O papel da economia da saúde na busca pela sustentabilidade do setor – Futuro Talks Ed. Especial

O papel da economia da saúde na busca pela sustentabilidade do setor – Futuro Talks Ed. Especial

Novo episódio de Futuro Talks especial recebeu André Medici e Gines Henrique para debater soluções para alcançar a sustentabilidade do setor.

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By Published On: 14/11/2024
André Medici e Gines Henrique Martines, da Unimed, debatem o papel da economia da saúde para a sustentabilidade do setor

Diante de toda a discussão de sustentabilidade do sistema de saúde, que passa pela incorporação de novas tecnologias e recursos limitados, fazer a gestão de saúde – em todos os seus sentidos – tem se tornado cada vez mais fundamental. Neste contexto, buscar diálogo, novos modelos de negócio, revisão dos processos e um olhar racional para os desafios e potenciais soluções despontam como caminhos para começar a resolver a equação. Este foi o contexto do episódio especial de Futuro Talks, que recebeu André Medici, consultor internacional e diretor executivo da iniciativa Universal Health Monitor, e Gines Henrique Martines, superintendente de gestão de saúde da Unimed do Brasil.

Ao longo da conversa, eles exploraram soluções viáveis para a sustentabilidade do sistema de saúde, bem como os desafios relacionados à incorporação e desincorporação de novas tecnologias no setor. Estratégias como consórcios de compra, compartilhamento de risco e modalidades de financiamento – inclusive com experiências internacionais – podem aliviar a pressão financeira sobre o setor. No entanto, há uma necessidade evidente de ajustes regulatórios para que essas soluções sejam implementadas de forma eficaz e justa.

Segundo eles, essa tensão entre o coletivo e o individual é um dilema que países como a Alemanha enfrentam através do princípio da “reserva do possível”, que busca priorizar a alocação de recursos limitados para maximizar o benefício coletivo. É uma discussão complexa, porém necessária mesmo no Brasil, na visão deles.

Durante a entrevista, os especialistas destacaram os recentes debates de uma possível criação de agência única para a incorporação de tecnologia na saúde, ressaltando a necessidade de um sistema capaz de lidar com a complexidade jurídica e as demandas do setor. No entanto, apontaram sem um planejamento a longo prazo, que inclui o papel dos profissionais de saúde para desenvolverem um olhar de gestão, o Brasil continuará enfrentando dificuldades em garantir a sustentabilidade do sistema de saúde.

Confira a entrevista a seguir:

Qual é o caminho para a sustentabilidade no setor da saúde, considerando o avanço tecnológico, o aumento de custos e o envelhecimento da população?

André Medici – É um caminho árduo, pedregoso, como qualquer outro, mas ele existe. Muitas vezes, as pessoas precisam fazer escolhas trágicas. Tudo o que tem solução envolve esse tipo de decisão difícil. No caso do Brasil, essas escolhas passam necessariamente por mecanismos que flexibilizam a organização da saúde suplementar no país. A saúde suplementar brasileira foi criada de forma interessante, tem funcionado bem e, ainda que incorpore tecnologias de maneira um pouco mais lenta, o faz dentro das possibilidades do setor. No entanto, os novos medicamentos, por serem disruptivos em termos de custo e preço, representam um desafio, pois passamos de uma base química para uma biotecnológica e genômica, sem saber o que mais está por vir. A grande questão para mim, que está colocada dentro desse processo, é a necessidade de flexibilizar uma série de aspectos. Primeiro, a decisão sobre a incorporação.

“Acredito que, de alguma forma, a Conitec tem feito um bom trabalho na avaliação dessas tecnologias, mas o ponto que talvez precise ser mais representado é especificamente a viabilidade orçamentária desse processo. Embora isso esteja incorporado na análise, muitas vezes não se considera a viabilidade orçamentária real”.

Hoje em dia, todos os processos de Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS) estão passando por uma mudança de base, que consiste em utilizar estatísticas do mundo real. Em vez de testar modelos em laboratório e analisar questões de custo-efetividade a partir desses testes, passamos a testar realmente no mundo real: qual é o custo disso? Como vai impactar? Quais são as possíveis complicações? Muitas vezes, isso leva a decisões diferentes daquelas que estão sendo propostas. Ao mesmo tempo, isso pode proporcionar mais tempo para as operadoras se adaptarem e identificarem em quais mercados podem atuar dentro desse processo. Portanto, isso envolve uma série de estratégias.

A flexibilização dos reajustes também? 

