Luiz Carlos Zamarco, secretário municipal de Saúde de São Paulo: “Revisão da tabela SUS é demanda essencial”

Luiz Carlos Zamarco, secretário municipal de Saúde de São Paulo: “Revisão da tabela SUS é demanda essencial”

A cidade de São Paulo é considerada um dos principais

By Published On: 01/02/2023
Secretário de Saúde da cidade de São Paulo, Luiz Carlos Zamarco fala sobre prioridades do município junto ao Ministério da Saúde.

A cidade de São Paulo é considerada um dos principais polos de saúde do Brasil. Isso porque tanto a saúde pública como a saúde suplementar têm grande força na localidade, com diversos hospitais de referência, uma grande rede de unidades que atendem via SUS, ótimos índices vacinais em relação ao restante do país, além de ter forte atuação industrial e científica. Com orçamento de R$ 16 bilhões em 2023, a Secretaria de Saúde municipal tem que prover cuidado para cerca de 12 milhões de habitantes. Apesar do orçamento robusto quando comparado a outras regiões, os desafios são proporcionais. Esse foi o contexto da entrevista exclusiva de Futuro da Saúde com Luiz Carlos Zamarco, secretário de Saúde do município desde abril de 2022.

Atualmente há cerca de 160 mil pessoas na fila para realizar uma cirurgia de baixa, média ou alta complexidade e apenas a verba municipal e a estrutura de atendimento não têm dado conta. Para mudar esse cenário, é preciso que haja uma revisão dos valores da tabela SUS e do Teto MAC, limite financeiro recebido do Governo Federal para o custeio da média e alta complexidade.

A expectativa de Zamarco é que haja um diálogo maior com o Ministério da Saúde nesse sentido de solucionar questões dos estados e municípios, principalmente pelo Governo Federal demonstrar sensibilidade com a saúde. Na conversa, ele falou ainda sobre o uso da telemedicina no município, os trabalhos com vacinação, como as campanhas anunciadas pelo Ministério podem contribuir, dentre outros temas. Leia os principais trechos da entrevista:

Em 25 de janeiro a prefeitura realizou um evento chamado Cidade do Futuro. A saúde em São Paulo está caminhando para ser a “saúde do futuro”?

Luiz Carlos Zamarco – Sim. Na Secretaria da Saúde estamos muito empenhados em melhorar a tecnologia. Avançamos bastante no prontuário eletrônico, desenvolvemos o e-saúde, uma plataforma nossa que a cada dia está sendo mais aperfeiçoada e ampliada, fazendo uma integração de todos os equipamentos de saúde e tornando uma facilidade maior para o usuário do SUS na cidade de São Paulo. Hoje já estamos conseguindo avançar na telemedicina, ampliando tanto nas Unidades Básicas de Saúde, quanto nas UPAs. Para aquele paciente menos grave, que na classificação de risco acaba às vezes ficando muito tempo aguardando o seu atendimento, porque tem pacientes mais graves que passam na frente, vamos oferecer a opção da telemedicina. A nossa intenção é avançar para que ele consiga fazer essa consulta da onde estiver, sem que ele precise procurar uma unidade de saúde, conseguindo acessar a telemedicina da sua residência, da sua escola ou do seu local de trabalho para uma consulta onde não seja uma urgência.

E já é possível ver os resultados?

Luiz Carlos Zamarco – Começamos a implantar a telemedicina no fim de 2022, e a minha preocupação era com a população que não está muito acostumada a não ter a presença do médico, que a aceitação não fosse boa. Mas ao contrário, estou muito satisfeito que nas unidades que a gente já começou a utilizar esse processo de atendimento a população aprovou, e aprovou muito bem.

A Prefeitura tem feito um trabalho importante de vacinação, primeiro no controle do surto localizado de meningite e agora com a busca ativa de crianças que não receberam a vacina da Covid-19. Essas estratégias podem ser utilizadas para outros imunizantes?

Luiz Carlos Zamarco – Não só pode como está sendo feita. Nós estamos fazendo uma atualização de todas as carteiras vacinais, envolvendo a escola nisso. O aluno que não apresentar a carteira atualizada na escola, não que ele não consiga fazer a matrícula, mas vamos ter a informação daquela carteira que pode estar desatualizada para que a nossa equipe de saúde procure aquela família e peça autorização para vacinar as crianças. 

O Ministério da Saúde anunciou recentemente uma campanha de vacinação para o final de fevereiro. De que forma ela contribui com a saúde na cidade de São Paulo? 

