Doenças crônicas não transmissíveis: cenário preocupa e soluções passam por cuidado individualizado e multidisciplinar, políticas públicas e sem preconceitos

Doenças crônicas não transmissíveis: cenário preocupa e soluções passam por cuidado individualizado e multidisciplinar, políticas públicas e sem preconceitos

Incidência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) aumenta globalmente e pressiona sistemas de saúde mundo afora

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By Published On: 21/06/2023
Doenças crônicas não transmissíveis

Os avanços da ciência, medicina e tecnologia têm transformado a sociedade e os seres humanos, que passam a enxergar em seu horizonte uma longevidade que já ultrapassa os 70 anos na média global. Contudo, viver mais não significa necessariamente viver bem. Ao adotar hábitos de vida ruins – como má alimentação e sedentarismo –, a qualidade de vida de boa parcela da população global cai e isso tem se traduzido em aumento da incidência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), considerado um dos principais desafios da saúde na atualidade, com fortes consequências aos já pressionados sistemas de saúde.

Só no Brasil as DCNTs – compostas por condições como obesidade, diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e até a doença de Alzheimerforam responsáveis por quase 55% dos casos de morte em 2019. E as projeções não são animadoras: em março deste ano, a Federação Mundial de Obesidade (WOF), por exemplo, divulgou o Atlas Mundial da Obesidade 2023 com uma projeção de que, até 2035, 1 em cada 4 pessoas conviverá com a obesidade no mundo – o que representará mais de 2 bilhões de indivíduos – e mais da metade da população mundial, cerca de 4 bilhões, viverá com sobrepeso.

“Se nada for feito, o cenário será caótico, triste e oneroso. Poderemos esperar um aumento muito importante de doenças crônicas”, afirma Luiz Gustavo Souza, diretor de acesso de mercado, inteligência comercial e negócios da Novo Nordisk.

As soluções, por outro lado, estão sendo discutidas. Uma tendência que tem sido muito vista na medicina de forma geral aparece como sendo uma das grandes respostas para a diminuição das doenças crônicas não transmissíveis e da obesidade, de forma específica, é a individualização dos pacientes, como aponta Guilherme Nafalski, coordenador do Painel Brasileiro da Obesidade (PBO):

“Nós temos diversas linhas de cuidado para lidar com esses pacientes: o acompanhamento, os medicamentos, políticas públicas – que precisam aumentar – e a cirurgia bariátrica. Se conseguirmos realmente acolher as pessoas com obesidade e entender as necessidades específicas de cada uma, alguma dessas ferramentas, ou uma combinação delas, será capaz de tratar a condição”.

Para ele, se trata de um problema complexo que requer soluções complexas. “Não adianta oferecer só alimentação saudável ou só atividade física ou apenas a cirurgia bariátrica – que sem o devido acompanhamento pode acarretar um reganho de peso no futuro. A OMS propõe um cuidado contínuo, abrangente e multidisciplinar. Precisamos considerar os fatores ambientais, sociais e de saúde. Se conseguirmos construir um protocolo realmente efetivo e integrado, ofereceremos qualidade de vida e opções para todos os pacientes. Na minha visão, essa não é uma opção. É o que tem que ser feito”, conclui.

Mas o processo, na opinião de Souza, precisa ser acelerado com urgência: “Pouco tempo atrás não existia uma discussão de obesidade mais forte, então é possível ver um avanço, mas ele não está correndo na velocidade com que precisamos. Se queremos mudar a realidade, temos que endereçar essa questão em diferentes campos e dialogar mais. Mas certamente é possível”.

Não é falta de força vontade

A obesidade foi declarada como uma epidemia global pela Organização Mundial de Saúde por conta de seu crescimento vertiginoso no mundo e por representar um alto risco de levar a outras condições graves e crônicas relacionadas a ela, além de AVC e certas formas de câncer, sem contar a qualidade de vida, de forma geral. No Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), cerca de 60% dos adultos apresentam excesso de peso, o que representa 96 milhões de pessoas. Outros 26% da população têm obesidade, somando quase 42 milhões de indivíduos. Com crescimento alarmante – a obesidade teve um aumento de mais de 70% nos últimos anos no país –, a condição traz impactos para os pacientes e para os sistemas de saúde como um todo.

A diretora médica da Novo Nordisk, Priscilla Mattar, lembra que, hoje, a medicina já sabe que existem mecanismos fisiológicos que levam o corpo a ganhar peso e ressalta que é preciso um maior letramento sobre a condição tanto para profissionais da saúde quanto para os pacientes.

Ela explica que o organismo está preparado para armazenar energia, uma característica que está no código genético. Portanto, por mais que um paciente comece a perder peso em um tratamento, o corpo desencadeia mecanismos internos que levam ao reganho. Assim, é fundamental que os médicos tenham esse conhecimento, podendo propor um cuidado prolongado e levar a informação ao paciente.

