Wearables: instituições aceleram testes no Brasil para comprovar eficácia e obter autorização

Wearables: instituições aceleram testes no Brasil para comprovar eficácia e obter autorização

Utilização de wearables para acompanhar o sono, monitoramento de frequência cardíaca e eletrocardiograma vem sendo testado no Brasil.

By Published On: 07/03/2024
Smarthwatches estão entre os principais dispositivos vestíveis com potencial de revolucionar a saúde.

O alerta do Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador dos Estados Unidos, e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sobre a ausência de aprovação para smartwatches realizarem a medição de glicemia, levantou uma discussão no setor da saúde sobre os dispositivos vestíveis, conhecidos como wearables.

Com grande potencial para revolucionar a forma como hospitais, médicos e outros profissionais da saúde fazem o acompanhamento da jornada do paciente, essas ferramentas ainda esbarram na regulação, enquanto avançam, aos poucos, na produção de evidências em parcerias com instituições de saúde para entender o potencial de se igualar ao que é considerado padrão-ouro.

Atualmente, no Brasil já existem relógios regulamentados com funções como aferir pressão arterial, eletrocardiograma e notificação de ritmo cardíaco irregular. Já aparelhos que indicam frequência cardíaca e respiratória não demandam regulamentação. Nos Estados Unidos, o AppleWatch já possui autorização do FDA para diferentes aplicativos que identificam e monitoram sintomas de Doença de Parkinson.

A Anvisa demanda que os dispositivos com funções regulamentadas tenham estudos robustos que comprovem sua segurança e eficácia ao que se propõe. No entanto, consultores ouvidos pelo Futuro da Saúde indicam que existe uma dificuldade dos desenvolvedores de tecnologia, que não estão habituados com as regras da saúde, em buscar a regulamentação. Isso inclui softwares médicos e terapias digitais.

Por outro lado, também apontam que há uma dificuldade de compreender as regras, processos e prazos da Anvisa. Estima-se que leve 1 ano e meio para que um dispositivo médico seja regulamentado, junto com a autorização da empresa para produzir e comercializar tais equipamentos ou softwares.

Paralelamente, algumas empresas já vêm atuando em parceria com hospitais no Brasil para produzir evidências científicas sobre a aplicabilidade de seus produtos. É o caso dos smartwatches, que vêm sendo estudados como suporte ao diagnóstico e para acompanhamento da saúde do paciente.

“Fizemos vários testes e vamos publicar dois artigos científicos que fizemos em conjunto com a Samsung para a validação de smartwatches relacionadas a aplicação de sono, aplicação de monitoramento de frequência cardíaca e exercícios, e também algumas funcionalidades de eletrocardiograma, onde a gente tem nitidamente a indicação de como esses parâmetros ao serem medidos pelos relógios estão sendo olhados com similaridade ou não inferioridade ao padrão ouro”, explica Guilherme Rabello, head de Inovação do InovaInCor, núcleo do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor). Os estudos devem ser publicados ainda em 2024.

Cenário e potencial dos dispositivos vestíveis

O cenário de inovação em dispositivos médicos é avaliado de forma positiva pelos especialistas. Em especial para a aplicação de wearables, eles indicam que está em fase de amadurecimento da percepção do papel desses aparelhos na área da saúde. Depois de um ciclo de avanço de tecnologia, as empresas olham para o setor como um mercado potencial.

“O hardware todo mundo tem uma clareza muito grande que é regulado pela Anvisa, que é um produto para saúde e que tem que ser fabricado numa linha específica, em geral feito por empresas que compreendem o fato de que estão no setor de saúde. Quando falamos de software fica mais híbrido, tem muita coisa que está sendo desenvolvida que às vezes falta uma percepção da empresa, até mesmo Apple, Google, Meta e Amazon”, afirma Renata Rothbarth, partner de Life Sciences, Digital Health & Healthcare da Machado Meyer Advogados.

Além dos smartwatches, existem outros produtos wearables utilizados e testados na saúde, como pulseiras e smart band-aid, dispositivos que se acoplam à pele, como por exemplo, mini-holters. Eles surgiram como uma possibilidade de ampliar o acompanhamento de pacientes, com praticidade e sem a necessidade de um profissional de saúde no local para registrar os dados apresentados.

“Cada setor da saúde tem uma dor, que está ligada muitas vezes à parte financeira e considerando aspectos realmente dos desfechos clínicos no paciente. Os devices são importantes para o SUS para acompanhar o paciente após ele sair do hospital e reduzir filas. Tem uma condição de apoiar o processo de cuidado. Para os planos de saúde, contribui com a melhora do desfecho clínico, porque se o paciente piora ele consome mais recursos”, explica Antonio Valerio Netto, professor do Departamento de Informática em Saúde da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Apesar de não haver a necessidade de um acompanhamento in loco, os dados fornecidos pelos dispositivos vestíveis precisam ser visualizados por médicos e armazenados. Essa é outra etapa do processo para a utilização dessas tecnologias em larga escala nos serviços de saúde. No caso dos estudos desenvolvidos pelo InCor em parceria com a Samsung, o hospital e a fabricante desenvolveram uma plataforma própria que acompanha os dados em tempo real.

“Poucos aparelhos vestíveis hoje são real time, até pela característica dos aparelhos. Eles não tem bateria para ficar monitorando 24 horas, fazem por amostragem. Alguns sensores funcionam continuamente, como frequência cardíaca, por exemplo. A nova geração dos Galaxy já começa a monitorar a amostragem de eletro. Há funcionalidades que inclusive foram liberadas pelo FDA, para você fazer algumas amostragens em que se detectado algum perfil de arritmia faz a medição e alarma”, explica Guilherme Rabello, do InovaInCor.

