A era do excesso de informação: atualização em saúde requer curadoria e olhar crítico

A era do excesso de informação: atualização em saúde requer curadoria e olhar crítico

Conhecimento em saúde dobra a cada dois meses e esse excesso de informação expõe desafio para filtrar os conteúdos de qualidade

Conteúdo oferecido por

By Published On: 24/05/2023
Era do excesso de informação

A evolução da medicina passa por uma grande quantidade de estudos e informações que mudam a forma de encarar determinadas doenças. É também por meio da literatura médica e científica que os profissionais da saúde tomam as mais simples e mais complexas decisões no dia a dia de trabalho. Mas, para navegar em um mar onde há um excesso de informação – e isso inclui tanto conteúdos de boa qualidade como materiais errôneos –, é preciso fazer uma boa curadoria. E essa missão nem sempre é fácil.

Para se ter ideia do desafio, uma conhecida pesquisa publicada em 2011 pelo médico Peter Densen e intitulada Challenges and Opportunities Facing Medical Education (“Desafios e Oportunidades Enfrentados pela Educação Médica”, em tradução para o português), indicava que o tempo necessário para o conhecimento médico dobrar foi de 50 anos em 1950. Em 1980, o número já caiu para 7 anos; em 2010, foram 3,5 anos e o estudo projetava que, em 2020, o conhecimento médico no mundo dobraria a cada 73 dias. Ou seja, a cada dois meses e meio.

Além do volume de conhecimento, que cresce de forma exponencial e que precisa ser filtrado, outro grande desafio desta era de excesso de informações, segundo a cardiologista Débora Junqueira, coordenadora da Academia Digital Einstein, são os meios pelos quais elas chegam: se antes, era preciso ir atrás da informação, em revistas científicas e congressos reconhecidos internacionalmente, hoje as novidades chegam pelas caixas de entradas dos e-mails, em mensagens de texto e pelas redes sociais, ultrapassando barreiras de checagem e validação de seus conteúdos.

“Há uma sobrecarga tão grande da informação que o profissional fica perdido e tem dificuldade de encontrar o que é relevante e mais importante: o que é confiável. Sem uma curadoria minuciosa que identifique a qualidade da informação, o cuidado na ponta pode ser prejudicado”, afirma.

Excesso de informação

Para lidar com o que o professor adjunto da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), Luís Correia, chama de pandemia da informação, é preciso parcimônia e cuidado. Segundo ele, o mais importante nesse processo é o bom senso do próprio profissional e uma visão crítica, considerada fundamental no exercício da função médica – ou em qualquer setor da saúde.

“Não podemos ser apenas passivos e aceitar toda informação que chega. Os próprios estudos científicos precisam ser questionados de certa forma. O cientista se aproxima da verdade por meio de estudos que podem ser exploratórios, ou seja, que não chegam a confirmar a ideia, apenas investigam, e que não servem para prescrever um manejo; e os confirmatórios, que chegam ao nível de evidência que consideramos como sendo verdade. Temos ainda os anti-estudo, que são pesquisas enviesadas, de má qualidade. Cabe ao médico identificar cada um deles”, diz.

Na teoria, e dependendo do grau de experiência dos profissionais, fazer essa distinção parece ser relativamente fácil. Mas há, de acordo com o professor, algumas armadilhas no meio do caminho. A primeira e talvez mais importante delas é o desejo dos próprios profissionais de saúde em chegar a novas descobertas, que possam trazer benefícios aos pacientes.

“Todos nós queremos a evolução rápida do conhecimento, justamente porque foi dessa forma que conseguimos chegar a soluções antes inimagináveis, como a erradicação de doenças e tratamentos efetivos para condições que antes eram consideradas terminais porque não havia mesmo o que ser feito. Tudo isso foi alcançado com os estudos, mas é preciso ter calma e ir com cuidado. Não adianta, por exemplo, ter acesso a uma informação nova e relevante para um caso e sair utilizando de forma precoce. Mesmo porque, o artigo pode me informar, mas sou eu que tomo a decisão final”, aponta.

Isso não significa, obviamente, que a implementação de novas descobertas precisa ser adiada, mas utilizar ferramentas tradicionais e consagradas pode ser um grande aliado na hora de tomar uma decisão. “Para mim, a discussão do caso com colegas é uma das práticas médicas mais valiosas que temos. A segunda é a atualização. Os médicos são pessoas inteligentes, mas eles também precisam ser curiosos e ter interesse em se manter atualizados. Se estivermos sempre aprendendo e usando colegas e instituições para confirmar nossas hipóteses, não importa que haja estudos ou informações sem qualidade, saberemos separar o bom do ruim em prol do melhor cuidado possível”.

