Eder Maffissoni, CEO da Prati-Donaduzzi: “Canabidiol sintético será caminho para ampliar acesso”
Eder Maffissoni, CEO da Prati-Donaduzzi: “Canabidiol sintético será caminho para ampliar acesso”
Executivo da primeira farmacêutica a pedir o registro do canabidiol como medicamento, após autorização sanitária, aponta os caminhos do produto no Brasil
O uso de medicamentos derivados de cannabis é visto como um mercado em potencial no Brasil. Em um processo de transição regulatória, com normas específicas criadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), empresas que atuam com canabidiol, uma das principais moléculas associadas à planta, buscam não só trazer evidências cientificas sobre indicações terapêuticas, mas também baratear o custo do produto. Em entrevista exclusiva ao Futuro da Saúde, Eder Maffissoni, CEO da Prati-Donaduzzi, aponta os caminhos que o produto deve tomar dentro da farmacêutica.
A empresa, uma das poucas indústrias tradicionais envolvidas nesse mercado, prepara o lançamento de um canabidiol mais acessível, custando menos de 100 reais o frasco de 10ml. A expectativa da empresa é que o produto revolucione o mercado, já que os preços variam de 130 a 3 mil reais nas farmácias brasileiras, de acordo com a posologia. Com 75% do marketshare, a farmacêutica brasileira é a primeira e única das empresas que atuam no setor a solicitar o registro como medicamento no país após a autorização sanitária provisória, com indicação terapêutica para epilepsia refratária.
Para isso, aguarda definições sobre a regulamentação. Em paralelo, a indústria começou a produção do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) do canabidiol sintético, sendo um possível caminho para baratear o custo dos produtos e ampliar o acesso. O executivo também falou sobre a política do Governo Federal para o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) e a inovação no Brasil.
Confira os principais trechos da entrevista abaixo:
A Prati-Donaduzzi é a primeira indústria a fazer o pedido de registro de um medicamento à base de canabidiol a partir das normas de transição. Atualmente, qual o status desse registro?
Eder Maffissoni – A Anvisa não terminou a avaliação ainda. Um estudo clínico é um estudo muito grande, que envolve vários centros de pesquisa, hospitais e pesquisadores são auditados. O processo de registro envolve a avaliação do nosso dossiê do medicamento, toda a parte farmacotécnica e analítica do medicamento, além das etapas dos estudos clínicos. Para ter uma ideia, um produto como o canabidiol tem um dossiê que passa de 20 mil páginas. É algo bem completo, com todas as provas técnicas, Por isso um pouco da demora. Mas estamos bastante otimistas. Continuamos sendo o único protocolo na Anvisa de finalização de estudo clínico. Hoje, no Brasil, nós não temos ninguém nem sequer em fase 3 ainda. Como fomos o primeiro produto de canabidiol no mercado, a gente está com a expectativa de ser também o primeiro medicamento de canabidiol no mercado.
Houve uma falta de visão das empresas que entraram nesse mercado, e que não eram da indústria farmacêutica, sobre a complexidade do processo de produzir um medicamento?
Eder Maffissoni – Somos uma indústria farmacêutica tradicional, o canabidiol é apenas um dos nossos 480 produtos em comercialização. Estamos há 31 anos no mercado. Não acho que o mercado seja amador. Somos nós e mais quatro indústrias farmacêuticas, indústrias de verdade, que estão nesse mercado e que sabem muito bem como se faz um medicamento. Todas as etapas do estudo clínico, toda a questão farmacotécnica e analítica, conhecemos muito bem a legislação da Anvisa. Mas há muita gente querendo reinventar a roda do que já existe. Dizem que é porque no Brasil não se faz pesquisa, porque no Brasil é proibido se desenvolver o medicamento à base do cannabis. Não. A legislação para desenvolver ele como medicamento sempre existiu. Toda legislação que dá amparo à produção do medicamento, estudos clínicos, é a mesma há muitos anos. Começamos a desenvolver nove anos atrás e fomos o primeiro importador da matéria-prima canabidiol para o Brasil, desenvolvemos o primeiro fabricante de canabidiol no exterior com padrão farmacêutico para que pudesse ser desenvolvido no medicamento. Nunca teve nada irregular, sempre seguindo fielmente toda a legislação que já existia. A legislação já existe, mas na verdade é um mercado perigoso porque é uma molécula polêmica e que desperta interesse de muita gente que está atrás somente de dinheiro, e não de prover saúde às pessoas. Se prega muita desinformação e tem muito aventureiro nesse mercado.
