Ahfip aposta em dados, compras conjuntas e indicadores de qualidade para brigar com grandes grupos e verticalizadas, diz presidente

Ahfip aposta em dados, compras conjuntas e indicadores de qualidade para brigar com grandes grupos e verticalizadas, diz presidente

Em entrevista exclusiva, José Marcelo de Oliveira, presidente do conselho da Ahfip, fala sobre os próximos passos da nova associação após o lançamento

By Published On: 03/07/2024
CEO do Oswaldo Cruz fala sobre próximos passos da Ahfip, nova associação de hospitais privados sem fins lucrativos.

José Marcelo de Oliveira, o Jota, presidente do Conselho da Ahfip e CEO do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

A consolidação no mercado da saúde, principalmente em torno de redes de hospitais e operadoras de planos de saúde, é um movimento que ocorre já há alguns anos, mas ganhou novos contornos com anúncios recentes – como Rede D’Or e SulAmérica e Dasa e Amil. Neste processo de verticalização e integração do sistema, com o surgimento de joint ventures, unidades que permanecem independentes, como hospitais privados sem fins lucrativos de referência, buscam sinergias para se manterem fortes e com poder de escala frente ao novo desenho que se forma. Esse é o cenário que motivou a criação da Associação dos Hospitais Filantrópicos Privados (Ahfip).

Reunindo seis grandes hospitais do país, privados e sem fins lucrativos, a Ahfip quer ser a voz dessas unidades independentes. A.C.Camargo Cancer Center, BP — A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Hcor, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Hospital Moinhos de Vento e Hospital Sírio-Libanês são os membros fundadores – juntas, as seis instituições somam 2.814 leitos. Em entrevista ao Futuro da Saúde, José Marcelo de Oliveira, o Jota, presidente do Conselho da Ahfip e CEO do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, fala sobre os objetivos da nova associação e os próximos passos da entidade. Compras coletivas, interoperabilidade de dados, pesquisa, painéis de indicadores de qualidade, segurança e gestão estão no horizonte. Além do potencial para negociar com a indústria, ele vê outra oportunidade: negociar com os planos de saúde. “Tem uma oportunidade de configurar uma rede de prestação de serviços hospitalares e de saúde com muita qualidade”, observa. 

Ao longo da conversa, ele ainda bateu na tecla da importância da busca por qualidade e não apenas do resultado financeiro. E disse ainda que já há interesse de hospitais privados sem fins lucrativos da Bahia e Pernambuco em entrar para a associação – ao todo, a Ahfip pode chegar em breve a 15 membros.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Como surgiu a Ahfip?

José Marcelo de Oliveira – A associação dos hospitais filantrópicos privados surgiu porque essas instituições fundadoras e outras filantrópicas no mercado tomaram uma decisão nos seus planejamentos estratégicos de permanecerem independentes. Isso porque são instituições longevas, que fizeram o desenvolvimento do setor hospitalar e conseguiram se tornar referência fazendo aquele ciclo clássico de estar constantemente se atualizando, investindo nas suas bases, investindo em pessoas, atraindo e retendo profissionais da saúde que são referência – especialmente médicos, muito deles oriundos de faculdades médicas de referência, formando um corpo clínico acadêmico ligado às universidades. Começamos a perceber uma mudança no mercado, no sentido de consolidação, que aconteceu primeiro em operadoras, mas mais recentemente, com a possibilidade de investimento internacional em hospital – que foi a última área a mudar a regulação -, esses hospitais começam a formar grandes redes e, principalmente por escala, começam a ganhar uma força que traz uma outra dinâmica no mercado. Percebemos que há uma forma dessas organizações independentes se manterem como referência e, para o sistema como um todo, ter um grupo de referência é bom porque mantém um sarrafo mínimo. Juntos, mesmo independentes, podemos trabalhar e ser uma voz ativa que ajude de fato o desenvolvimento do setor, e não apenas o resultado econômico financeiro, a margem de EBITDA, a quantidade de receita por leitos e tudo mais. Isso é importante, reconhecemos isso, mas a gente acha importante também trazer outras referências neste painel.

E agora, após o lançamento, quais os próximos passos da Associação?

José Marcelo de Oliveira – Estamos nos estabelecendo. Há todo um processo de back office sendo montado em paralelo, que vamos concluir rápido dentro da Ahfip. Temos grupos de trabalho e alguns temas que estamos trabalhando, como gestão de pessoas, trazendo modelos de referência para organização de grande porte e alta complexidade, que é o que vai predominar. Há ainda temas como engenharia clínica, que é gestão do parque de equipamentos; indicadores de referência de produtividade, indicadores de uptime, qualidade da estrutura e outros que tratam de qualidade de segurança, ensino e pesquisa. O que pretendemos fazer o mais rápido possível é apresentar um painel de alta confiabilidade desses associados e que isso sirva de referência para qualquer instituição que está buscando qualidade, para entender como os indicadores são construídos e como mantém o alto padrão. Devemos soltar conteúdos que tratam disso também, com dados objetivos.

A fusão de Amil e Dasa, assim como a joint venture da Rede D’Or com a Bradesco, tiveram impactos nesta decisão?

