Diabetes: mercado vai além das medicações e passa a atuar na qualidade de vida do paciente

Diabetes: mercado vai além das medicações e passa a atuar na qualidade de vida do paciente

Se o número de pessoas com diabetes no Brasil representasse

By Published On: 16/11/2022
Especial Diabetes

Se o número de pessoas com diabetes no Brasil representasse um país, ele seria maior do que nações como o Paraguai e a Bolívia. Esse dado exemplifica as dimensões continentais de uma doença crônica e progressiva que atinge cerca de 17 milhões de brasileiros, de acordo com dados do Atlas do Diabetes da Federação Internacional de Diabetes (IDF). Isso coloca o país como o 5º com maior incidência, atrás apenas da China, Índia, Estados Unidos e Paquistão. E as projeções não são positivas: as expectativas são de que, em 2030, esse número chegue a 21,5 milhões. No mundo, são cerca de 537 milhões de pessoas com diabetes.

Um dos pontos mais preocupantes, hoje, é que 90% dos casos são de diabetes tipo 2 – doença diretamente ligada ao sedentarismo, histórico familiar, excesso de peso, má alimentação e pressão alta. Essa forte relação da doença com maus hábitos – que inclui fumar e consumo excessivo de álcool – passou a representar também uma oportunidade: olhar além dos remédios – e das consequências de um mau controle dos indicadores e suas comorbidades – para atuar na qualidade de vida e prevenção.

A grande questão é que, mesmo com os avanços feitos até agora, principalmente no que diz respeito ao tratamento, há ainda uma longa jornada pela frente, como exemplifica Priscilla Mattar, gerente médica da Novo Nordisk.

“Apesar de termos inúmeras soluções terapêuticas, quando olhamos para os estudos, a maioria dos pacientes ainda está fora da meta. A gente tem padrões bem estabelecidos de controle do diabetes, sabemos o que eleva e o que evita complicações. E, ainda assim, mais da metade das pessoas com diabetes continua fora da meta – mesmo com todas as estratégias disponíveis. Existe esse espaço e precisamos melhorar a abordagem”. Dentre as melhorias, ela cita a possibilidade de tratar as complicações do paciente que tem diabetes – como obesidade e doenças cardiovasculares —, além de criar estratégias para aumentar a aderência ao tratamento da diabetes e fazer com que os pacientes não o abandonem pela metade.

Healthtechs no mercado do diabetes

As healthtechs também estão alinhadas neste sentido. “O potencial é enorme. Quando a gente pensa no macro de doenças crônicas, 52% dos brasileiros com 18 anos ou mais receberam o diagnóstico de pelo menos uma dessas comorbidades só em 2019. Isso reflete o quanto o mercado precisa de iniciativas que auxiliem essas pessoas no controle e na prevenção de novas doenças”, completa Marcelo Toledo, cofundador e CEO da Klivo.

Esse olhar para o paciente como um todo é mais que necessário. Dados do estudo Quem Vê Diabetes Vê Coração mostram que quem tem diabetes tem duas vezes mais chance de ter um ataque cardíaco ou derrame do que pessoas sem diabetes. Isso acontece porque a doença pode danificar vasos sanguíneos e nervos, entre outros motivos. E esse número acende outro alerta: duas em cada três mortes de pessoas com diabetes são de causa cardiovascular.

Este é apenas um exemplo de consequência que demonstra a necessidade de o acompanhamento do paciente com diabetes, além de ser feito com um endocrinologista, envolver uma equipe multidisciplinar – incluindo nutricionista, cardiologista e outras especialidades.

Sabendo disso, o mercado das healthtechs abriu os olhos para esse nicho já há alguns anos. Em geral, as startups que trabalham com soluções para o diabetes buscam olhar o indivíduo como um todo e proporcionar a ele uma melhor qualidade de vida. É o caso da Klivo, que atua na coordenação do cuidado de pacientes crônicos.

“Dos casos mais simples aos mais complexos, oferecemos uma jornada de cuidado personalizada, a partir de uma abordagem que une tecnologia de ponta com o cuidado humanizado. Ninguém gosta de falar com BOTs, por isso valorizamos o contato humano e, através da tecnologia, conseguimos escalar uma experiência que une acolhimento, disponibilidade e assertividade no tratamento proposto pelo médico”, explica Toledo. 

Segundo ele, o nascimento da Klivo aconteceu justamente ao se observar uma lacuna no setor de saúde: “O sistema [de saúde] foi desenhado para eventos agudos e não para acompanhamentos contínuos, como um paciente crônico realmente precisa. Na maioria das vezes essas pessoas recebem o diagnóstico em minutos e não tem a mínima ideia do que fazer após isso, vivendo em ciclos infinitos de internações e complicações de saúde”.

Ele explica que, para a sustentabilidade do setor, não é interessante que o paciente não monitore sua saúde e tenha que receber atendimento médico de emergência mensalmente: “Isso sobrecarrega o sistema e não ajuda o paciente. Essas pessoas, além de não entenderem de fato a sua condição de saúde, não sabem quais hábitos são necessários mudar para manter a doença controlada, isso é, evitando internações de emergência”.