André Medici – Um ponto é a flexibilização dos reajustes, pois muitas operadoras estão enfrentando custos crescentes, já que não conseguem incorporar novas tecnologias. Considere o caso de uma operadora pequena em uma cidade do interior. Se ela tiver que arcar com o custo de uma tecnologia que custa 2 milhões de dólares, pode acabar fechando, pois não tem condições de cobrir essa despesa. Essa situação exige, efetivamente, um repensar na forma de financiamento e que tipo de subsídio público ou estatal pode ser disponibilizado em certos casos. Existem duas formas de seguro para alta tecnologia: no caso dos Estados Unidos, por exemplo, há o Medicare, que cobre pessoas com mais de 65 anos, que são as que mais utilizam essas tecnologias. No caso de Singapura e outros países, há as Medical Savings Accounts, contas de poupança médica, nas quais os cidadãos acumulam recursos ao longo da vida para usar em tecnologias com preços disruptivos. Enfim, é uma discussão longa.

Como a Unimed tem lidado com a incorporação de tecnologias e qual tem sido o impacto disso?

Gines Henrique Martines – Bom, nós, do Sistema Unimed, mas também a saúde suplementar como um todo, estamos enfrentando uma grande dificuldade na administração de um recurso finito. O Dr. André mencionou a precificação e a possibilidade de incremento, mas a população não consegue pagar uma mensalidade maior do que já paga atualmente. Assim, trata-se da administração de um recurso limitado.

E quais seriam as soluções viáveis para garantir a sustentabilidade do sistema de saúde? Atualmente, talvez não seja sustentável.

André Medici – Existem algumas soluções que são importantes destacar, pois, muitas vezes, esse tipo de processo depende da escala da operadora. Quando você tem grandes sistemas públicos, como o National Health System da Inglaterra, o NHS, é possível negociar determinados preços de medicamentos, conseguindo assim reduzir muito os custos – algo que as pequenas operadoras não conseguem fazer. Houve até uma discussão na apresentação do NHS, onde foi mencionado que o NICE não divulga as informações sobre o preço final alcançado nos medicamentos, mas há negociação. Portanto, existe a perspectiva de negociar quando se tem grandes volumes de venda, o que significa que é viável criar, através da regulação, consórcios de compra e colocar a negociação fora do âmbito da operadora, mas dentro de uma entidade que possa desempenhar esse papel. Isso é algo que poderia ser feito, caso se decida incorporar. A outra questão é realizar um compartilhamento de risco (risk sharing) com a operadora.

Isso tem sido adotado em outras localidades?

André Medici – A questão do compartilhamento de risco (risk sharing) para tecnologias altamente disruptivas, mas com grande efetividade, está sendo adotada por vários operadores e hospitais nos Estados Unidos, pois permite responsabilizar a operadora em relação aos resultados. Você espera um determinado resultado. Se aquele resultado acontece, você paga uma parte ou a totalidade do tratamento; se o resultado não é alcançado, você não paga, porque quem está vendendo o processo precisa ter clareza de que a efetividade é real. Muitas vezes, você paga por algo que não terá aquela efetividade. Essa é uma questão importante: como fazer o processo de compartilhamento de risco (risk sharing)? Uma terceira solução seria a coparticipação das famílias. Em casos com custos muito altos, é possível buscar uma solução que envolva o compartilhamento do custo com as famílias, de forma financiada, com mecanismos adequados. Por fim, também precisamos considerar as contas de poupança médica, que é uma abordagem que deve ser analisada.

“Acredito que o seguro saúde deve incluir um elemento de longo prazo. Isso é algo que nunca foi pensado no Brasil, porque, na verdade, sempre existe um foco em gastos de curto prazo. Por quê? Porque, basicamente, as reservas técnicas que as operadoras fazem acabam sendo utilizadas muito rapidamente”.

Elas não têm uma acumulação significativa de reservas técnicas, o que significa que você poderia fazer reservas técnicas também em nome do beneficiário. Como? Uma parte do seu prêmio iria para uma conta de poupança pessoal, onde ele poderia administrar os recursos. No momento em que ele precisasse gastar esse valor para um recurso que não teria capacidade de arcar, poderia utilizar parte daquele recurso para financiá-lo. São soluções que podem ser pensadas dentro desse processo, mas exigem um outro tipo de regulação e uma discussão sobre como os aspectos financeiros dessas aplicações serão realizados. Não podem ser feitas em ativos de baixo valor; devem ser realizadas em bons ativos. Portanto, é necessário ter uma certa credibilidade financeira para poder aplicar os fundos, tudo isso.

Como funciona o processo de Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS) dentro do Sistema Unimed? Existem iniciativas próprias para essa avaliação, considerando o trabalho da Conitec e a atuação da Cosaúde na ANS?