José Marcelo de Oliveira – Não foram esses os eventos mais recentes que fizeram a Ahfip surgir. A gente já vinha analisando esse mercado há um pouco mais de tempo e refletindo em alguns encontros como poderia ser. Encontramos na forma de uma associação, que permite a independência e não caracteriza um grupo econômico. Traz uma forma de trabalhar, como através do advocacy eventualmente ou como uma referência de práticas, com painéis de indicadores de qualidade, segurança e gestão. Entretanto, esses eventos recentes confirmam os movimentos de mercado de consolidação e verticalização. É importante ter os hospitais filantrópicos mais ativos operando nesse mercado e trazendo também essa perspectiva, para que o paciente enxergue o que ele tem de opção e a gente não fique silenciosamente aguardando as coisas acontecerem. A gente quer participar dando contribuições relevantes para o sistema privado, mas para o sistema público também.

Quais oportunidades vocês observam para a Associação negociar com indústrias e operadoras?

José Marcelo de Oliveira – Vemos oportunidade de compras conjuntas. Não podemos atuar como um grupo econômico, mas podemos utilizar plataformas de mercado de compras seguindo padrões, escalas e preservando a independência de cada um de nós. Isso vai gerar mais competitividade individualmente, mas unindo forças na escala. Os hospitais são grandes por si só e juntos, em uma plataforma de compra conjunta, podemos ganhar mais escala ainda. Isso acontece do lado das operadoras também. A gente entende que tem uma oportunidade de configurar uma rede de prestação de serviços hospitalares e de saúde com muita qualidade. Queremos caminhar em padrões de dados para conseguir compartilhar dados, porque no final do dia o dado é do paciente e, tendo esse dado a favor dele, vai ter mais saúde, custar menos e o tempo em serviço de alta complexidade vai ser cada vez menor. Essas organizações acreditam nisso, em uma prática onde o resultado econômico-financeiro é importante, mas tem um espírito de desenvolvimento do mercado com práticas que às vezes outras organizações querem pegar prontas, o que não é demérito. 

Esse compartilhamento de dados seria dentro da ideia de interoperabilidade?

José Marcelo de Oliveira – Essa é uma possibilidade de aprender como fazer isso preservando o sigilo do dado do paciente. Ele tem que estar de acordo, tem todo um tratamento da LGPD. Mas em um grupo menor, com uma perspectiva alinhada, podemos viabilizar isso, principalmente entre Associados da mesma região. No caso de São Paulo já temos um grupo de cinco instituições. No Moinhos de Vento pode ser que se forme mais um polo, e vamos acolher outros associados. Vamos trabalhar de uma maneira organizada. E essa rede virtual pode ser atrativa para as operadoras. Desta forma, colaboramos também com a sustentabilidade do setor, porque as operadoras podem ampliar sua base de clientes e isso vai significar mais acesso à saúde suplementar, além de menos pressão para o Sistema Único de Saúde, a depender da dinâmica da onde essas vidas estão.

As tecnologias em saúde estão chegando cada vez mais caras ao mercado. Tem um olhar nesse sentido?

José Marcelo de Oliveira – Existe método para avaliar a incorporação de tecnologia em saúde, não é o que ganha mais para vender. Qual o benefício que isso gera e qual a melhor relação custo-benefício? Tem toda uma ciência em cima disso. Isso também será tema em algum momento, de compartilhar boas práticas. Infelizmente, às vezes um gestor na ânsia de mostrar uma diferenciação, participa de uma dinâmica de mercado que atende muito mais interesse da indústria do que o interesse do paciente. Qual é o real benefício daquela inovação? Quer seja um medicamento, quer seja um novo equipamento ou material especial. É importante a gente ter espaço para discutir tudo isso e não ter conflitos ou incentivos, nada além do que é melhor para o sistema e o que é melhor para o paciente, em última análise.

Já há procura e interesse por parte de outras instituições para entrar na Associação?

José Marcelo de Oliveira – Temos boas surpresas com relação ao interesse ao nosso posicionamento. Isso vai ser bom porque quanto maior o grupo, mantendo o alinhamento e as premissas de ser filantrópico e sem controle de uma operadora de plano de saúde, mais referências importantes. Já tivemos algumas demandas e acredito que rapidamente estaremos entre 10 e 15 associados. Estamos em uma fase muito inicial, organizar tudo isso não é tão simples. Somos gestores de grandes organizações e, além disso, estamos construindo uma associação, mas está sendo muito bom ver os interessados. Vamos fazer conversas com eles e ampliar essa base, até para ter mais gente pensando, mais força de contribuição, novas perspectivas e diluir esse custo. É um investimento também. A gente está com uma estrutura pequena, mas é sempre um custo a mais.

Ter associados de diferentes estados não pode impactar as compras conjuntas?

