Índices de sustentabilidade têm potencial de transformar a gestão das instituições além dos rankings
Índices de sustentabilidade têm potencial de transformar a gestão das instituições além dos rankings
Métricas servem como parâmetros para definir novas metas no setor e incentivam a adoção de melhores práticas ambientais, sociais e de governança
A crescente preocupação com a sustentabilidade tem impulsionado a criação de diversos índices para avaliar o desempenho ambiental, social e de governança das empresas. Essa tendência também ganha espaço no setor da saúde, tradicionalmente visto como um grande consumidor de recursos. Se fossem considerados uma nação, os sistemas de saúde globais seriam o quinto maior poluente do mundo, de acordo com relatório de 2019. Diante desse cenário, a adesão a índices de sustentabilidade se torna uma necessidade para as instituições de saúde e, além do impacto positivo na sociedade, traz vantagens como uma atenção maior de investidores comprometidos com ESG.
Estar presente em rankings de ESG demonstra um compromisso da organização com práticas sustentáveis e promove mudanças internas significativas. No entanto, a escolha por se envolver nesse processo é complexa. Quando o assunto vem à tona, diversas dúvidas podem surgir: O que são índices de sustentabilidade? Como as instituições de saúde podem participar? Quais métricas são utilizadas para avaliar o desempenho de uma empresa? E como analisar os resultados obtidos?
Embora tenham relação com imagem, a pontuação em rankings de sustentabilidade envolve um trabalho de bastidor, com construção colaborativa, formulação de planos estratégicos e foco na transparência. Os índices de sustentabilidade podem, por exemplo, ser incorporados a um plano de sustentabilidade empresarial, se vinculando, assim, a objetivos específicos da empresa.
Em relação a esse contexto, ainda há muito o que se avançar no setor da saúde. Paulo Nigro, ex-CEO do Hospital Sírio-Libanês, destaca a necessidade de um compromisso mais profundo com a pauta ESG: “Na minha opinião, não existe ainda um entendimento do quanto a sustentabilidade é estratégica para a empresa e do quanto a sustentabilidade é negócio também”.
Essa perspectiva vem da liderança de uma empresa com propriedade no tema: o Sírio-Libanês é líder em ESG no ranking Merco ESG 2023. Ele manteve a 1ª posição no setor da saúde e, pela primeira vez, conquistou a 3ª posição no ranking geral de todas as empresas. A iniciativa do Monitor Empresarial de Reputação Corporativa, com sede na Espanha, avalia a reputação de corporações desde 2000. Segundo Nigro, esse reconhecimento reflete um trabalho focado em valores da organização, consolidado por meio de estratégia e planejamento.
Índices de ESG na saúde
Existem no mercado vários tipos de índice de ESG, de globais a nacionais. Alguns dos globais são: MSCI ESG Indexes, S&P ESG Index, Dow Jones ESG Index, Refinitiv ESG Index. No Brasil, há o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), ICO2 (Índice Carbono Eficiente), IGC-T (Índice de Governança Corporativa Trade), S&P/B3 Brasil ESG e outros. A participação neles exige que a empresa preencha uma série de critérios e desenvolva um trabalho consistente em suas equipes.
Os índices de sustentabilidade têm em comum o uso de metodologias objetivas e rigorosas e levam em consideração uma ampla gama de fatores do ambiente de trabalho e do impacto ambiental gerado pela empresa. Essa avaliação se foca em dados coletados por questionários aplicados à direção da empresa e em dados de relatórios de emissões de CO₂, consumo de água e reciclagem. Políticas internas de formação em sustentabilidade e inclusão desses aspectos no setor de pesquisa e desenvolvimento (P&D) também são parâmetros mensuráveis utilizados.
Esse conjunto de elementos requer uma preparação por parte da empresa. Isso foi feito, por exemplo, no Sírio-Libanês. Ao completar 100 anos em 2021, o hospital refez seu planejamento estratégico com uma visão para os próximos cem anos, segundo conta Paulo Nigro: “Aquilo que fizemos e que nos trouxe até aqui, tornando-nos uma instituição centenária de referência na saúde para a América Latina, garantirá os próximos cem anos? De jeito nenhum”, reflete. Cientes disso, a empresa contratou uma consultoria para entender as tendências globais do mundo da saúde e da educação em saúde. Esse diagnóstico deu origem a um plano baseado em oito imperativos, entre eles, o crescimento sustentável.
