A era do excesso de informação: atualização em saúde requer curadoria e olhar crítico
A era do excesso de informação: atualização em saúde requer curadoria e olhar crítico
Conhecimento em saúde dobra a cada dois meses e esse excesso de informação expõe desafio para filtrar os conteúdos de qualidade
A evolução da medicina passa por uma grande quantidade de estudos e informações que mudam a forma de encarar determinadas doenças. É também por meio da literatura médica e científica que os profissionais da saúde tomam as mais simples e mais complexas decisões no dia a dia de trabalho. Mas, para navegar em um mar onde há um excesso de informação – e isso inclui tanto conteúdos de boa qualidade como materiais errôneos –, é preciso fazer uma boa curadoria. E essa missão nem sempre é fácil.
Para se ter ideia do desafio, uma conhecida pesquisa publicada em 2011 pelo médico Peter Densen e intitulada Challenges and Opportunities Facing Medical Education (“Desafios e Oportunidades Enfrentados pela Educação Médica”, em tradução para o português), indicava que o tempo necessário para o conhecimento médico dobrar foi de 50 anos em 1950. Em 1980, o número já caiu para 7 anos; em 2010, foram 3,5 anos e o estudo projetava que, em 2020, o conhecimento médico no mundo dobraria a cada 73 dias. Ou seja, a cada dois meses e meio.
Além do volume de conhecimento, que cresce de forma exponencial e que precisa ser filtrado, outro grande desafio desta era de excesso de informações, segundo a cardiologista Débora Junqueira, coordenadora da Academia Digital Einstein, são os meios pelos quais elas chegam: se antes, era preciso ir atrás da informação, em revistas científicas e congressos reconhecidos internacionalmente, hoje as novidades chegam pelas caixas de entradas dos e-mails, em mensagens de texto e pelas redes sociais, ultrapassando barreiras de checagem e validação de seus conteúdos.
“Há uma sobrecarga tão grande da informação que o profissional fica perdido e tem dificuldade de encontrar o que é relevante e mais importante: o que é confiável. Sem uma curadoria minuciosa que identifique a qualidade da informação, o cuidado na ponta pode ser prejudicado”, afirma.
Excesso de informação
Para lidar com o que o professor adjunto da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), Luís Correia, chama de pandemia da informação, é preciso parcimônia e cuidado. Segundo ele, o mais importante nesse processo é o bom senso do próprio profissional e uma visão crítica, considerada fundamental no exercício da função médica – ou em qualquer setor da saúde.
“Não podemos ser apenas passivos e aceitar toda informação que chega. Os próprios estudos científicos precisam ser questionados de certa forma. O cientista se aproxima da verdade por meio de estudos que podem ser exploratórios, ou seja, que não chegam a confirmar a ideia, apenas investigam, e que não servem para prescrever um manejo; e os confirmatórios, que chegam ao nível de evidência que consideramos como sendo verdade. Temos ainda os anti-estudo, que são pesquisas enviesadas, de má qualidade. Cabe ao médico identificar cada um deles”, diz.
Na teoria, e dependendo do grau de experiência dos profissionais, fazer essa distinção parece ser relativamente fácil. Mas há, de acordo com o professor, algumas armadilhas no meio do caminho. A primeira e talvez mais importante delas é o desejo dos próprios profissionais de saúde em chegar a novas descobertas, que possam trazer benefícios aos pacientes.
“Todos nós queremos a evolução rápida do conhecimento, justamente porque foi dessa forma que conseguimos chegar a soluções antes inimagináveis, como a erradicação de doenças e tratamentos efetivos para condições que antes eram consideradas terminais porque não havia mesmo o que ser feito. Tudo isso foi alcançado com os estudos, mas é preciso ter calma e ir com cuidado. Não adianta, por exemplo, ter acesso a uma informação nova e relevante para um caso e sair utilizando de forma precoce. Mesmo porque, o artigo pode me informar, mas sou eu que tomo a decisão final”, aponta.