“Quem tem diabetes não pergunta quando vai precisar parar o tratamento, porque entende que é para a vida toda. Mas quem tem obesidade, quer saber quanto tempo irá durar o tratamento.  Precisamos educar a sociedade para entender que a obesidade é uma doença crônica, de causa multifatorial, progressiva e recidivante.

De acordo com a médica, uma pesquisa da Novo Nordisk sobre a percepção de médicos e pacientes sobre a doença mostrou que mais de 80% dos pacientes entendem que a responsabilidade de combate à obesidade e o emagrecimento é apenas deles: “O corpo sempre vai querer voltar para o maior peso que teve e isso acontece por meio de alterações no próprio organismo que levarão ao aumento da fome e redução do gasto metabólico basal, por exemplo. Por isso é cruel deixar na mão do paciente essa responsabilidade. Ele pode conseguir resultados sozinhos a curto prazo, mas sem ajuda nenhuma, a chance de falhar é muito grande”.

No fim, a obesidade, para Mattar, precisa ser tratada como a doença que é. “A obesidade tem CID, é uma doença claramente definida, de causa multifatorial com bases genética e ambiental. Há medicamentos seguros e eficazes para tratar a doença. Se antes só era possível a utilização de medicamentos por um período curto por questões de segurança, hoje a ciência evoluiu e podemos pensar em opções de longo prazo. Sem contar que é preciso entender se existem outros fatores associados, como ansiedade e depressão, questões que também podem ser tratadas. Por anos, a pessoa com obesidade foi chamada de preguiçosa e sem força de vontade, mas ela precisa ser vista e cuidada da forma correta agora”.

O peso das doenças crônicas não transmissíveis na economia

Todo esse cenário se reflete em impactos diretos na economia e, por isso, é um problema de saúde pública, como aponta Mark Barone, coordenador geral do FórumDCNTs: “Como as condições crônicas duram a vida toda ou durante um bom período da vida, é claro que há um custo”.

Alguns dados já mostram que o impacto econômico do sobrepeso e da obesidade ultrapassará US$ 4 trilhões até 2035 no mundo. No Brasil, só em 2018, os custos atribuíveis à obesidade, hipertensão e diabetes no SUS foram de R$ 1,4 bilhão. Há estudos, entretanto, que apontam um panorama ainda mais crítico: um levantamento de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo mostrou que, em 2019, o gasto anual direto com doenças crônicas não transmissíveis no Brasil foi de R$ 6,8 bilhões. Outro estudo, do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), apontou que o custo da obesidade grave e mórbida no sistema de saúde suplementar do Brasil representa, por beneficiário, R$ 2.750 por mês, o que somado ao ano resulta em R$ 33 mil.

“Recentemente, vi estudos da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) que apontavam que se tivéssemos conseguido reduzir em 1% o Índice de Massa Corpórea (IMC) da população entre os anos de 2010 e 2015, a economia teria sido de cerca de US$ 27 bilhões. E se essa redução fosse de 5% do IMC, chegaria a uma economia de US$ 56 bilhões. É um valor muito significativo”, relata Souza, da Novo Nordisk. Os custos consideram as consequências da obesidade à saúde e os desfechos por conta de suas complicações.

Para Nafalski, do PBO, os impactos, porém, vão muito além: “O custo da inação contra a obesidade é altíssimo, muito mais caro do que o custo do cuidado efetivo. Sem tratamento, as pessoas vão parar de trabalhar, vão precisar de mais remédios e de mais assistência de modo geral. O investimento nesse cuidado, que muitas vezes é mal visto, é o investimento em pessoas vivendo com mais qualidade de vida, evitando complicações e mortes”.

Diminuição de riscos

Uma das formas de amenizar os impactos tanto à saúde da população quanto à oneração do sistema de saúde são as medidas preventivas. De acordo com Souza, da Novo Nordisk, uma série de fatores, como hábitos saudáveis de vida, bem como a exposição e acesso a eles, já seriam boas saídas. Mas o caminho para esse cenário não é tão simples e envolve diversos atores.

“Os hábitos e qualidade de vida vêm piorando ao longo dos anos, contribuindo para aumento dessas taxas. Estamos falando de consumo de ultraprocessados, comidas industrializadas, refrigerantes e sucos artificiais, além da falta de prática de atividades físicas, que não chegam ao mínimo preconizado pela OMS. Discute-se também o tempo de tela, que vem influenciando também nas taxas de sobrepeso e obesidade de crianças e adolescentes, que é um tema muito preocupante”, reforça.

