas expansões. Um levantamento da Anahp realizado com 66 associados, apontou que 72% não conseguiram executar investimentos em expansão para 2023. O motivo, segundo o diretor executivo, se deve ao atraso no pagamento dos serviços prestados, podendo chegar a 110 dias, fazendo pequenos e médios hospitais serem mais cautelosos.
“O final do ano de 2023 mostrou uma leve melhoria no fluxo de caixa das operadoras e esperamos que isso permita uma redução no prazo de pagamento pelas operadoras. A crise é uma dificuldade do sistema como um todo, as operadoras em dificuldades adiam os pagamentos e isso cria dificuldade para os hospitais. Na medida em que elas melhoram a sua situação, a nossa expectativa é que diminuam as dificuldades para os hospitais”, explica Britto.
Parcerias de hospitais e planos
José Henrique Salvador, CEO da Rede Mater Dei
Por outro lado, grandes hospitais e operadoras seguiram com seus investimentos, seja por ter mais dinheiro em caixa ou pelos investimentos recebidos ao longo dos anos, já que parte dos principais grupos possuem capital aberto. A busca por mais eficiência assistencial e de custos também deu impulso para novas parcerias.
Entre as principais iniciativas está a joint venture da Bradesco Seguros com a Rede Mater Dei, possibilitando a entrada do grupo de hospitais em São Paulo, principal praça para a saúde suplementar no Brasil. A unidade será construída na zona norte da capital paulista, com início das obras previsto para 2025.
“Na região do bairro de Santana tem uma população de 2 milhões de habitantes, muito maior do que muitas cidades, incluindo as capitais. Tem uma penetração muito forte de planos de saúde, como Bradesco e outros convênios de mercado. Para nós, ter a oportunidade de entrar para esse projeto, ancorado em uma parceria com Bradesco, foi o movimento mais direto para poder viabilizar essa nossa entrada”, afirma o CEO da Rede Mater Dei, José Henrique Salvador.
Esse será o 11º hospital do grupo, que veio de um movimento de aquisições em Minas Gerais, Bahia, Pará e Goiás. Com a entrada em São Paulo, novas possibilidades se abrem para a Rede, que quer ser a referência de hospital privado na zona norte da cidade. Fora da principal área de hospitais, Salvador explica que é possível identificar outros bairros que necessitam de equipamentos de saúde.
“Esse modelo que une eficiência operacional, clínica e custo-efetividade, somado à satisfação do cliente, sempre vai ser um modelo vencedor em qualquer cidade. São Paulo ainda tem alguns bolsões que poderiam ter ativos com esse tipo de qualidade que a gente propõe. Sem sombra de dúvidas, acreditamos que ainda há oportunidades para crescimento em diversas regiões da cidade”, defende o executivo.
O CEO aponta que o grupo não tem pretensão de fazer um hospital verticalizado, e que a nova unidade irá atender beneficiários de outros planos parceiros, que também foram sondados para entender a demanda da região. Apesar de apontar que não necessariamente precisa se construir uma joint venture para abrir um novo hospital, José Henrique explica que é necessário um diálogo para entender onde e como instalar um equipamento, seja para construir mercado ou suprir as necessidades que elas têm.
“Essa simbiose com as operadoras é muito positiva, porque conseguimos entender inicialmente qual a necessidade que os planos de saúde têm em equipamento hospitalar. Quando estudamos a implementação desse novo hospital, conversamos com operadoras, que foram unânimes em dizer que tinham uma necessidade de um prestador alinhado para aquela região”, afirma o CEO da Rede Mater Dei.
Ganha-ganha
De acordo com especialistas e executivos ouvidos por Futuro da Saúde, esse é o caminho ideal para expandir os negócios em hospitais, seja com a abertura de novas leitos, a construção de mais uma torre ou até o lançamento de uma unidade completa. É preciso criar as parcerias antes mesmo da construção. Além da Bradesco, também existem outras parcerias, como a feita entre Oncoclínicas e Unimeds para a construção de um câncer center e clínicas especializadas.
“Já recebemos muito essa demanda de hospitais que já fizeram investimentos, ampliaram leitos e construíram mais uma torre, com a dificuldade de credenciamento. Ficou com um espaço vazio e depois tem que pensar em alternativas de como suprir isso. Apesar de parecer básico, acontece muito no mercado. Obviamente, a gente tem regiões que estão mais calejadas com isso, mas ainda vemos outras com algumas dificuldades”, explica Fátima Pinho, sócia de Life Sciences & Health Care da Deloitte.
O caso das joint ventures com a Bradesco Seguros, por exemplo, já nasce com uma demanda pré-estabelecida. Além da redução de custos assistenciais, por ser sócia das iniciativas, a operadora ainda ganha em ter grandes parcerias com hospitais de renome, ganhando vantagem sobre concorrentes que possuem redes verticalizadas próprias, algumas vezes vistas por parte da população como de qualidade inferior.