José Marcelo de Oliveira – Não, porque as negociações são centralizadas. Hoje há estratégias de logística dos grandes fornecedores, não negocia só com distribuidores locais. Quando se tem um fornecedor de grande porte, a cadeia logística acompanha a decisão centralizada. O importante de ter o Moinhos de Vento na Ahfip é mostrar que não somos uma associação regional. O Moinhos é uma referência também para o Brasil, tem trabalhos com SUS por meio do PROADI, tem uma maturidade de gestão e um crescimento sustentado. Estamos recebendo manifestações de interesse da Bahia e de Pernambuco, isso é muito bom. Temos que ter uma abrangência nacional, a ideia não é ficar regional. Agora que lançamos, vamos navegar o Brasil inteiro, mas a ideia acabou sendo gestada num grupo mais próximo.

Como você observa a ausência do Einstein?

José Marcelo de Oliveira – O Einstein é uma instituição muito madura, em termos de porte é a maior instituição filantrópica privada. Eles demonstraram interesse em colaborar e participar de alguns temas, mas não de participar da associação. Eles já se consideram representados em outras associações, como a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif) e Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed). Se o Einstein tiver interesse formal de se juntar no curto, médio ou longo prazo, será muito bem-vindo. A gente tem isso muito claro. Eles poderiam já estar, mas cada instituição tem a sua governança, o que mostra que são instituições independentes.

Qual a principal diferença entre a Ahfip e a Anahp?

José Marcelo de Oliveira – Todos esses hospitais fundadores da Ahfip são associados fundadores da Anahp e seguirão como associados. A agenda da Anahp é muito alinhada à agenda desses hospitais, independentemente. Ela tem mais de 15 anos, tem um advocacy mais maduro, uma força e relevância de quem já estabeleceu. É uma das principais associações de referência. Não é uma cisão ou uma briga. A gente continua com trabalho conjunto. Alguns desses nossos fundadores da Ahfip são conselheiros da Anahp e assim querem continuar. É bom para todos que continuem. A gente colabora com a agenda da Anahp, individualmente como associado, e a Ahfip ganhando maturidade também, pode apoiar as agendas da Anahp. No entanto, a Anahp tem mais de 120 associados. O critério de dimensão e relevância é mais heterogêneo na Anahp, e nós somos um grupo mais homogêneo. Pelo menos metade da Anahp é formada por instituições privadas com fins lucrativos, redes e planos de saúde. Na Ahfip não haverá essa união de um ambiente de operadoras junto com prestadores, é uma exclusão dessa característica que acaba gerando um conflito de interesse e diminui a representatividade por conta disso. Quando tem uma pauta que separa operadoras de prestadores, a Anahp acaba não sendo tão efetiva porque ela tem tudo lá. O próprio crescimento dela fez isso, além dessa transformação do mercado de ter grandes redes hospitalares associadas, formalmente fundidas com operadoras, como é o caso de SulAmérica, Amil e GNDI com Hapvida, por exemplo, membros da Anahp. Essa é a grande diferença. A gente vai falar muito mais dos intangíveis, de qualidade, de segurança, de pesquisa, gerar e compartilhar conhecimento, e consolidar esse painel de referência de um bom prestador de serviço. O EBITDA é importante, sem dúvida. Mas vamos além.

E os hospitais da Ahfip também não cabem dentro de outra entidade que representa hospitais filantrópicos, como a CMB, por exemplo?

José Marcelo de Oliveira – As instituições que são exclusivamente SUS têm uma dinâmica muito específica, que é a obrigatoriedade do cumprimento das regras de contrato, principalmente assistencial. Cada um desses fundadores da Ahfip e provavelmente outros associados atuam em contratos com o SUS, por meio de organizações sociais ou por meio do PROADI, até por meio de contratos diretos, e isso traz para essas organizações a perspectiva da visão sistêmica mais ampla, e não só da saúde suplementar. O sistema é único. A complementaridade da saúde suplementar com o sistema público é real, acontece e precisa acontecer. Essa é uma outra característica que a gente quer compartilhar, todo esse modelo de gestão que está bem desenvolvido em cada uma das das instituições fundadoras e das prováveis futuras associadas com serviços públicos, transferindo know how de conhecimento, apoiando em programas de gestão de qualidade para certificação, etc. São mais de 5.500 municípios no Brasil e nem todos têm a possibilidade de ter acesso à informação. Isso a gente já sabe pelo projetos que cada um tem. Juntos a gente pode ampliar isso, é do nosso interesse compartilhar esse conhecimento.

A Ahfip surgiu com base em alguma experiência internacional? Qual foi a referência?

José Marcelo de Oliveira – Movimentos de outros setores que passaram por uma consolidação mostraram para nós que esse é um caminho interessante. Não tem nenhum case específico, mas isso passou pela discussão. Trouxemos exemplos de como setores agiram quando tiveram suas consolidações, qual foi a importância de ter uma associação para esse grupo se fortalecer, e trazer um ângulo de relevância que contribua com uma maturidade nessa transformação e não com desequilíbrio. A saúde, ainda mais a hospitalar, é tão importante para a vida das pessoas que não dá para deixar descuidado. Temos que ser ativos, e falar por meio de uma associação aumenta a voz, ao invés de falar individualmente.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

About the Author: Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

Leave A Comment

Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

Artigos Relacionados

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br