Isso não significa, obviamente, que a implementação de novas descobertas precisa ser adiada, mas utilizar ferramentas tradicionais e consagradas pode ser um grande aliado na hora de tomar uma decisão. “Para mim, a discussão do caso com colegas é uma das práticas médicas mais valiosas que temos. A segunda é a atualização. Os médicos são pessoas inteligentes, mas eles também precisam ser curiosos e ter interesse em se manter atualizados. Se estivermos sempre aprendendo e usando colegas e instituições para confirmar nossas hipóteses, não importa que haja estudos ou informações sem qualidade, saberemos separar o bom do ruim em prol do melhor cuidado possível”.
Pensamento crítico desde a formação
Ambos os especialistas reforçam que a habilidade de lidar com a quantidade cada vez maior de informação e a capacidade de discernimento, quando em contato com algum conteúdo ou material novo, precisam ser ensinadas e treinadas desde a formação dos profissionais de saúde e aprimoradas ao longo da carreira.
“O estudante é uma terra muito fértil e se você plantar logo no início, essa habilidade será desenvolvida com facilidade”, garante Correia. “É preciso lembrar que educar também é informar, mostrar como agir e se comportar. O aluno, no começo, vai ter atitudes ingênuas. Mas cabe aos professores mostrarem os caminhos”.
Para Junqueira, é crucial que os estudantes sejam incentivados a escolher fontes com qualidade em suas pesquisas logo no começo da formação e que tenham acesso a atividades práticas para treinar esse olhar, por meio de projetos de pesquisa, por exemplo, e outras situações que os façam pensar de forma crítica:
“Considerando que os formandos de hoje já vivem uma realidade completamente digitalizada e com oferta excessiva de informações, não tem como não contemplar esse tipo de questão na formação. Ao que tudo indica, para bem e para mal, o volume de conhecimento médico vai apenas aumentar, e de forma cada vez mais rápida, daqui para frente. O aprendizado de hoje acarreta uma escolha inteligente, que pode salvar uma vida amanhã”.
Atualização com base em informações de qualidade
Há diversas ferramentas disponíveis no mercado que auxiliam o médico e profissionais de saúde em seus diferentes estágios de carreira: da formação básica, especialização até a atualização. Uma dessas iniciativas é a Academia Digital Einstein, sob coordenação de Junqueira, que é justamente uma plataforma com cursos gratuitos que tem como objetivo compartilhar o conteúdo institucional com outros agentes do setor.
“Entendemos que existe um gargalo de conhecimento no Brasil e quisemos capilarizar o conhecimento para todos os estados, de forma online, sempre pensando no paciente como destino final. Os conteúdos são os mesmos que oferecemos aos nossos professores e baseados nas deficiências dos profissionais. São níveis de dificuldade diferentes, então conseguimos navegar para quem ainda está no começo e até quem tem mais maturidade na carreira, incluindo especialistas e subespecialistas, que são um nicho menor”.
Os conteúdos incluem vídeos, podcasts, testes, palestras e materiais mais extensos, como videoaulas completas, reuniões científicas e mesmo protocolos institucionais. A plataforma foi lançada em 2021 e hoje já conta com mais de mil profissionais inscritos e mais de 1.600 conteúdos ofertados.
Segundo ela, abrir conteúdo dessa forma faz parte de um olhar mais amplo, uma informação de baixa qualidade afeta a decisão clínica e, consequentemente, o sistema de saúde como um todo: “A grande vantagem desse tipo de serviço, é que o profissional pode acessar todos os conteúdos sem se preocupar, porque o que está ali já passou por curadoria e validação. Inclusive, para mim, a melhor dica para quem quer se atualizar de forma assertiva, com materiais de qualidade, é justamente procurar instituições sérias e renomadas e, fora do âmbito educacional, procurar saber de onde vem aquele artigo, por exemplo, onde ele foi publicado, quem é o autor. Mesmo nas redes sociais: entender quem é o disseminador da informação, qual sua credibilidade e com qual intuito ele está divulgando aquelas informações”.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.