Isso tem a ver com o potencial financeiro deste mercado?
Eder Maffissoni – O mercado não é tudo o que falam. Já ouvi algumas pessoas falarem mercado de 4 bilhões de reais de cannabis medicinal. Isso não é verdade. Não existe. Quem fala em 4 bilhões está analisando talvez um mercado recreativo junto, um mercado completamente desregulado em que se pode tudo. O mercado farmacêutico desse produto nos últimos 12 meses foi de 220 milhões de reais. Está crescendo, mas nós temos, neste momento, 23 empresas que possuem registro. Então, é um mercado de R$ 220 milhões dividido entre 23 empresas. No mercado farmacêutico isso é um mercadinho.
É possível fazer uma comparação com outros medicamentos?
Eder Maffissoni – Dipirona, por exemplo, é um mercado de R$ 2.2 bi. É 10 vezes o mercado de canabidiol e são 37 empresas. Quando você divide o tamanho do mercado pelas empresas, é um mercado muito mais próspero, e falamos de dipirona, uma molécula muito antiga, vendida na gôndola da farmácia para quem quiser pegar, sem prescrição médica, sem nada. Vamos pegar outro produto, ibuprofeno. Tem um mercado de 1 bilhão de reais com 31 players. Mercado de losartana para hipertensão: 1 bilhão de reais e tem só 23 players. O mesmo número de players de canabidiol. Mercado de metformina: 1,4 bilhão no Brasil, com 23 players também. Então, quando se olha para o canabidiol, principalmente quem é de fora da indústria farmacêutica, acha que vai ficar milionário com a oportunidade do século. Não vai. É um produto com mercado e aplicações restritas. Cerca de 80% das indicações que falam que serve, na verdade, não tem comprovação de eficácia nenhuma, é especulativo. É a afirmação muitas vezes leviana de pessoas que só estão olhando o dinheiro e não a responsabilidade que existe por trás do medicamento.
A perspectiva é que esse mercado de canabidiol cresça no país?
Eder Maffissoni – É um mercado que promete crescer um pouco ainda, não está maduro. Embora para chegar perto de um produto mediano no Brasil, ele precisa crescer cinco vezes mais. Nós da indústria farmacêutica sabemos que uma indústria que só tem um único medicamento não sobrevive, como a losartana, por exemplo. São produtos muito volumosos e que já não dão mais dinheiro para ninguém. Tem bastante gente fazendo, é um mercado competitivo e ninguém sobrevive mais com produtos desse tipo. É um mercado muito desafiador.
E como está essa concorrência no Brasil?
Eder Maffissoni – Das 23 empresas que possuem registro de canabidiol no Brasil, só 15 delas comercializaram em algum momento. Oito delas não comercializaram nem um frasco, preferiram continuar importando de fora para não sofrer a carga tributária que o Brasil tem e nem a fiscalização de qualidade da Anvisa. Existe um dispositivo que permite, via RDC 660. Das 15 que comercializaram algum produto no mercado durante esse tempo, duas já faliram. E quatro delas não captamos mais comercialização no mês de agosto, o que supõe que também que saíram no mercado. O mercado ‘multibilionário’ já começou a fazer as suas primeiras vítimas, pessoas que não são do setor, que não conhecem o setor e resolveram se aventurar. É um setor extremamente regulado, caro para se atuar e de muita responsabilidade.
A atuação como indústria farmacêutica deu alguma vantagem frente aos concorrentes?
Eder Maffissoni – O médico tem muita dificuldade em acreditar em empresas que são de fora do setor e, principalmente, que afirmam que o produto é bom para tudo. O tal do ‘santo remédio’ a medicina sabe que não existe. Aquele produto que é para queda de cabelo até uma unha encravada, na prática, não existe. Esses produtos acabam caindo muito em descrédito. Empresas que vêm de fora com esse espírito de vender milagre não encontram a classe médica. Esse é o grande problema. Ela precisa se sentir respaldada por algum laboratório de peso, algum laboratório que eles consigam confiar, que está falando a verdade, para que acabe não respingando de volta a responsabilidade em cima do próprio médico.