Dados da OMS mostram que 39 milhões de crianças menores de 5 anos de idade estavam com sobrepeso ou obesidade em 2020 e que mais de 340 milhões de crianças e adolescentes com idades entre 5 e 19 anos estavam com sobrepeso ou obesidade em 2016. Outros dados apontam que quando uma criança conta com um dos pais com obesidade, ela tem 50% de chance de ter obesidade também e quando ambos os pais sofrem com a condição, a probabilidade sobe para 80%.

“Isso torna a discussão ainda mais urgente. É preciso discutir políticas de saúde pública que incluam desde a prevenção até o tratamento. Nós temos a cirurgia bariátrica, por exemplo, que é um bom recurso, mas que teria que ser utilizada apenas em último caso. Nós perdemos um espaço de tratar esse paciente até chegar a essa última instância”, afirma Nafalski.

Segundo ele, o cuidado deveria começar na base, que é a atenção primária, por meio do médico de família. “Esse profissional, se bem orientado, já pode diagnosticar comportamentos que podem levar a desfechos desfavoráveis e agir a partir dali. E mesmo que haja um sobrepeso, é preciso acompanhar os pacientes para que a condição não se desenvolva e chegue a uma obesidade mórbida. É preciso lembrar que a tendência é que as pessoas vivam mais, mas é importante que vivam também com qualidade, em sua produtividade máxima. Se aumentar as idades, mas também as doenças crônicas, a conta não vai fechar”.

É preciso empatia para cuidar dos pacientes com obesidade

Além da prevenção, porém, um ponto-chave na diminuição da obesidade é como cuidar das pessoas que já sofrem com a obesidade e que, muitas vezes, não procuram um serviço de saúde “não por não saber o que vão encontrar, mas pela certeza de que se depararão com muito estigma e preconceito”, segundo Nafalski. Por isso, mais do que o acompanhamento, o acolhimento é o caminho para cuidar dos pacientes com obesidade. O coordenador do PBO reforça que a condição, por uma forte questão cultural, ainda é pensada de forma estética e como uma espécie de porta de entrada para outras doenças apenas.

“A obesidade em si já traz problemas. Tem a questão do tecido adiposo enquanto órgão, que sofre com inflamações como resultado do aumento de peso e a desregulação do hipotálamo, por exemplo. A prevenção, é claro, é importante. Mas pensar em como agir para oferecer o melhor cuidado àquelas pessoas que já sofrem com a obesidade é uma questão primordial e isso passa pela abordagem dos médicos principalmente”.

Mas a ajuda, muitas vezes, demora para chegar, visto que os médicos nem sempre entram no assunto, como aponta Priscilla Mattar: “Em média, leva-se seis anos para a conversa sobre obesidade ser iniciada nos consultórios. Os profissionais ou não sabem ou não se sentem à vontade para falar sobre o tema. Se um paciente chega a uma consulta para tratar de qualquer outro problema, é preciso mencionar a obesidade e oferecer tratamento, da mesma forma que se faz quando há hipertensão”. A pesquisa da Novo Nordisk, inclusive, aponta que 68% dos pacientes gostariam que seus médicos iniciassem a conversa sobre obesidade e apenas 3% disseram se sentir ofendidos quando algum profissional de saúde aborda a questão do sobrepeso ou da obesidade.

Parte disso se explica pelo fato de que os profissionais de saúde não contam ainda com uma formação que englobe como lidar com a obesidade, que aparece pouco nas grades curriculares e em poucas disciplinas, o que contribui para o estigma, segundo Nafalski. Além disso, é preciso considerar que os próprios ambientes de saúde não são preparados estruturalmente para receber pessoas com obesidade:

“A pessoa que tem obesidade evita os hospitais e clínicas porque sabe que ao chegar nesses lugares não vai conseguir se sentar em uma cadeira apropriada, muitas vezes vai se deparar com equipamentos médicos que não são aptos a servir a ela, com balanças que não suportam o seu peso e outras situações hostis. São tantas as barreiras que as pessoas só procuram os serviços de saúde quando estão com outros quadros latentes e graves. E isso precisa ser pensado – e mudado – também”.

Com a falta de acolhimento, uma das consequências é a procura por fórmulas ‘milagrosas’ para o emagrecimento na internet, e essa busca pode ter desfechos ainda mais negativos. “Sem conhecimento ou com acesso a informações sem qualidade, as pessoas acabam tomando medidas que trazem mais sofrimento e nenhuma solução. Emagrecer não é um processo simples. O cuidado precisa, inclusive, ser multidisciplinar”, afirma o coordenador do PBO. “E esses pontos são também desiguais: uma pessoa que tem a oportunidade de buscar diferentes profissionais pode ter um desfecho mais favorável do que quem depende unicamente que esse acompanhamento seja indicado no SUS, pela atenção primária”.

Ana Carolina Pereira

Jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao longo de sua carreira, passou por veículos como TV Globo, Editora Globo, Exame, Veja, Veja Saúde e Superinteressante. Email: ana@futurodasaude.com.br.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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