Após estabelecer o planejamento, é preciso mobilizar as equipes para que os diferentes elementos de sustentabilidade possam ser consolidados. Esse trabalho é visto como essencial por Ingrid Cicca, gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente da Rede D’Or São Luiz, e coordenadora do GT ESG da Anahp. Ela afirma que o índice reflete o trabalho contínuo da organização: “Precisamos construir procedimentos, estabelecer normas e realizar uma série de alinhamentos para alcançar um bom resultado”.
Com mais de 70 hospitais e 54 clínicas oncológicas no país, a Rede D’Or participa de alguns índices de sustentabilidade, sendo reconhecida por seu foco em ESG. Desde a publicação de seu primeiro Relatório de Sustentabilidade, em 2015, a empresa tem se comprometido com os mais altos padrões internacionais de transparência, sendo que, desde 2020, tem auditoria externa e segue diretrizes da Global Reporting Initiative (GRI) e do Sustainability Accounting Standards Board (SASB). Após a abertura de seu capital, a Rede D’Or recebeu reconhecimento por seu modelo de gestão sustentável e foi incluída na carteira de 2023 do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, um dos principais indicadores de desempenho sustentável das empresas na Bolsa de Valores brasileira.
E a jornada para chegar a esses resultados passou pelo investimento em um sistema de consolidação de dados de sustentabilidade. Assim, dados organizados inicialmente em planilhas de Excel passaram a ser trabalhados em um sistema em Power BI, que gera um plano de ação anual para a elaboração do relatório de sustentabilidade ou participação em índices: “O que não consegui realizar este ano? O que preciso fazer para atender às exigências no próximo ano? Cobramos das áreas e fazemos follow-up trimestralmente”, explica Ingrid. Ela pontua que essa mobilização das áreas envolvidas requer um tempo considerável.
A estratégia de ESG também é bastante conectada ao engajamento de stakeholders. Assim, promover a sustentabilidade implica em escutar e dialogar com esses outros atores. Essa perspectiva é mencionada por Danilo Maeda, head da Beon, consultoria estratégica em ESG: “Não é possível ser sustentável apenas internamente. É necessário ser sustentável para o negócio e também para o mundo. Isso envolve ouvir, mapear e atender às demandas que os stakeholders trazem para as organizações”.
Para empresas que queiram começar esse processo, a dica é focar no básico: investigar as metodologias disponíveis no mercado e selecionar temas dentro do escopo do ESG que a organização considera prioritários. “O primeiro passo é entender o que é real para ela, do ponto de vista ambiental ou social e formar grupos de trabalho”, salienta Ingrid Cicca. De acordo com sua experiência, não se deve esperar um cenário ideal para começar a agir: “Se você ficar esperando um cenário ideal, isso não será uma prioridade. A prioridade é a vida que vai chegar ao hospital”.
Gestão da empresa e índices de ESG
O estudo dos principais índices do mercado também pode ser uma estratégia importante para organizações. Um elemento que guia esse processo é a maturidade da empresa em entender os benefícios que os índices trazem a ela — e quais escolher entre os disponíveis no mercado. As vantagens incluem até a melhoria de processos de gestão, que podem ser aprimorados a partir de informações e insights dos relatórios de ESG.
Nesse sentido, quanto mais alinhamento a empresa tiver com critérios pontuados nos índices almejados, melhor. O Grupo Fleury alavancou seu processo de ESG a partir de um mapeamento de necessidades, como explica Andrea Bocabello, diretora executiva de estratégia, inovação e ESG: “Analisamos quais índices podíamos aplicar para obter um selo e quais ações eram necessárias para melhorar a empresa”. Segundo ela, um passo importante são os preparativos antes de assumir compromissos públicos: “É muito frustrante tentar e não ser certificado”, detalha.
Daniel Périgo, gerente sênior de ESG do Grupo Fleury, reitera que a empresa segue uma estratégia nessa área porque entende que os índices, por serem bem referenciados no mercado, conferem uma credibilidade importante à organização. “Eles proporcionam maior visibilidade às práticas da companhia, tanto para o mercado quanto para os investidores”, afirma. Ele também destaca que os critérios de elegibilidade são observados cuidadosamente: “Pode ser que um índice me interesse, mas se não cumprir os critérios de elegibilidade, não conseguirei participar. É preciso haver esse alinhamento”. Ou seja, a companhia avalia o índice, verifica os critérios necessários e determina se é elegível para participar.
