Doenças raras: maior participação social, política específica e pautas em comum podem garantir avanço no acesso

Doenças raras: maior participação social, política específica e pautas em comum podem garantir avanço no acesso

À parte dos desafios impostos pela doença em si, o

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By Published On: 30/11/2022

Da esq. para a dir.: Tiago Farina, Natalia Cuminale, Eduardo Calderari (fileira superior), Denizar Vianna, Vania Canuto (fileira inferior)

À parte dos desafios impostos pela doença em si, o universo das pessoas com doenças raras tem sido permeado por debates complexos e desafiadores. Enquanto o avanço científico tem possibilitado terapias mais inovadoras e que impactam na qualidade de vida de quem tem essas patologias, há uma discussão sobre os custos e o impacto que esses novos tratamentos têm no sistema de saúde. E, embora o tema tenha muitas nuances, alguns caminhos são possíveis para ampliar as possiblidades de acesso para os raros. Dentre eles, questões como uma política específica, modelos alternativos de financiamento, uma participação mais ativa dos pacientes na tomada de decisões, melhor forma de coletar dados e a união entre as entidades para fortalecer pautas em comum.

Essas foram algumas das principais conclusões do 1º Fórum Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde para Doenças Raras, que ocorreu em 24 e 25 de novembro e reuniu representantes do Ministério da Saúde e da indústria farmacêutica, além de especialistas e pacientes. O evento foi promovido pelo Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística e foi o primeiro fórum dessa natureza feito por uma associação de pacientes de doenças raras – construído, pensado e organizado por usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em meio a esse cenário, as associações de assistência a pessoas com doenças raras ressaltaram a necessidade de serem mais envolvidas nas decisões a respeito de suas condições. “Estamos aqui porque diferentes grupos de pacientes têm buscado articular debates mais transparentes e democráticos sobre demandas por melhores tratamentos para pessoas com condições complexas de saúde. Muito tem se falado sobre nós e pouco conosco”, ressaltou Marise Basso Amaral, diretora geral do Unidos pela Vida.

Os desafios da incorporação de novos medicamentos

A pauta mais recente foi a publicação das recomendações finais da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) sobre o uso de limiares de custo-efetividade para a inclusão de medicamentos, exames e terapias no Sistema Único de Saúde (SUS). O documento indica um limiar alternativo de 3 PIB per capita para doenças raras, limite que trouxe preocupação aos pacientes, principalmente considerando os altos custos.

Vania Canuto, diretora do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde do Ministério da Saúde, explicou que a Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS) é um processo que utiliza métodos para determinar o valor de uma tecnologia nas diferentes etapas de seu ciclo de vida. Ela ressaltou que a tomada de decisão é sempre baseada em múltiplos critérios, de forma que não existe uma fórmula única para definir as incorporações, que vão depender de cada situação.

“É preciso entender também que o limiar é apenas um dos parâmetros utilizados para a definição da incorporação, não é o único, e ele inclui estudos científicos, participação social, por meio de consultas e audiências públicas, além de reuniões e discussões aprofundadas”, disse. Vania explicou que não há uma receita específica, mas que cada caso é único. “Não tem como dizer, está acima [do limiar] não vai ser incorporado, está abaixo, vai ser. Vai depender de cada situação”, afirmou.

A diretora ressaltou também a importância de fazer a distinção entre doenças raras e ultrarraras, cujas políticas de inclusão de tecnologias ainda não estão definidas: “Vários países separam as doenças raras das ultrarraras, porque precisam de metodologias específicas para análise e por aqui faremos dessa forma também”.

De acordo com o Ministério da Saúde, são consideradas raras as doenças que afetam até 65 pessoas em cada 100.000 indivíduos. E as ultrarraras são doenças crônicas, debilitantes ou que ameacem a vida, com incidência menor ou igual a um caso para cada 50.000 habitantes.

Segundo Vania, a ideia é que seja criado um evento para pacientes no próximo ano, inclusive para abrir para o debate as formas de ampliar a participação.

Uma política de estado

No evento, foi discutida também a necessidade de um olhar mais estratégico para o tema, já que novas terapias devem surgir com impactos sociais, na saúde e no orçamento. Para Denizar Vianna, ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o começo de um novo governo é uma oportunidade de cobrar novas diretrizes e iniciativas que contemplem mais acesso.

Vianna contou que estão sendo elaboradas propostas de políticas públicas voltadas para o tema para serem apresentadas ao grupo de transição. O mais urgente, segundo ele, é a criação de uma governança coordenada dentro do Ministério e uma melhor linha de cuidado, incluindo mais centros de referência e a qualificação da atenção primária para receber esses pacientes e identificá-los, além de soluções de financiamento para a compra de novas tecnologias.

“Alguns países criaram fundos específicos para dar acesso a pacientes com doenças raras. Esse é um caminho, mas é preciso discutir de onde vão vir esses recursos. Temos pensado em maneiras de fazer melhor uso das emendas parlamentares e caminhos como tributar alimentos ultraprocessados e álcool, por exemplo, para criar esse fundo”, comentou.

Um debate sobre preço

Ainda sobre tributação, tanto Vania Canuto quanto Eduardo Calderari, presidente-executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), concordam que a revisão de impostos é um tema fundamental nessa discussão. Para ambos, como se trata de um bem essencial, os medicamentos deveriam ter impostos reduzidos e até mesmo isentos.