Gines Henrique Martines – Sim, temos iniciativas. Participamos do Cosaúde, e o Sistema Unimed já possui, há alguns anos, núcleos de avaliação de tecnologia de saúde. A Unimed do Brasil recentemente criou um núcleo para coordenar os esforços dos outros NATS e produzir avaliações próprias. No entanto, a avaliação de tecnologia de saúde no Brasil enfrenta grandes desafios; ela não é uniforme e não possui o mesmo peso ou medida em todos os casos. Vou compartilhar uma situação. Existe um mecanismo que foi bastante facilitado a partir da pandemia para a incorporação de tecnologia, o chamado fast-track. Esse mecanismo não exige uma comprovação científica absoluta de que a tecnologia funcionará, e mesmo assim, ela é incorporada. Por outro lado, os NATS do sistema de saúde suplementar, que são entidades que participam do Cosaúde, podem comprovar, através dos melhores estudos disponíveis, que uma tecnologia não funciona, mas a ANS não desincorpora. Precisamos encontrar um caminho para a desincorporação também. É necessário remover tecnologias que não funcionam. Outra questão muito complexa é: precisamos decidir que país queremos ser. Não podemos esquecer que, ao incorporar uma droga como o Zolgensma, que beneficia apenas um único usuário e custa entre 8 milhões a 10 milhões de reais por dose, o resultado é muito limitado. Com isso, deixamos de vacinar um número incontável de crianças contra o sarampo e a rubéola. Qual é a mortalidade infantil do sarampo não tratado no Norte e Nordeste do país? A mortalidade é alta. Então, ao beneficiar um pequeno número de crianças, deixamos um grande número desprotegido. Precisamos entender que nosso país está em evolução e que não podemos incorporar tudo.

Na opinião de vocês, até que ponto a sociedade está preparada para essa discussão? Pensando como um paciente que quer acesso ao tratamento, como ocorre essa conversa na sociedade? Como podemos promover essa transformação em direção a um cenário mais sustentável?

André Medici – Bom, é uma discussão difícil também.

“A impressão que tenho – e isso ocorre não só no Brasil, mas em todo o mundo – é que, quando se discute saúde, há um conflito entre o interesse individual e o coletivo. Essa questão sempre existirá, e a grande dificuldade é como fazer com que, do ponto de vista do sistema judicial e das instituições, se crie um processo civilizatório em que o direito coletivo prevaleça sobre o direito individual em determinadas circunstâncias”.

É semelhante ao que acontece na Alemanha, por exemplo, onde a questão da reserva do possível torna a discussão sobre a incorporação de tecnologia muito lenta. Eles não incorporam qualquer tecnologia porque a reserva do possível implica que, se um orçamento específico for utilizado em uma única pessoa, quantas outras deixarão de usufruir daquele recurso em um sistema limitado, onde dependem também desse recurso para outras necessidades? Quantas pessoas serão prejudicadas? Então, você faz um balanço dentro desse processo: o que é possível fazer com os recursos disponíveis é o que se deve fazer. O que pode resultar em prejuízo, dado que os recursos são limitados, deve ser deixado de lado, e o dinheiro deve ser utilizado em função do benefício coletivo. Comecei a lançar essa discussão no Brasil há mais de dez anos, em um artigo que escrevi em 2008 ou 2009, e é muito difícil que essa abordagem seja incorporada pelo Judiciário brasileiro. O Judiciário tende a priorizar o direito individual, em parte porque há sempre o receio de ser responsabilizado se tomar uma decisão errada, especialmente se uma pessoa com uma determinada condição não receber um medicamento e vier a óbito. No entanto, o ponto é que muitas vezes a pessoa pode falecer mesmo com o medicamento, pois as análises nem sempre são consistentes. Essa é uma questão a ser considerada: não se deve experimentar usando muitos recursos quando se tem a certeza de que essa abordagem, sem garantias de resultado, pode prejudicar um número maior de pessoas.

E essa discussão no Judiciário tem avançado no Brasil. Qual é, na perspectiva de vocês, o nosso grau de maturidade nessa questão, considerando que é um problema global?