Ele explica que parte do desafio para a utilização dos wearables também é entender em quais situações é necessário conectividade, já que demanda investimentos, e em quais podemos abrir mão de ter o acompanhamento contínuo. Apesar de ainda ser utilizado no país apenas em ambientes controlados, como estudos e pesquisas, Rabello indica que em 2 anos deve se tornar uma realidade no setor.

Regulamentação

Mesmo que alguns dispositivos vestíveis sejam regulamentados para aferir pressão arterial, eletrocardiograma e notificação de ritmo cardíaco irregular, Renata Rothbarth alerta que toda nova função deve ser aprovada junto à Anvisa, com a devida evidência sobre segurança e qualidade. Isso também deve ocorrer em outras áreas de dispositivos médicos.

“Essa é uma das grandes dificuldades quando converso com os clientes a respeito desse tema em softwares médicos. Porque é comum de fato você colocar a plataforma na rua com um propósito, de monitorar um determinado padrão ou de cumprir uma determinada característica, mas é comum que de fato evolua para outras coisas. Eles descobrem outras possibilidades. E daí, tem que regularizar novamente”, explica ela.

Com o boom de startups interessadas na saúde, muitos profissionais de fora do setor começaram a atuar neste mercado. As adaptações necessárias do ponto de vista da regulamentação são complexas devido à sensibilidade da saúde, já que pode ter um potencial impacto na vida e bem-estar da população. Por isso, Rothbarth defende que haja uma fiscalização ativa por parte da Anvisa.

No entanto, a partner de Life Sciences, Digital Health & Healthcare da Machado Meyer Advogados avalia que a legislação vigente é confusa e o processo de regulamentação demorado, o que interfere no potencial de mercado e para a saúde desses dispositivos médicos.

“Imagina você falar para uma startup que ela precisa esperar um ano e seis meses para conseguir uma licença, depois mais 60 dias para conseguir autorização sanitária e depois registrar um produto que pode demorar de 30 dias a 250 dias, dependendo da classificação, para colocar esse negócio no mercado. A questão dos prazos e conhecimento da vigilância sanitária local definitivamente são um eixo grande que precisa ser corrigido”, explica Renata.

A Anvisa classifica o risco dos dispositivos médicos, com o intuito de separar aqueles que merecem maior ou menor atenção, devido a sua complexidade. As classes variam de I a IV e as regras variam conforme o tipo. No entanto, Rothbarth considera os critérios confusos, e muitas vezes as categorias acabam se misturando. Ela também alerta sobre o desconhecimento das vigilâncias sanitárias locais sobre a realidade de desenvolvedoras de software médico, que possuem estruturas e necessidades diferentes de fábricas.

Uma terapia digital ou algum aplicativo que vai mudar o comportamento do sono, por exemplo, ou o comportamento de alguém que tem diabetes, começa a mexer com a mente do ser humano e vai precisar de regulamentação. Lembrando que nos Estados Unidos, terapias digitais são prescritas por médicos”, defende Antonio Valerio Netto, professor do Departamento de Informática em Saúde da Escola Paulista de Medicina.

Wearables e a realidade dos usuários

Apesar de ainda não ser utilizado em larga escala por hospitais e serviços de saúde, os dispositivos vestíveis, como relógios inteligentes, já estão em larga escala no pulso da população. Somente no 1º trimestre de 2023, foram vendidos  1,2 milhões de unidades de dispositivos vestíveis no Brasil, que incluem também os fones de ouvido sem fio e fitbands, de acordo com a International Data Corporation (IDC).

Para Guilherme Rabello, a utilização deles pode trazer impactos positivos e negativos para o indivíduo, a depender da forma de uso e percepção. Por serem produtos que não necessariamente são médicos, com diversas outras funções, é preciso que a população tenha uma educação sobre eles.

“Depende do indivíduo, e do que ele quer monitorar. Para uma grande parcela, esses aparelhos trazem um autoconhecimento e maior poder de engajamento. Esse é o principal fator para o usuário aderir a um dispositivo inteligente e começar a se inteirar melhor do seu quadro de saúde, quer ele vai fazer um exercício controlar um parâmetro descompensado ou quer utilizar como forma de melhorar o relacionamento com o médico”, afirma o head de inovação.

No entanto, ele aponta que é preciso ter atenção com usuários que acreditem que os dados fornecidos pelo smartwatch substituem o acompanhamento e orientação médica, tomando decisões que podem piorar seu quadro de saúde ao invés de contribuir. Inclusive, há risco de automedicação.

Por outro lado, Rabello faz um alerta sobre a utilização de dispositivos vestíveis e o impacto aos serviços de saúde, criando uma alta demanda de usuários que acreditem ter alguma alteração severa a partir das informações apresentadas. Segundo ele, é preciso ficar atento para não sobrecarregar os profissionais da saúde.

“Para alguns pacientes, se o médico ou profissional de saúde não faz adequada avaliação, inclusive cognitiva, o dispositivo pode ser um indutor de um desvio de conduta. Por isso que o aparelho para a situação de saúde tem que ser visto igual medicamento. Temos que saber prescrever tecnologia e a dose da prescrição, o paciente tem que ser ajudado a não medir toda hora e ficar olhando o aparelho”, defende.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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