Luiz Carlos Zamarco – O Ministério da Saúde anunciou que a partir do dia 27 de fevereiro vai fazer a vacinação da bivalente, um reforço da vacina de Covid para as pessoas que são mais vulneráveis. Então isso vai contribuir bastante. A gente não recebeu nada ainda, estamos sabendo pela imprensa que a ministra está adquirindo esses imunizantes e irá distribuir para todo o país. Nós estamos aguardando e a cidade de São Paulo está preparada para receber. São Paulo foi considerada a capital da vacina porque fomos bastante eficientes na imunização da cidade, e o resultado está aí. Não temos grandes complicações e nem pressão hoje no nosso serviço de saúde por conta de complicações da Covid-19.

Quais são os gargalos em vacinas e como o Ministério da Saúde poderia contribuir com a melhor desses problemas?

Luiz Carlos Zamarco – Nós não temos desabastecimento de outros imunizantes. Estamos com estoque normal de vacinas e estamos fazendo uma campanha de conscientização para que as pessoas procurem as Unidades Básicas de Saúde, para evitar o aparecimento de doenças que já foram erradicadas no nosso país, como a poliomielite. O Ministério da Saúde tem feito campanhas periódicas mostrando a necessidade da conscientização da população para atualização da vacina, principalmente nas crianças.

Também foi anunciado o início da construção de um programa de mutirão de cirurgias eletivas. Qual o tamanho da demanda em São Paulo?

Luiz Carlos Zamarco – São Paulo está bem organizado em relação a isso. Nós já começamos o ano passado sabendo da nossa fila, que gira ao redor de 160 a 180 mil pacientes, ela é dinâmica. Temos uma rede hospitalar, com quatro hospitais grandes que operam muito, só que a nossa emergência é para 12 milhões e meio de habitantes, e a cidade e o trânsito são complexos. As nossas salas cirúrgicas acabam sendo ocupadas o tempo inteiro com cirurgias de urgência do dia a dia. Então a gente tem uma dificuldade para fazer andar as filas de cirurgias ambulatoriais. Para resolver isso, o prefeito Ricardo Nunes autorizou que criássemos novos hospitais para cirurgias de média e baixa complexidade, que é responsabilidade do município. Pensando nisso, dos 17 hospitais que funcionavam 12 horas, hospitais esses que só faziam cirurgias de baixas complexidade, nós ampliamos 10 deles que tinham mais salas cirúrgicas e condições de colocar leitos de estabilização e de pós-operatório, e estamos fazendo cirurgias 24 horas exclusivamente para atender a cirurgias ambulatoriais. Nós conseguimos atender 61.000 pessoas no espaço de um ano. Hoje na cidade de São Paulo as cirurgias de média e baixa complexidade continuam entrando, 61 mil das 160 mil são de média complexidade e o restante é de alta complexidade, com espera de mais ou menos de 30 dias para fazer a cirurgia depois do momento que ela entra na fila. Nós temos um problema na alta complexidade, porque ela precisa de uma retaguarda de hospitais de terciários ou quaternários, e nós temos quatro hospitais da rede municipal, que acabam sendo absorvidos pela urgência da cidade. Precisamos da ajuda do Estado. Sentamos com o secretário estadual de saúde que está bastante empenhado em nos ajudar a resolver essa fila da cidade de São Paulo e de todo o estado.

E o mutirão também pode contribuir?

Luiz Carlos Zamarco – Sim. Hoje o nosso o nosso maior gargalo são as cirurgias ortopédicas, que a gente tem bastante dificuldade para fazer essa fila andar.

Há demanda de consultas também no município? Como a telemedicina tem contribuído?

Luiz Carlos Zamarco – Nós estamos trabalhando com essas filas e estamos ampliando a telemedicina justamente para consultas especializadas. No primeiro momento a telemedicina vai ser importante para poder qualificar essa fila, verificar se essas pessoas que estão na fila ainda realmente precisam do atendimento. Já adiantamos isso em várias especialidades, estamos fazendo na dermatologia e já fizemos na urologia, classificamos 1.700 pacientes que necessitam de cirurgia. Estamos contratualizando os serviços para resolver essa fila de urologia. A gente tem trabalhado bastante isso e nas nossas últimas conversas, fiz 2 reuniões com o secretário do Estado e uma reunião com o pessoal do Hospital das Clínicas, para fazer uma uma parceria na ortopedia, que é uma fila grande nossa, com o objetivo de fazer uma qualificação da fila com a telemedicina e depois definirmos como nós vamos operar esse pacientes. Inclusive para saber o que é cirurgia de mão, quadril ou joelho, e entender quanto precisamos de cada especialista na cidade de São Paulo.

Ela é feita inteira pelo município ou é feita em parceria com prestadores privados ou hospitais?

Luiz Carlos Zamarco – Hoje o município através da plataforma e-SUS controla toda a telemedicina. Mesmo os nossos parceiros que utilizam algum outro sistema tem que estar linkado no e-SUS, para fazer a interligação e para que todo prontuário desse paciente fique de posse da Prefeitura.