Dentro dessa dinâmica, há também a possibilidade da participação em índices de ESG retroalimentar práticas da companhia. Isso porque a organização recebe relatórios frequentes dos rankings com dados sobre a posição da empresa em relação ao total de participantes e séries históricas de seu desempenho ao longo do tempo. Esses documentos tornam-se ferramentas de gestão valiosas para aprimorar as práticas de ESG do grupo, destaca Daniel: “Nós sempre enxergamos os índices como uma oportunidade, não apenas uma ferramenta de marketing para ganhar visibilidade. É mais sobre como utilizamos os índices. Entendemos que refletem boas práticas e tendências de ESG; quanto mais implementamos, mais benefícios trazemos para o nosso próprio sistema ESG”.
Conforme Andrea e Daniel, o processo de participação em índices de sustentabilidade foi desenvolvido ao longo do tempo e desempenhou um papel importante na evolução das áreas do Grupo Fleury. Hoje, eles são vistos como mecanismos para aprimorar a gestão e se integrar à estratégia geral da empresa. No entanto, destacam que essa abordagem deve estar alinhada com o plano estratégico de ESG da organização e com a visão de onde a empresa deseja estar em cinco anos, em termos de maturidade.
Desafios dos índices de ESG
Embora a adoção de práticas ESG seja uma demanda necessária para as empresas, ela ainda enfrenta desafios significativos no setor da saúde. A falta de padronização de critérios de avaliação dos diferentes índices, lacunas no engajamento das áreas da organização e a priorização da sobrevivência do negócio podem dificultar a internalização dessas práticas na organização, alçando a busca por sustentabilidade e ESG para um segundo plano.
Para Danilo Maeda, as organizações ainda não possuem clareza sobre quais são as melhores práticas a serem adotadas, especialmente no que diz respeito à governança. Isso porque o ESG não tem critérios bem definidos, diferente do que acontece, por exemplo, no mercado financeiro: “Quando falamos de risco financeiro e risco de crédito, usamos os mesmos critérios, baseados em um histórico extenso. No ESG, a situação é diferente. A mesma organização avaliada por duas instituições distintas pode receber notas diferentes. Uma organização que é líder em um ranking pode não ser elegível em outro, devido ao número muito maior de critérios aplicados quando se trata de ESG”, explica.
Segundo ele, as ferramentas derivadas da compreensão de que práticas ESG reduzem o risco dos negócios são relativamente recentes, apesar da sigla ter surgido há 20 anos. Isso dificulta a mensuração de resultados de forma comparativa: “Como medimos isso ao longo do tempo? Minha hipótese é que, mesmo com o amadurecimento das práticas ESG, daqui a 20 anos ainda não teremos um nível de padronização muito alto”.
Para Andrea e Daniel, do Fleury, os desafios incluem o engajamento das áreas e a busca por melhoria constante. Quando estão coletando informações da companhia, diversas áreas são acionadas para preencher questionários, fornecer os dados necessários e apresentar as evidências. Nesse sentido, foi preciso explicar ao time a importância e os benefícios do ESG, inserindo o tema na cultura da empresa.
Para contribuir com esse processo, a Beon criou um ciclo de sustentabilidade focado na reflexão sobre a jornada de amadurecimento das empresas em suas estratégias de ESG. Composta por oito etapas, a ferramenta organiza e apresenta essa trajetória, de maneira flexível. Um eixo interno trata da organização, enquanto outro eixo, externo, foca no engajamento dela com stakeholders.
A análise geral, no entanto, é de que ainda há muita oportunidade no setor da saúde para evoluir em termos de maturidade quando o assunto é ESG. “Falamos de GRI desde as décadas de 90, que as instituições fazem relatórios de sustentabilidade. Mas hoje, quantos hospitais no Brasil estão fazendo GRI?”, indaga Ingrid Cicca.
Essa visão também é compartilhada por Paulo Nigro, ex-CEO do Hospital Sírio-Libanês. Para ele, o foco da saúde ainda está na sobrevivência do negócio, o que prejudica um olhar mais sistemático para o ESG: “O que estou vendo na saúde, hoje, é o que o setor está pensando na sobrevivência, e as estratégias de ESG perdem espaço, ficando em segundo plano”.
Uma saída para superar esse impasse é vincular a estratégia de ESG ao negócio das organizações de saúde, perspectiva apontada por Andrea e Daniel, do Fleury: “O desafio é entender como aplicamos essa questão de ESG como modelo de negócio na realidade de cada companhia e diante de toda heterogeneidade que existe no setor”. Com essa visada, seria possível avaliar o progresso da empresa de forma disciplinada, com estratégia.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.