Gines Henrique Martines – Eu acho que o desrespeito ao contrato firmado é claro e inequívoco. Quando eu te falei a primeira vez sobre isso, acho que nós temos que ter uma política de Estado. Quando você pega a fração do PIB investido na saúde no Brasil e compara com a fração do PIB da Alemanha, a fração pode ser igual, mas o volume monetário é outro. É outro dinheiro, é outra capacidade negocial, é tudo. E, ainda em cima dessa diferença, existe o Judiciário, que tem essa política de que todo mundo deve ter direito a tudo. E não tem, não tem. Eu entendo bem a sua pergunta. Se o seu filho tiver câncer e precisar do medicamento, por exemplo, você quer que dê? Posso até te responder, com todo o meu conhecimento, que talvez não. Mas, como pai, sim. No entanto, não sou eu que tenho que decidir isso; é o governo que tem que decidir, é a política de Estado. O Brasil não pode ter tudo para todos a todo momento e muitas vezes isso fica na mão da indústria farmacêutica. Como, por exemplo, uma droga chega ao SUS custando 7 milhões e chega à saúde suplementar custando 12? Como se justifica isso? O Dr. André cita muito o compartilhamento de risco. Sente-se à mesa para discutir com a indústria farmacêutica um compartilhamento de risco, para você ver o que eles consideram compartilhamento de risco e o que nós consideramos. Não existe essa coisa de esperar o momento de confirmação se a droga deu certo naquela criança e você vai pagar. Você paga, e aí eu te dou um desconto no futuro para a medicação que você for comprar. Isso não é compartilhamento de risco, isso é garantia de mercado.

Como vocês percebem o ressurgimento do debate, que não é novo, sobre a criação de uma agência única para a incorporação de tecnologias? Essa poderia ser uma possibilidade viável?

André Medici – Antes disso, queria recuperar um aspecto que eu acho importante sobre continuidade jurídica ou maturidade jurídica na questão dos contratos e a passagem sobre a questão do rol taxativo para o rol exemplificativo. Foi uma decisão unilateral, de alguma forma, e ela deixou para trás uma série de contratos que foram assinados durante muito tempo. Ou seja, não houve nenhuma transição para pensar exatamente como esse processo vai ser colocado e se a discussão pode ser feita caso a caso. Isso é um exemplo claro de falta de maturidade jurídica. Se você tem contratos, eles têm de ser respeitados até um determinado momento em que você possa ter as condições específicas para mudá-los. Eu acho a agência única uma grande ideia. Seria realmente muito importante ter uma única agência de tecnologia. Quando eu estava no Banco Mundial, uma das coisas que ajudei a discutir no caso da Colômbia foi a ideia de criar uma agência de tecnologia, porque eles estavam enfrentando um problema de judicialização enorme, com 70% da população judicializando os planos de saúde lá. Eles estavam com uma premência muito grande. Basicamente, o que fizemos, e eu ajudei nesse processo, foi que eles criaram essa agência. Nós, através do Banco Mundial, contratamos professores do NATS para ensinar, em diversos centros em todo o país e nas universidades, a fazer avaliação de tecnologia de forma mais adequada. Aquilo serve especificamente para os dois sistemas que eles têm lá, tanto o regime contributivo quanto o regime subsidiado. Eu acho que o mesmo deveria acontecer aqui no Brasil, dentro de uma perspectiva onde você possa, de alguma forma, ter um pouco mais de qualificação dentro da ANS. Eu acho que a ANS é muito boa, mas, nessa questão específica de incorporar as variáveis do mundo real, hoje você tem Big Data e toda a questão de inteligência artificial. Você pode efetivamente utilizar grandes bases de dados para determinadas questões e não apenas o que temos especificamente em termos de ensaios clínicos, que são só uma parte do processo e não a totalidade, porque o ensaio clínico se dá em uma situação muito diferente da realidade, enquanto a realidade é outra. Muitas vezes, a realidade mostra outras coisas.

Como os médicos estão preparados para essa discussão? Eles estão informados sobre economia da saúde e tomada de decisões? Como podemos integrá-los mais efetivamente nesse debate?

Gines Henrique Martines – A transição do médico clínico, que atende o paciente, para o médico gestor não se faz em meses, nem em anos. É o momento da vida desse médico em que ele começa a perceber que o atendimento individual já não atende à sua ânsia, pois ele pode fazer o bem para uma pessoa individualmente 20 vezes por dia, 30 vezes por dia, ou até 50 em um plantão. O que me cativou, como médico, a buscar a sustentabilidade do sistema é a possibilidade de fazer o bem para uma população. Eu sempre gosto dessa afirmação: o Sistema Unimed tem 22 milhões de clientes; temos um “Chile” em mãos. O sistema suplementar tem uma “Espanha” em mãos. Quando você consegue defender uma política que atende essa população, está realizando, na minha opinião, um ato mais nobre do que o atendimento individual. É essencial se preocupar com uma política de Estado, e que essa política de Estado tenha assertividade.