Agora vocês vão lançar o canabidiol mais barato do mercado. Qual foi a estratégia para isso?
Eder Maffissoni – A grande preocupação é que esse é um produto caro. Quando fizemos o estudo clínico, nos deparamos com a situação das famílias que participaram. Uma doença como essa não escolhe classe social. Temos pessoas que conseguem pagar pelo medicamento, mas há pessoas muito modestas que não têm condições de aderir. Quando começamos a trabalhar com esse medicamento, fomos taxados por ser muito caro, por começar pela concentração mais cara que existe no mercado, a 200 miligramas por ml, com 30 ml no frasco. A necessidade de um paciente com epilepsia refratária, que é o objeto do nosso estudo clínico, é uma dose muito grande para controlar a condição. Tem pessoas que precisam de dois frascos desses para controlar uma epilepsia por mês. Agora, percebemos que existem diversas outras patologias que os médicos também prescrevem para o paciente tomar duas gotas de manhã e duas gotas à noite. Um frasco de 10 ml, com 20 miligramas por ml, pode render um tratamento para 67 dias. O nosso objetivo é que esse produto chegue ao consumidor final, preço de farmácia, por menos de 100 reais.
Como pode impactar a saúde da população?
Eder Maffissoni – A gente está democratizando um pouco mais a saúde. Muito se fala que o Brasil tem um problema sério de adesão ao tratamento pelos mais diversos motivos, inclusive de paciente esquecer de tomar medicamento. Mas temos outro muito sério que é por falta de condição econômica do paciente. Se o paciente tiver que comprar o medicamento de 200 reais depois do dia 15, o salário já foi embora faz tempo. Ele vai na farmácia e não vai conseguir levar. E aí, interrompe o tratamento, o que é uma lástima. Agora, acabou o medicamento, vai lá e compra essa apresentação mais barata, dá continuidade do tratamento, e quando tiver melhores condições volta a comprar. Temos pensado em todos os meios, sempre em melhorar a vida do paciente e tornar mais democrático possível para que todo mundo acesse. O sonho é que esse produto seja objeto do Farmácia Popular, em que ninguém precisa de dinheiro para ter acesso. A gente está distante disso, mas esse é o nosso grande sonho e perseguimos esse objetivo o tempo todo.
A Prati tem feito pesquisas com o canabidiol para outras doenças?
Eder Maffissoni – Temos avançado para outras patologias, embora seja um estudo muito caro. Temos uma insegurança gigante de investir 30, 40 ou 50 milhões em um novo estudo clínico e aí, vir qualquer um de fora, com um produto completamente artesanal, sem segurança nenhuma e continuar comercializando. A RDC 327, resolução de transição regulatória, exigia um estudo clínico após 5 anos de autorização. Agora se fala que vai ser difícil extingui-la. Temos visto outras patologias com potenciais bastante grandes para tratamento. Estamos com protocolos para iniciar novos estudos clínicos, mas precisamos entender para que rumo a regulação vai tomar, porque não faz sentido investir uma babilônia de dinheiro em estudos clínicos e no dia seguinte vir um estrangeiro que não é do ramo farmacêutico e que resolve entrar para o ramo da cannabis, comercializando sem responsabilidade nenhuma. Começa a fazer propagandas ilegais e propagandas afirmando eficácias terapêuticas não verídicas. Acaba bagunçando todo o mercado e desmoralizando ele. Estamos aguardando para dar sequência nos estudos clínicos, aguardando os desfechos e qual caminho isso vai tomar. Vai tomar um caminho mais sério como medicamento ou vai tomar um caminho de banalização completa? Só temos interesse no mercado farmacêutico. Mercado recreativo e banalizado não temos interesse, não é nosso ramo.
Qual a sua visão sobre a RDC 327? Deveria ser prorrogada?