Como o senhor vê a participação do setor privado na saúde?

Luiz Carlos Zamarco – O município faz a contratualização de alguns serviços. Hoje nós temos contratualização com a BP – A Beneficência Portuguesa, que nos ajuda nas cirurgias cardíacas. O próprio município acaba resolvendo essa alta complexidade com recursos do município e com teto MAC, que vem do Ministério da Saúde, que também nos ajuda a fazer alguns atendimentos de alta complexidade. Nós temos algumas contratualizações com o Hospital Albert Einstein, com o Oswaldo Cruz, e vários outros hospitais. Eles nos ajudam em cirurgias cardíacas, em cateterismo, em algumas cirurgias de urologia, e principalmente na oncologia. Praticamente toda oncologia do município de São Paulo é atendida por hospitais privados, através da contratualização. Tem um papel muito importante.

Como está a situação da atenção primária?

Luiz Carlos Zamarco – O prefeito Ricardo Nunes avançou muito na atenção primária. Hoje temos o programa Avança Saúde, que iniciou com o prefeito Bruno Covas e deu continuidade com o Ricardo Nunes, aumentamos o número de unidades básicas, saímos de 3 UPAs em 2016 e estamos com 23 hoje e  temos mais 15 para inaugurar até o final de 2024. A quantidade de unidades básicas que estão sendo construídas, principalmente na região periférica, que é a região mais carente da cidade, é muito grande. Andando pela periferia de São Paulo você vai encontrar obras da saúde em todas elas. A gente avançou muito e a cada dia está mais organizada, tanto é que tivemos pandemia e essa organização nos permitiu ter um resultado excelente no atendimento na cidade de São Paulo.

No ano passado tivemos o imbróglio do A.C.Camargo, que escancarou a defasagem na tabela SUS. A revisão da tabela SUS ou outro meio de contrato desses prestadores é uma demanda do município para o Governo Federal?

Luiz Carlos Zamarco – Não chegamos a ter um descredenciamento do A.C.Camargo. Houve um interesse dele de não renovar o contrato com a prefeitura que vencia em dezembro de 2022, mas nós sentamos com o hospital e mostramos a importância dele dentro da rede de atendimento à oncologia no município de São Paulo. Fizemos um acordo com ele de fazer as cirurgias que nenhum outro serviço fazia, que seriam a oncopneumologia e a onconeurologia. Fizemos um novo contrato a partir de dezembro enfatizando esses procedimentos, e aí poderíamos dar um incentivo municipal aumentando o valor do recurso que ele recebia do SUS. Nós saímos de 96 procedimentos para 124, o que nos permitiu fazer algumas filas que estavam paradas na oncologia começarem a andar. A tabela SUS é uma demanda essencial para resolver esse tipo de problema. O município conseguiu fazer com que essa fila de oncopneumo, que era uma fila importante e que o paciente tendo um longo tempo de espera correia risco de morte, e resolver isso com o A.C.Camargo, que não queria fazer esse procedimento pela tabela SUS, dando um suporte financeiro que deveria ser o valor da tabela SUS atualizada.

Quais outras demandas estão na lista da Secretaria de Saúde municipal?

Luiz Carlos Zamarco – A principal seria uma atualização da tabela SUS. Nós precisaremos que seja atualizado o nosso teto MAC. No ano passado, emitimos 936 milhões de reais e só recebemos no máximo 764 milhões em procedimentos com a tabela SUS desatualizada, que a gente precisa colocar um monte de recursos. E não é só o caso do A.C.Camargo que nós colocamos incentivos do orçamento municipal, colocamos também nesses hospitais que temos contratualização para a gente poder dar esse atendimento para a população. Além de ser uma tabela desatualizada eles não reembolsam o valor que nós emitimos de internação e de procedimentos. A gente está pedindo uma atualização do teto MAC, que é muito importante. Hoje nos valores atuais, que já são valores defasados, o município tem um déficit anual de 171 milhões de reais. Então, seria importante que esse teto fosse atualizado para os valores reais, para que tudo que mandássemos para o Ministério fosse repassado para o município. Isso é uma coisa muito importante e vai além da tabela SUS, que é algo que todo mundo está conversando e acho que o Ministério já está bem motivado para avaliar isso.

E existe uma expectativa de que elas sejam atendidas e de uma aproximação com o Ministério da Saúde?

Luiz Carlos Zamarco – Acredito que hoje estamos evoluindo bastante na conversa com o Ministério da Saúde e a sensibilidade do Governo Federal na Saúde vem demonstrando a importância de nós termos uma parceria entre todos os entes federativos para a gente dar um melhor atendimento à população. A gente já conversava anteriormente e acredito que nessa administração a conversa vai ser ainda melhor.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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