Exames móveis e a distância: empresas apostam em tecnologia para romper barreiras físicas e ampliar acesso

Exames móveis e a distância: empresas apostam em tecnologia para romper barreiras físicas e ampliar acesso

Evolução tecnológica e uso da telessaúde ampliam as possibilidades de realizar exames a distância, como ultrassom e ressonância magnética.

By Published On: 10/04/2024
Exames móveis ou a distância

Foto: divulgação Philips.

Com o avanço da tecnologia, da conectividade e da percepção da população sobre a telessaúde, a realização de exames móveis ou a distância tem ganhado novos vieses e possibilidades. Afinal, ao remover as fronteiras físicas dos hospitais e laboratórios, passa a ser possível atender mais pessoas – com potencial de diagnóstico de doenças precocemente e início de tratamentos em estágios iniciais – ao mesmo tempo em que há ganhos de produtividade e de custos, além de resolver a lacuna de falta de profissionais especializados fora dos grandes centros urbanos. Por isso, empresas e serviços têm trabalhado para criar aparelhos de exames de imagens que sejam portáteis, assim como para permitir que as máquinas sejam controladas remotamente.

Exemplos dessas iniciativas começam a aparecer cada vez mais. O Grupo Fleury, por exemplo, teve um crescimento nos serviços móveis de 21,7% no 4º trimestre de 2023. Esse tipo de atendimento representou no período 7,1% da receita do grupo, que oferece, entre outros serviços, exames de ultrassonografias, eletrocardiograma, Mapa, ⁠Holter e polissonografia. Já a Philips trouxe uma das principais novidades do mercado: a ressonância magnética móvel, que possui uma tonelada a menos em seu peso, o que possibilitou o deslocamento da máquina em um caminhão para fazer parte das tradicionais “carretas da saúde”.

Já a IONIC Health desenvolveu tecnologia que permite que especialistas possam realizar exames de ressonância magnética e tomografia computadorizada a distância, e conseguiu a liberação do U.S. Food and Drug Administration (FDA) para ser comercializado nos Estados Unidos, em um acordo onde a GE Healthcare será distribuidora do produto. Nessa mesma linha, o Consórcio de Inovação em Saúde, formado por Insper, InovaHC e Hospital Alemão Oswaldo Cruz, já havia estabelecido como primeiro projeto a operação remota de equipamentos de ressonância e tomografia com uso da rede 5G.

Todo esse cenário é visto como uma potencial solução para o Brasil reduzir a falta de acesso da população aos serviços de saúde. A SAS Brasil, uma instituição do terceiro setor, tem aproveitado esses avanços e aponta que é possível ir além, em um cenário com uma melhor coleta de dados, prontuários eletrônicos e interoperabilidade, assim como a utilização de inteligência artificial para analisar essas informações. “Alguns equipamentos são os mesmos. A questão maior é sobre o prontuário eletrônico e a padronização dos dados, para que sejam interoperáveis. É muito mais sobre registro com qualidade e o potencial. A colposcopia, por exemplo, era feita com uma espécie de lente de aumento, e não havia registros. Então, ganhamos com a informação guardada e podemos buscar padrões nessas imagens para tentar antecipar diagnósticos”, afirma Adriana Mallet, cofundadora e diretora médica de Inovação da SAS Brasil.

Ampliar acesso

A SAS Brasil desenvolve ações fixas e itinerantes e já passou por 300 cidades brasileiras, atendendo mais de 1,5 milhão de pessoas. Criada em 2013, atua principalmente em projetos ligados à oftalmologia, cuidado materno-infantil, diagnóstico precoce de câncer de pele, saúde mental, saúde da mulher e acompanhamento de condições crônicas. Utilizando tecnologias disponíveis no mercado e contribuindo com o desenvolvimento de outras, a organização tem realizado atendimento remoto de pacientes. O médico especialista está a quilômetros de distância e analisa os resultados dos exames em tempo real ou não, de acordo com a necessidade do caso. Na ponta, estão enfermeiros, que realizam o atendimento e o procedimento junto ao paciente.

“Sempre acreditamos que a telessaúde tinha que ir muito além de uma consulta, uma conversa entre profissional de saúde e paciente por vídeo. E aí, tem a potência de realizar exames a distância. A gente consegue obter informações hoje de altíssima qualidade. Os nossos sentidos estão cada vez sendo mais captados pela tecnologia, e a medicina tem muito a ganhar”, afirma a cofundadora.