Eder Maffissoni – A Anvisa está em uma cilada para fazer cumprir a 327, que dizia que era por cinco anos improrrogáveis. Se fizer cumprir, vamos ter o decreto de extinção de 80% das empresas que estão comercializando no Brasil. Não seria um caminho justo, inclusive, para os pacientes que dependem desses produtos. Por outro lado tem as empresas, como nós, que fizemos o estudo clínico e levamos a sério. E aí vem a flexibilização, nos desmotiva continuar inovando. Imagino que a RDC 327 deve tomar um caminho de prorrogação, tentando colocar todo mundo em estudo clínico para que venha ter um medicamento com comprovação científica em algum momento. É uma prorrogação por mais algum tempo, com critérios de restrições, para começar a separar as empresas sérias dos aventureiros. A gente tem visto empresas afirmando que estão fazendo estudo clínico, mas está fazendo um estudo acadêmico, sem finalidade de registro nenhuma. São duas coisas muito diferentes. Fizemos o estudo clínico, terminamos e está protocolado.
Existe alguma dificuldade em desenvolver esses estudos? Por que grandes indústrias não se interessam?
Eder Maffissoni – Somos em cinco as indústrias farmacêuticas tradicionais que estão nesse mercado. Elas sabem como fazer, sabem o caminho, tem essa condição de fazer um estudo sério, multicêntrico, duplo cego, padrão ouro, para fim de registro internacional, inclusive. O canabidiol não tem nenhum desafio tão gigante assim. É que o mercado não é tão atraente assim conforme pregam. Então, não desperta. Por que você não vê as grandes multinacionais farmacêuticas que estão na vanguarda de tudo, nem cogitarem entrar nesse mercado? Porque é um mercado que a indústria farmacêutica não vê aquele efeito terapêutico de verdade ou tão gigante. A prova é que o nosso mercado, depois de cinco anos, é um mercado de 220 milhões de reais. O Ozempic, por exemplo, é um mercado de quase 4 bilhões de reais no Brasil.
Que inclusive, vocês irão fabricar também?
Eder Maffissoni – Estamos no páreo (risos).
Atualmente vocês trabalham com vendas do canabidiol para o SUS?
Eder Maffissoni – Vários estados já têm legislação sobre distribuição de canabidiol e trabalhamos com eles, embora não seja um medicamento padronizado pelo SUS. Esses estados têm licitação para compra desse medicamento e o nosso produto está disponível lá. Os outros estados que não têm legislação, que não fornecem espontaneamente, acabam tendo que fornecer via, muitas vezes, um mandato judicial. Eles são obrigados a fazer compras esporádicas também, para fornecer via essas decisões, mas a gente sabe que nem todo paciente se motiva a entrar, o juiz muitas vezes entende de um jeito, entende de outro. A via judicial não é uma maneira democrática de se ter acesso. É uma maneira morosa e burocrática, que nem sempre o paciente consegue obter por essa via.
Dá para baratear ainda mais o custo, com a produção do IFA, por exemplo?
Eder Maffissoni – O que a gente tem feito para baratear o custo é aumentar o tamanho do lote. Isso melhora a escala e conforme a Prati vem ganhando mercado e comercializando mais produto. Esse aumento de volume acaba dando um poder de barganha maior junto aos nossos fornecedores de matérias-primas, recipientes, frascos, rótulos e aí por diante. Isso tudo vai puxando custo para baixo. Não precisamos necessariamente do lucro vindo desse produto. A gente tem crescido muito forte, e melhorado essa cadeia produtiva, trabalhando para que fique mais eficiente, mais competitiva e que derrube os preços. Temos trabalhado para repassar isso para o consumidor e tentar democratizar o produto. Isso é efeito do sucesso de vendas da Prati. Com um maior volume de vendas no mercado brasileiro conseguimos reduzir custo e isso permite que a gente lance apresentações mais baratas. Ao longo dos anos vamos acabar abaixando ainda mais com uma segunda estratégia, que é o canabidiol sintético.
De que forma?