Pensamento crítico desde a formação

Ambos os especialistas reforçam que a habilidade de lidar com a quantidade cada vez maior de informação e a capacidade de discernimento, quando em contato com algum conteúdo ou material novo, precisam ser ensinadas e treinadas desde a formação dos profissionais de saúde e aprimoradas ao longo da carreira.

“O estudante é uma terra muito fértil e se você plantar logo no início, essa habilidade será desenvolvida com facilidade”, garante Correia. “É preciso lembrar que educar também é informar, mostrar como agir e se comportar. O aluno, no começo, vai ter atitudes ingênuas. Mas cabe aos professores mostrarem os caminhos”.

Para Junqueira, é crucial que os estudantes sejam incentivados a escolher fontes com qualidade em suas pesquisas logo no começo da formação e que tenham acesso a atividades práticas para treinar esse olhar, por meio de projetos de pesquisa, por exemplo, e outras situações que os façam pensar de forma crítica:

“Considerando que os formandos de hoje já vivem uma realidade completamente digitalizada e com oferta excessiva de informações, não tem como não contemplar esse tipo de questão na formação. Ao que tudo indica, para bem e para mal, o volume de conhecimento médico vai apenas aumentar, e de forma cada vez mais rápida, daqui para frente. O aprendizado de hoje acarreta uma escolha inteligente, que pode salvar uma vida amanhã”.

Atualização com base em informações de qualidade

Há diversas ferramentas disponíveis no mercado que auxiliam o médico e profissionais de saúde em seus diferentes estágios de carreira: da formação básica, especialização até a atualização. Uma dessas iniciativas é a Academia Digital Einstein, sob coordenação de Junqueira, que é justamente uma plataforma com cursos gratuitos que tem como objetivo compartilhar o conteúdo institucional com outros agentes do setor.

“Entendemos que existe um gargalo de conhecimento no Brasil e quisemos capilarizar o conhecimento para todos os estados, de forma online, sempre pensando no paciente como destino final. Os conteúdos são os mesmos que oferecemos aos nossos professores e baseados nas deficiências dos profissionais. São níveis de dificuldade diferentes, então conseguimos navegar para quem ainda está no começo e até quem tem mais maturidade na carreira, incluindo especialistas e subespecialistas, que são um nicho menor”.

Os conteúdos incluem vídeos, podcasts, testes, palestras e materiais mais extensos, como videoaulas completas, reuniões científicas e mesmo protocolos institucionais. A plataforma foi lançada em 2021 e hoje já conta com mais de mil profissionais inscritos e mais de 1.600 conteúdos ofertados.

Segundo ela, abrir conteúdo dessa forma faz parte de um olhar mais amplo, uma informação de baixa qualidade afeta a decisão clínica e, consequentemente, o sistema de saúde como um todo: “A grande vantagem desse tipo de serviço, é que o profissional pode acessar todos os conteúdos sem se preocupar, porque o que está ali já passou por curadoria e validação. Inclusive, para mim, a melhor dica para quem quer se atualizar de forma assertiva, com materiais de qualidade, é justamente procurar instituições sérias e renomadas e, fora do âmbito educacional, procurar saber de onde vem aquele artigo, por exemplo, onde ele foi publicado, quem é o autor. Mesmo nas redes sociais: entender quem é o disseminador da informação, qual sua credibilidade e com qual intuito ele está divulgando aquelas informações”.

Ana Carolina Pereira

Jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao longo de sua carreira, passou por veículos como TV Globo, Editora Globo, Exame, Veja, Veja Saúde e Superinteressante. Email: ana@futurodasaude.com.br.

About the Author: Ana Carolina Pereira

Jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao longo de sua carreira, passou por veículos como TV Globo, Editora Globo, Exame, Veja, Veja Saúde e Superinteressante. Email: ana@futurodasaude.com.br.

Leave A Comment

Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

Artigos Relacionados

Ana Carolina Pereira

Jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao longo de sua carreira, passou por veículos como TV Globo, Editora Globo, Exame, Veja, Veja Saúde e Superinteressante. Email: ana@futurodasaude.com.br.