Os dados da Demografia Médica 2024, lançada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), apontam que o país tem pouco mais de 575 mil médicos. No entanto, há uma grande concentração de profissionais, criando os chamados vazios assistenciais: cerca de 85% dos médicos do país estão em municípios com mais de 100 mil habitantes. Já a pesquisa Regiões de Influência das Cidades (Regic) de 2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que a média de deslocamento para serviços de baixa e média complexidade no Brasil é de 72 quilômetros, o que gera um custo às famílias e aos municípios, que em algumas situações fornece transporte aos pacientes. O estudo aponta que pacientes que chegam a Manaus para atendimento de saúde percorriam em média 418 km.

Apesar de a conectividade ser um dos maiores desafios para a atuação remota, Adriana explica que para o uso que é feito pela SAS Brasil a utilização dos serviços disponíveis no país é suficiente e não impede que o trabalho seja executado. Mas com a chegada de novas tecnologias, o potencial da realização de exames a distância pode atingir outro patamar: “O que é imagem e som a gente já consegue e está fazendo. Vamos evoluir para alguma coisa de exame físico do ponto de vista tátil, como uma luva quando vou examinar um paciente para colocar a mão na barriga dele, por exemplo. Não vai demorar tanto, pois já existem alguns ensaios. É um avanço que vai dar mais confiança para o médico”.

Mais leve, mais móvel

Uma das parcerias da SAS Brasil é com a Philips, que fornece o Lumify, um ultrassom portátil que é conectado ao celular ou tablet. Ele possui integração com o REACTS, plataforma da empresa que permite a visualização do exame e a conexão entre médico, enfermeiro e paciente.“Muitas vezes nas áreas remotas você tem a atenção primária, mas se você precisa de um especialista é onde falta. Quando colocamos a tecnologia fora de uma ambiente hospitalar, conseguimos alcançar as pessoas e fazer a diferença”, explica Patricia Frossard, CEO da Philips. O produto já é comercializado no Brasil e segundo a executiva tem boa penetração no mercado.

No final de 2023, a Philips anunciou a produção de uma ressonância magnética móvel, permitindo que seja acoplada a um caminhão e levada para longe dos hospitais e ambulatórios. Com uma tecnologia própria, a BlueSeal, a empresa conseguiu reduzir a quantidade de hélio utilizada para o resfriamento da máquina, o que teve consequência no peso final do dispositivo. Neste caso, o produto ainda não está disponível no Brasil. Nos Estados Unidos, está disponível para encomendas e a primeira unidade apresentada foi produzida para a Akumin, prestadora de serviços de radiologia que fornece  exames a hospitais e sistemas de saúde americanos.

“Cada vez mais a tendência é fazer o que puder ser feito fora do ambiente hospitalar, por questão de custo e comodidade ao paciente. O próprio paciente após a pandemia busca estar fora do ambiente hospitalar. A instituição de saúde também consegue organizar melhor a agenda de atendimento e a qualidade está cada vez melhor nesses exames”, avalia Patrícia. As inovações tecnológicas também são vistas como uma possibilidade para a redução de custos de operadoras de plano de saúde, já que não depende da utilização de um hospital. 

Sobre os próximos passos, Frossard vê um caminho aberto para a inovação: “Se já existe ressonância móvel, não duvidaria que possamos ter outros produtos que possam ser portáteis. Claro que sempre o paciente tem que ser prioridade. Se é algo que pode ser feito com segurança e qualidade fora do ambiente hospitalar, essa tendência vai acontecer. Quem decide se pode ou não, é o médico. Então, sempre estamos atrás daquilo que o paciente quer e o provedor de saúde diz que é possível”.

Exames móveis e em domicílio

Toda essa transformação também catalisou o segmento de atendimento em domicílio. Com o programa “Fleury em Casa”, o Grupo Fleury tem avançado nessa linha. Com uma lista de serviços disponíveis, tem visto a receita aumentar e observa que há espaço para crescimento. “O atendimento domiciliar é um serviço que vem crescendo muito. Já crescia antes da pandemia, mas obviamente com a Covid-19 cresceu exponencialmente, e continua crescendo. Os hábitos em geral da população, não só com saúde, se alteraram muito nesse consumo de serviços em casa”, Patrícia Maeda, presidente da Unidade de Negócios B2C do Grupo Fleury.