Expansão consolidada
Por outro lado, mesmo tendo parcerias com operadoras, hospitais independentes tendem a ter um crescimento mais lento e consolidado. Como avalia o CEO do Sabará Hospital Infantil, Felipe Monti Lora, algumas especialidades como a pediatria não passarão por essa construção de joint ventures, já que possui margens menores e é considerado mais inteligente concentrar as demandas de várias operadoras em um lugar só – como o Sabará.
“A nossa unidade especificamente vem para atender uma demanda de qualidade já existente, de ter um hospital que historicamente está pequeno. Fizemos uma expansão ponte esse ano e é o segmento de uma expansão natural de um negócio que vem dando certo, muito mais vinculado a concentrar a raridade do que tentar atender todas as complexidades de uma vez só”, explica Lora.
Com previsão de começar a atender o público em 2026, a nova unidade do Sabará que está em construção em São Paulo deve contar com 200 leitos. Apesar de haver uma demanda dos planos de saúde, a demanda de famílias que buscam atendimentos é considerado o principal motivador para a expansão. O projeto deve custar 700 milhões de reais.
Felipe Monti Lora argumenta que “a demanda é do mercado, não de uma operadora específica. Existe um gap de leitos pediátricos no mercado também, historicamente reduziram. Não vale a pena cada operadora ter seu leito pediátrico, quanto mais na alta complexidade. Vai ser mal atendido e não compete financeiramente muitas vezes. Estamos respondendo às necessidades das crianças de São Paulo e de todo o Brasil”.
Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) apontam para o fechamento de 18,3 mil leitos pediátricos nos últimos 17 anos. Pelo fato, de modo geral, de crianças terem um atendimento de baixa complexidade, o custo para manter um leito pediátrico é visto como pouco vantajoso para hospitais gerais, apresentando margens baixas.
Por isso, Lora acredita que o ideal é trabalhar com o referenciamento de casos complexos para unidades especializadas, como o Sabará, que possui equipamentos e equipes qualificadas para atender a alta complexidade pediátrica. Os hospitais gerais de todo o país precisam ter condições de atender e diagnosticar casos excepcionais, para assim, encaminhá-los para hospitais de referência.
Contudo, o CEO não vê uma grande expansão para os hospitais infantis no Brasil, seguindo um ritmo lento e mais sólido: “A maior parte dos hospitais infantis do Brasil atendem o serviço público de saúde, que a gente não faz diretamente aqui dentro do hospital ainda. A lógica de definição não é a mesma que a nossa. É natural que cresçam hospitais pediátricos vinculados a grandes metrópoles, que tenham o colegiado de especialistas e atendam de maneira organizada e referenciada”.
Além de hospitais
O Hospital Sírio-Libanês tem focado investimentos em outras expansões, como a construção de sua faculdade de ensino de saúde, inaugurada em novembro de 2023, e em unidades especializadas, com foco em áreas como oncologia, cardiologia e ortopedia, em suas praças em São Paulo e Brasília.
“O Sírio-Libanês visa ampliar sua presença geográfica com unidades especializadas, fomentar um sistema de saúde integrado e inteligente, desenvolver uma plataforma digital robusta e utilizar dados para gestão populacional e criação de produtos digitais. Esta abordagem multifacetada visa proporcionar maior entrega de valor, gestão eficiente de custos e uma saúde mais preditiva por meio do acesso à tecnologia e excelência clínica”, afirma Paulo Nigro, CEO do Hospital.
A previsão é de que haja um investimento de 800 milhões de reais até 2032. O projeto, que iniciou em 2022, já inaugurou duas unidades, uma sendo o núcleo especializado em cardiologia em Brasília e outra o núcleo especializado em oncologia em Águas Claras. Essas unidades trabalham em consonância com a assistência hospitalar do Sírio-Libanês.
Nigro aponta que a estratégia é criar “hubs com os hospitais de São Paulo e Brasília atendendo a alta complexidade e com esses novos núcleos no entorno, dando também mais acesso à população a um custo adequado. Além disso, com mais atendimentos, a tendência é que também ocorra mais encaminhamentos dos casos complexos ao hospital, sempre que for pertinente”.
O CEO aponta que essas iniciativas são importantes para gerar mais eficiência não só para o hospital, como para os planos de saúde, contribuindo com a sustentabilidade do setor. “O sistema de saúde do país é sólido, mas requer melhorias contínuas para garantir sua própria perenidade sem deixar cair os níveis de qualidade e segurança”, afirma.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.
A mercantilização da saúde é um grande problema ? A deficiência na formação de profissionais da saúde, entre eles médicos é outro ? A deficiência das faculdades e cursos de medicina é outra questão relevante. Assim como a incompatibilidade de gestão, utilização e avanço tecnológico na área de saúde, que é inversamente proporcional entre tecnologias e custos ? E o grande desafio da saúde como ter excelência em Gestão Hospitalar ? A gestão hospitalar é um voo cego.