Eder Maffissoni – Desenvolvemos o princípio ativo sintético, 100% igual ao produto de origem vegetal purificada e padronizado. Reduz demais o custo de produção pelo fato de não ter que plantar, extrair e purificar. O produto sai pronto, é puro já pela rota de síntese. No dia em que lançarmos o produto de origem sintética, vai ser possível reduzir ainda mais o preço do produto. Embora, tecnicamente, são dois produtos diferentes. Uma coisa é o canabidiol vegetal purificado, outra é o sintético. Exigem estudos clínicos distintos para pedido de registro. A matéria-prima já existe, com o documento necessário para que se use essa para fins farmacêuticos. O nosso medicamento canabidiol de origem sintética também já existe. Ele, inclusive, já tem sido utilizado em etapas de estudo clínico. Seria a solução completa para democratizar o acesso e a gente falar que esse é um produto acessível a qualquer cidadão.
Recentemente a Prati começou a fabricar IFAs. Existe potencial para oferecer ao mercado interno e externo?
Eder Maffissoni – Temos uma divisão específica chamada Specialità Fine Chemicals, uma pequena empresa de desenvolvimento e produção de insumos farmacêuticos. Dentre eles, produzimos o canabidiol. É uma divisão que fornece para a Prati, mas pode fornecer para terceiros. Já existem outros laboratórios que estão desenvolvendo produtos com base no nosso canabidiol sintético. Teve exportação de pequenas amostras para um laboratório japonês, que tem desenvolvido um medicamento à base de canabidiol sintético com o nosso IFA.
Os IFAs são um desafio para a produção de medicamentos no Brasil. Você vê horizonte para o país produzir?
Eder Maffissoni – É um tema muito desafiador. Já tivemos produção. Na década de 70 e 80 tinha muita indústria de IFAS no Brasil e nós as perdemos por falta de estratégia de proteção. Ela é extremamente estratégica para o país. Acontece que a Ásia começou a produzir com muita força, dominou esse mercado. Os custos são muito menores que no Brasil e ninguém paga preços maiores pela mesma matéria-prima. Hoje a Ásia tem muita qualidade. China e Índia abastecem entre 80 e 85% de todo o IFAS farmacêutico do mundo. A Europa, os Estados Unidos e o Brasil importam de lá. Laboratório de genéricos importam de lá, assim como os de referência. A gente perdeu competitividade. Know-how não nos falta para produção de IFAS. Desenvolvemos o canabidiol, a cabergolina, e outros quatro produtos oncológicos, Nesse momento, estamos desenvolvendo mais dois IFAs que ainda estão sob patente. É uma estratégia da Prati desenvolver o IFAs de forma antecipada, para que no futuro a gente consiga desenvolver de forma antecipada também o IFA do nosso próprio medicamento. Tecnologia não é o problema, o problema é econômico. Quando as empresas não ganham dinheiro não sobrevivem. O Brasil tem um problema que produtos de grande volume, baixo valor agregado, que é o caso de uma dipirona, não vejo viabilidade no curto e médio prazo de se produzir no Brasil e ser competitivo contra a Ásia.
Existe perspectiva para esse cenário mudar nos próximos anos?
Eder Maffissoni – Nos próximos 20 anos não consigo ver viabilidade no Brasil. O que é viável no Brasil que nós temos procurado fazer são produtos em que o volume produtivo é muito pequeno e o valor agregado a essa matéria prima é muito alto. Por exemplo, estamos falando de uma cabergolina de 1 milhão de reais o quilo, de um canabidiol de muitos milhares de reais o quilo. Produtos oncológicos, por exemplo, que o valor agregado também é muito alto. São produtos que no custo do produto a mão de obra significa muito pouco. Aí é viável fazer no Brasil. Produtos que são utilizadores de mão de obra intensiva, de reatores gigantes, com capacidade de 30 mil litros no reator, muita gente trabalhando, não se viabiliza aqui. Ainda não. Precisa de uma política de governo mais agressiva e não política de governo pensando só na parte técnica, porque a parte técnica o Brasil domina. Tem que ser pensado na parte econômica, viabilizar economicamente para que as empresas se tornem viáveis. No mercado automobilístico existe proteção tarifária para os veículos, e vemos multinacionais de veículos vindo para o Brasil, colocando montadora no Brasil, justamente porque importar de lá sai muito caro, não é competitivo aqui. Para ser viável isso no Brasil, tem que se pensar em algo parecido.
A estratégia do Governo para o Complexo Econômico-Industrial da Saúde não pode mudar esse cenário?