Ela explica que praças como São Paulo e Rio de Janeiro tiveram um crescimento acelerado e agora mostram uma estabilidade, mas que é possível explorar o serviço em outras regiões, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste. E há a possibilidade de inclusão de novos procedimentos: “Estamos olhando para isso o tempo todo e temos acompanhando os lançamentos do mercado, discutido a entrada de novos exames nesta categoria”.

Em sua visão, não existe mais uma necessidade de convencer os planos de saúde sobre a importância de realizar atendimento domiciliar, principalmente com a mudança de comportamento da sociedade. Ainda, explica que por se tratar de exames diagnósticos, são essenciais para atuar de forma preventiva, o que também acaba por reduzir os custos das operadoras com internação decorrente de doenças não diagnosticadas.

O Fleury também conta com uma parceria com a organização Gerando Falcões, onde disponibiliza cabine de telessaúde. Nesse espaço, além da consulta com médicos da família, é possível realizar alguns exames que contribuem com a análise clínica, através do dispositivo TytoCare. Com o auxílio de um técnico de enfermagem, o aparelho permite verificar infecção da garganta, auscultar pulmão, coração e abdômen, realizar imagens de lesões na pele, aferir frequência cardíaca e a temperatura.

Profissionais remotos

No mesmo sentido, a IONIC Health desenvolveu uma tecnologia que permite que profissionais especializados realizem exames a distância, através de ressonância magnéticas e tomografias computadorizadas. Batizada de nCommand, o sistema conecta e integra as máquinas tradicionais de diferentes fornecedores a uma plataforma. “Uma clínica ou hospital no mundo inteiro dificilmente vai ter suas máquinas de um único fornecedor. Então, você tem que ter uma solução integrada que capilarize isso. Integração e interoperabilidade são desafios do setor, principalmente em equipamentos de ponta, onde tem várias gerações e fornecedores”, afirma José Leovigildo Coelho, CEO da healthtech brasileira.

A 2ª geração da tecnologia foi liberada pelo FDA e é distribuída nos Estados Unidos em uma parceria firmada com a GE HealthCare, que tem investido em produtos para exames remotos ou a distância, como um ultrassom portátil e um monitor de pacientes que acompanha sinais vitais. “Temos trabalhado em parceria com esses prestadores de serviços de saúde para implementar nossas soluções em larga escala e garantir que os pacientes recebam os cuidados necessários, independentemente de sua localização. Além disso, estamos investindo em treinamento e suporte técnico para garantir que os profissionais de saúde possam utilizar nossas soluções com eficácia e segurança”, afirma Marina Viana, diretora-executiva da GE HealthCare Brasil.

Atualmente, a IONIC Health possui mais de 100 clientes, como Dasa, Hospital Israelita Albert Einstein e Hapvida, além de outros dos principais players brasileiros. O cenário por trás da criação do produto é a falta de comunicação entre os diferentes dispositivos médicos. No Brasil, o CEO explica que a principal busca é por eficiência e acesso a técnicos especializados. No entanto, nos mercados americano e europeu o cenário é outro: “Há uma falta importante de mão de obra. É um problema mais grave. Às vezes tem dias da semana que não tem profissional e não tem agenda, com centenas de vagas abertas que não conseguem preencher”.

Estima-se que exista uma escassez de radiologistas em 80% dos serviços de saúde americano. Por isso, há uma demanda para que especialistas consigam realizar o exame a distância, evitando deslocamento e podendo atender mais de um hospital. “Aumenta o acesso em locais que tinham agenda mas não tinham um técnico com especialidade. Passa a poder ter mais oferta de exames. Amplia a eficiência em um plantão de hospital, por exemplo, que tem um número de profissionais para cada máquina e em alguns casos com baixíssimo volume. Pode ter compartilhamento de profissionais em períodos mais críticos. E consegue qualidade, com um grupo centralizado tendo pessoas mais capazes de atender qualquer tipo de situação”, complementa o CEO.

Segundo ele, ainda há desafios na implantação desse tipo de tecnologia, que passam pela adoção da tecnologia e integração de dados. Mas o caminho é promissor.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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