“O médico que atende no dia a dia não tem aula de economia na faculdade; nós simplesmente não temos. Então, ele vai a um congresso, vê que determinada droga pode trazer um grande benefício ao paciente que conhece, e ele prescreve. Mas será que ele sabe que essa droga custa 8 milhões por dose?”

Será que entende todas as consequências para a cadeia, considerando que, se uma Unimed ou uma operadora que atende 20 mil vidas paga por essa droga, deixará de atender muitos outros pacientes e poderá até quebrar? Isso, acredito, é algo que o médico não percebe. Ele precisa ser educado para desenvolver um pensamento voltado à viabilidade econômica daquilo que prescreve.

André Medici – Acho perfeita essa colocação. Defendo uma proposta aberta e sugiro como isso pode ser feito desde os cursos de graduação, incluindo uma disciplina desse tipo para formar médicos com uma mentalidade mais ampla. A partir disso, com alguns conhecimentos de ATS e outros fundamentos desde o início, o médico passaria a refletir melhor sobre as decisões clínicas, considerando o impacto econômico e social, ambos de grande magnitude. É essencial entender exatamente como essa questão será abordada, e eu concordo plenamente – essa é, justamente, a minha perspectiva também.

Para finalizar, gostaria de saber suas perspectivas. Vocês, que estão há tanto tempo no setor de saúde, acham que este é um momento propício para mudanças? A organização atual do sistema parece não funcionar e pode precisar de uma reorganização. É um bom momento para isso?

André Medici – Olha, eu diria que sim, porque estamos vivendo um momento que culminou em vários aspectos. Primeiro, a questão da crise da pandemia, que trouxe uma grande mudança de comportamento e uma nova interpretação para o setor de saúde, além de ter gerado uma crise na própria saúde suplementar. Durante meses ou até um ano, a saúde suplementar ficou no vermelho. Essa situação nos obriga a repensar o modelo e a rever alguns aspectos, inclusive da Lei nº 9.656, que foi muito boa para sua época. Eu me lembro bem de como ela representou um avanço, mas, hoje, precisa se adaptar a novas realidades, incluindo a questão da geração contínua de novas tecnologias. Estamos rompendo paradigmas tecnológicos neste momento.

“É necessário ponderar se vale mais a pena incorporar tecnologia de ponta a qualquer custo e expandir a equidade, ou tentar recuperar a perspectiva de equidade do sistema, garantindo o acesso às necessidades básicas e, posteriormente, incorporando inovações conforme a sustentabilidade permita”.

São essas decisões estratégicas que teremos de tomar agora, e este é o momento certo para discutir isso.

Gines Henrique Martines – Concordo praticamente integralmente com o André. A conscientização de alguns setores do sistema de saúde está acontecendo, e essa diretoria da ANS, na pessoa do Paulo, tem sido extremamente acolhedora ao ouvir todos. Acho que isso é fundamental: ser ouvido. Outros atores desse cenário estão percebendo o problema dos recursos finitos. O processo de conscientização está em andamento, e a revisão da Lei nº 9.656 é importante, assim como a adoção de uma política de Estado mais clara para um país como o nosso.

“Acredito que o momento de concessão existe, mas há a preocupação sobre quais operadoras sobreviverão, pois esse processo não é imediato ou rápido. Ele é relativamente lento, enquanto o custo da medicina cresce de forma absolutamente exponencial”.

Citei duas vezes o nome comercial, mas vou citar uma terceira: as terapias celulares. O que temos hoje é apenas a porta de entrada. Existem muitas outras doenças esperando que a tecnologia obtenha alguma aprovação efetiva, mas como lidar com tratamentos que podem custar R$ 2,5 milhões por dose?

Há espaço para todos se sentarem à mesa e discutirem, incluindo governo, indústria e convênios? Existe esse espaço para diálogo?

André Medici – Eu acho que, nesse momento, se poderia abrir esse espaço. Tivemos uma boa conversa com o Paulo sobre isso, que está querendo começar, até o final do ano, uma grande mesa de discussões com vários atores e agentes para iniciar esse debate. Isso é uma iniciativa muito boa da parte dele. Se conseguirmos ter essa perspectiva e que isso permeie a nova gestão que entrará na ANS, acredito que teremos uma grande oportunidade para começar a discutir esse processo.

Gines Henrique Martines – A gente também vê dessa forma. Acredito que existe um caminho de negociação, principalmente com a agência reguladora. Com o Judiciário, o relacionamento é um pouco mais distante, mas ainda assim há possibilidades. Eu só não sei quanto tempo isso levará.

Natalia Cuminale

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, com as reportagens, na newsletter, com uma curadoria semanal, e nas nossas redes sociais, com conteúdos no YouTube.

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  • Rafael Machado

    Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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