Eder Maffissoni – É uma atitude louvável do governo, mas não resolve o problema como um todo. Usar o poder de compra do governo para comprar o medicamento é limitado. O governo vai ficar eternamente pagando sobrepreço no medicamento para se bancar um IFA produzido no Brasil? O dia que não pagar mais sobrepreço as indústrias de IFA não vão sobreviver. Esse é o grande dilema. Vai escolher uma empresa para desenvolver e que vai comercializar com sobrepreço, mas você não cria um ecossistema. E a PDP vai criar um único, escolher um parceiro para desenvolver um produto específico. O dia que não bancar ele não vai sobreviver. E pelo fato de estar bancando com exclusividade esse um, não se cria outros nos arredores. Para que vou desenvolver o mesmo produto se eu não tenho para quem vender? O Ministério da Saúde compra apenas daquele parceiro. Então, acaba desmotivando as outras empresas a se desenvolverem. Hoje temos 25% do nosso portfólio com algum laboratório público tentando PDP. Temos 206 produtos em desenvolvimento nesse momento, é a prova que não falta tecnologia no Brasil. Precisa ter viabilidade. Mas o que fazer com esse desenvolvimento? Estou falando de milhões e milhões de reais envolvidos. Se vem outro, faz uma parceria com o governo, não tem mais para quem eu vender o produto. Estamos nessa situação e nossos concorrentes também estão. Isso traz uma insegurança bastante grande para quem detém tecnologia e está tentando se firmar no mercado nacional.
A inovação tem que estar no radar da indústria brasileira para além dos genéricos?
Eder Maffissoni – O mercado brasileiro está um pouco atrasado em alguns países. Não do ponto de vista regulatório, estamos muito bem respaldados pela Anvisa. Mas no Brasil cerca de 35% dos medicamentos consumidos são genéricos. Na Alemanha chega a 90%, nos Estados Unidos passa dos 65%. O mercado de inovação no mundo, mercados mais desenvolvidos que o Brasil, o médico já não suporta mais receber tanto laboratório na porta para fazer propaganda, tomando o tempo dele, que podia estar em consulta. Está cada vez mais sensível a receber empresas que realmente têm inovação de verdade, inovação que vai trazer alguma diferença para a prescrição e para o paciente dele, diminuindo efeito adverso, melhor eficácia, etc. Mais do mesmo, produtos que já existem no mercado só com uma marca diferente, já não quer mais nem receber esses laboratórios lá. Isso já acontece há alguns anos no mercado externo.
Recentemente a Anvisa tornou um medicamento da Prati referência. Ele não é uma inovação em si?
Eder Maffissoni – O pratiprazol não é considerado um medicamento de inovação. É uma molécula muito antiga que existe no mercado brasileiro. A gente não concordava muito com a qualidade dos produtos que tem no Brasil dessa molécula, todos têm mais ou menos a mesma origem e vem semi-acabado para o Brasil. As indústrias importam os pellets (microesferas com o principal ativo pronto), colocam ele apenas dentro da cápsula e embalam. Nós desenvolvemos o nosso próprio pellet, um produto que tem uma qualidade superior que acaba sendo diferente do que tem no mercado. Fizemos um estudo comparativo ao produto americano, não aos produtos que existem no Brasil, e submetemos o registro à Anvisa. Um produto com tecnologia 100% brasileira, produzido, o único omeprazol produzido de verdade no aqui, que não vem da Índia. Dado esse case de sucesso que a gente teve aqui, a Anvisa tornou o nosso produto medicamento de referência no Brasil. Embora nós não considerássemos uma inovação radical, porque o produto em si já existia na forma farmacêutica.
Qual o tamanho da área de inovação da Prati?