“O preço final de produtos no Brasil tem de 27% a 32% de impostos. Isso impacta diretamente o bolso dos pacientes, o orçamento público e as operadoras de saúde suplementar. Na Venezuela, esse número chega a 0%, no Chile 18% e na Argentina 21%”, afirmou Calderari.

Outro ponto que merece atenção, segundo Calderari, é o modelo de precificação brasileiro: “A inovação traz um custo inerente. Quando um produto é reconhecido como inovador, ele vai ser comparado com uma cesta de países e o menor preço entre eles é o aprovado. Os medicamentos já chegam ao Brasil com um dos menores preços de mercado, a Conitec imputa um desconto em cima desse valor que beira 50% e, posteriormente, há pressão para uma redução ainda maior. Ainda assim, eles chegam com um preço de impacto muito grande”.

Outras soluções, como mudanças nos acordos de confidencialidade na negociação de compra das tecnologias, também foram propostas: “Em alguns casos, a confidencialidade poderia auxiliar na redução de custos, como acontece em alguns países”, reforçou Vania.

Custos diretos e indiretos

O economista em saúde André Medici lembrou que os custos associados a doenças raras vão muito além do preço dos medicamentos. Eles envolvem custos diretos, associados ao tratamento dos pacientes, indiretos, referentes à adaptação da vida do paciente, e custos sociais, que incluem perda de renda devido à enfermidade e exclusão do mercado de trabalho — para se ter ideia, nos Estados Unidos esse valor chega a US$ 1 trilhão por ano.

A consultora técnica do Ministério da Saúde, Santusa Pereira, apontou a jornada do paciente com doenças raras, muitas vezes ineficiente, como sendo também custosa ao sistema: “Quando falamos de sustentabilidade no SUS, temos que entender que quem decide é o sistema. O paciente é direcionado para onde tem vaga e não há um encaminhamento de qualidade. Temos que rever no caso das raras se esse é o melhor modelo”.

Além desses pontos, o médico geneticista Salmo Raskin apontou as dificuldades dos ensaios clínicos com pacientes de doenças raras, como a dispersão geográfica dessas pessoas, a incapacidade de participação por conta da gravidade da condição e a alta morbidade, como os principais desafios:

“A demonstração da efetividade clínica pode levar anos, até décadas para se concretizar. E esse não é um problema só nosso, mas de todos os países que contam com pacientes com doenças raras. Os EUA, por exemplo, estão aceitando propostas de pesquisadores sobre doenças raras para chegar a mais rápidos desfechos. É uma luta de todos os agentes. Mas precisamos nos perguntar: a sociedade está disposta a fazer investimentos para quem tem uma doença rara? O Brasil não consegue nem tratar as doenças frequentes, então como isso será feito?”

Mais espaço para pacientes e associações de doenças raras

Neste contexto, as associações de pacientes possuem papel de representar e incentivar a população a participar das discussões, por exemplo, por meio de consultas públicas, de forma qualitativa. De acordo com Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, fundadora e diretora executiva do Unidos pela Vida, hoje, os pacientes e as associações têm hoje mais espaço no debate sobre doenças raras, mas é possível, e necessário, ir mais longe:

“Temos que ser ouvidos porque a saúde é nosso direito humano e fundamental. As pessoas têm o direito e dever de participar colaborativamente. Sem contar que as pesquisas clínicas, por si só, nem sempre fornecem as informações completas e relevantes. Como é viver com essa doença? Como é ser tratado com essa condição dentro do SUS? Quais são as nossas necessidades não atendidas? Tudo isso é relevante na hora de decidir sobre novas incorporações. Esperamos que metodologias adequadas de avaliação dessas evidências sejam constantemente repensadas, para que, de fato, sejam consideradas no processo de tomada de decisão”.

Para Adriane Loper, fundadora da ABRAME, primeira associação de atrofia muscular espinhal do país e atualmente presidente do Instituto Fernando Loper de Vasconcellos, “as instituições estão há anos trabalhando duro para ampliar os direitos do paciente com doença rara. Já sabemos fazer campanhas efetivas, sabemos o que faz a Conitec e como funcionam os processos. Não precisamos de capacitação, já temos competência técnicas, precisamos de troca”.

Cristina Guimarães, consultora em políticas de saúde e advocacy, lembrou que os movimentos sociais em doenças raras já tiveram conquistas como a criação de políticas públicas nacionais, a ampliação do diagnóstico, como os rastreamentos pelo teste do pezinho, a inclusão de audiências públicas na Conitec, a aprovação de novos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), além do avanço da implementação da Política Nacional em alguns estados.

O evento pode ser assistido na íntegra até 25/12 em https://eventos.congresse.me/forumats2022.

Ainda em 2022, o Unidos pela Vida disponibilizará uma pesquisa para mapear e qualificar a participação social dentro do SUS como um todo. “Ainda temos muito o que discutir e avançar e vamos seguir até onde houver fôlego, buscando união, transparência e reforçando que não queremos mais apenas ser ouvidos, queremos dialogar para que tudo seja uma construção coletiva que vai nos levar mais longe”, concluiu Verônica.

Ana Carolina Pereira

Jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao longo de sua carreira, passou por veículos como TV Globo, Editora Globo, Exame, Veja, Veja Saúde e Superinteressante. Email: ana@futurodasaude.com.br.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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