Eder Maffissoni – Investimos em torno de 5% a 6% da nossa receita líquida em pesquisa e desenvolvimento. Temos um roadmap de inovação, onde distribuímos essa cifra em diferentes categorias. Desenvolvimento de novos genéricos, por exemplo, mas também em produtos com inovação incremental e inovação radical. O canabidiol foi um produto de inovação. A molécula não existia como medicamento no Brasil. Não é aquela inovação radical onde descobrimos a molécula, mas foi uma molécula que não existia ainda em comercialização no Brasil. Foi um produto da classe de inovação e a gente tem trabalhado hoje com um comitê de inovação para resolver os problemas da classe médica, quais são as necessidades não atendidas, e transformando em produtos de inovação. Nossa pesquisa tem em torno de 350 profissionais destinados exclusivamente para P&D de novos produtos, seja genéricos ou produtos de algum grau de inovação. Inclusive, produtos que têm gerado pedidos de patentes para nós. O próprio canabidiol temos deferida já uma patente nos Estados Unidos comprovando neuroproteção. Temos trabalhado, elevado o nível de inovação e conseguindo, inclusive, gerar inovações aqui com pedidos patenteados.
Quais os principais segmentos de pesquisa que têm recebido esses investimentos?
Eder Maffissoni – Temos trabalhado na área de inovação e de prescrição médica, que não são genéricos. Hoje, 10% do nosso negócio é a área de prescrição, onde o canabidiol se inclui, mas não é o nosso maior produto, ao contrário do que muita gente pensa. Não está nem no rol dos maiores. Temos um portfólio de 10 produtos de prescrição que representam 10% da nossa receita. Nosso foco é muito grande nas doenças complexas do sistema nervoso central. Geralmente quem trata dessas doenças são psiquiatras, neurologistas e geriatras, que inclui, por exemplo, demência, depressão, esquizofrenia, Parkinson, Alzheimer, epilepsia refratária, e autismo. Estamos trabalhando o nosso portfólio e a nossa pesquisa e desenvolvimento de inovação focados nessas doenças complexas.
Algum lançamento previsto de medicamentos inovadores para os próximos anos?
Eder Maffissoni – Molécula inovadora por completo, inovação radical, nenhuma prevista. Mas vamos ter vários produtos nos próximos dois anos trazendo soluções para os médicos. São fórmulas farmacêuticas que ainda não existem no Brasil e soluções técnicas que o Brasil tem deficiência, e que são necessidades não atendidas pela indústria. Geramos inovação e está em fase de registro agora na Anvisa. Vamos ter várias inovações incrementais, sempre com o foco de melhorar a aderência do paciente ao tratamento, melhorar a eficácia do medicamento ou melhorar efeitos adversos, que muitas vezes assolam os pacientes também.
Existem planos de aquisição de outras empresas?
Eder Maffissoni – Somos uma empresa rentável, sólida financeiramente e pouco endividada. A nossa dívida sobre o nosso resultado tem uma relação pequena. Somos uma empresa que está completamente preparada para um crescimento mais acelerado, preparada tecnologicamente. Dominamos a nanotecnologia e diversas áreas farmacêuticas. Financeiramente também estamos estruturados e estamos prontos para dar alguns passos. Temos um foco muito grande hoje no projeto de internacionalização e estamos caminhando agora para múltiplas certificações nas nossas unidades fabris. Em 2025 devemos obter uma certificação da comunidade europeia e, em breve, com uma subsidiária na Europa, exportar dos nossos medicamentos. Quando se fala em aquisições não estamos necessariamente procurando ir atrás nesse momento, mas estamos com caixa. Se nos depararmos com uma oportunidade sinérgica ao nosso negócio, por exemplo, algum produto em posição estratégica de prescrição nas doenças complexas do sistema nervoso central, que some ao nosso portfólio, temos interesse em conversar. Outro exemplo é algum laboratório farmacêutico na Europa que seja sinérgico a nossa entrada nos países que temos como alvos, em que o portfólio seja complementar ao nosso. Estamos trabalhando por enquanto com estratégia greenfield, mas aparecendo oportunidades estamos prontos para avalizar.
Cosméticos e alimentos estão no horizonte da farmacêutica, como outras indústrias nacionais?
Eder Maffissoni – Por enquanto, não. A gente está muito focado mesmo em produtos com eficácia terapêutica comprovada, em medicamentos e em complementar nosso portfólio de genéricos. E cada vez mais investir em inovação para o sistema nervoso central. Em 2025, 50% do nosso orçamento de pesquisa e desenvolvimento vai ser destinado para produtos de inovação e desenvolvimento incremental.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.