A solução da empresa para pessoas com diabetes conta hoje com uma equipe de saúde composta por médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e educadores físicos. Aliados ao uso da tecnologia, devices e dados, elas são acompanhadas 24 horas por dia e 7 dias por semana. Pelo aplicativo, é possível ainda que as medições do glicosímetro sejam integradas – o que faz com que elas sejam feitas mais vezes do que de forma manual.

Entre a equipe e o paciente

A CEO da Glic, Claudia Labate, acredita no mesmo caminho: “As soluções precisam trabalhar em conjunto para termos eficácia e, a partir dessa observação, novos produtos estão chegando. Percebemos que as pessoas que têm doenças crônicas, como hipertensão e obesidade, são carentes desta jornada do cuidado, e a Glic resolveu olhar para isso. Nosso caminho é longo, mas percebemos o quanto importante é o caminhar”.

A Glic é uma plataforma web e mobile para o controle da glicemia desenvolvido para auxiliar na rotina de cuidados com o diabetes. “Além de participar do dia a dia de quem tem diabetes e seus cuidadores, ele se conecta com a equipe médica em tempo real, por meio de um prontuário eletrônico, permitindo decisões mais seguras para o tratamento do diabetes”, explica Labate.

A partir dos dados gerados pelos pacientes, médicos e nutricionistas, Labate complementa que é possível gerar uma série de indicadores para consolidar, organizar e entender o mercado de diabetes no Brasil, melhorando a vida e o controle de quem tem diabetes:

“O Glic funciona como uma bússola, ajudando a atravessar diariamente os altos e baixos de quem tem diabetes. Na rotina diária, o usuário faz os lançamentos no app, que automatiza a prescrição médica. Com o passar do tempo, isso gera dados para a equipe médica, inclusive, em tempo real, para realizar os ajustes necessários na rotina e a diabetes ser apenas um detalhe da vida. A nossa missão é deixar o tratamento do diabetes mais leve”.

Primeiro aplicativo gratuito para diabetes e controle de glicemia do Brasil, a Glic foi adquirida em maio de 2022 pela Afya, que forma hoje um dos maiores ecossistemas de educação, saúde e tecnologia do Brasil – a empresa possui faculdades de medicina, pós-graduação, cursos de especialização e diversos produtos digitais que contemplam a jornada do médico durante sua atuação para que a saúde possa alcançar quem precisa.

Para a CEO da Glic, a tecnologia trabalha “encurtando as distâncias” na comunicação entre pacientes e profissionais da saúde, desde a prescrição até o seguimento do tratamento da doença. Como consequência, isso impacta na qualidade de vida do paciente e na eficiência do trabalho da equipe de saúde. Esse investimento na interação entre paciente e equipe também facilita que ele entenda os motivos de cada uma das ações tomadas em casa e o sucesso do tratamento.

Levimar Araújo, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), lembra que a telemedicina teve papel preponderante nesse encurtamento de distâncias: “Durante a pandemia, a telemedicina foi uma grande aliada do controle de pacientes com diabetes. Hoje você tem pacientes em qualquer lugar do país sendo tratados pelos melhores especialistas e com uma atenção muito especial”.

Tipos e causas do diabetes

É no pâncreas que tudo acontece – ou deveria acontecer. Uma das funções principais do órgão é a produção da insulina, que trabalha como resposta ao estímulo da glicose no sangue. Esse hormônio é produzido naturalmente de duas formas em pessoas saudáveis: contínua, que mantém o metabolismo em estado anabólico, e prandial, que são picos de liberação para captação de nutrientes nas refeições – principalmente carboidratos.

“O diabetes é uma doença crônica que surge quando há alguma disfunção na produção de insulina, ou na sua ação. Esse hormônio tem origem no pâncreas e é responsável por ajudar o açúcar a penetrar nas células. A consequência dessas alterações é a hiperglicemia, que é a glicose elevada no sangue”, explica o endocrinologista Alexander Benchimol, do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (IEDE/RJ). A longo prazo, o diabetes pode levar a complicações como infarto, AVC, cegueira, entre outras.

São dois os tipos mais comuns de diabetes e eles têm causas totalmente diferentes. O tipo 1 surge por causa de uma reação autoimune do organismo, quando o sistema imunológico passa a atacar as células do pâncreas que produzem a insulina. Com isso, o corpo gera uma quantidade insuficiente e precisa de suplemento.

Já o diabetes tipo 2 é uma condição progressiva, que acontece quando o corpo não responde à insulina produzida. “Uma vez que o hormônio não funciona adequadamente, os níveis de glicose no sangue continuam altos”, completa Benchimol. Embora seja mais frequente em adultos, esse tipo de diabetes também atinge crianças e adolescentes, uma consequência direta da crescente onda de obesidade infantil.

De acordo com Levimar Araújo, da SBD, casos dos dois tipos de diabetes têm aumentado em todo o mundo. “Não é diferente no Brasil, tanto o diabetes tipo 2, que está relacionada ao aumento de peso e sedentarismo, quanto o tipo 1. Nós percebemos um aumento após a infecção de Covid, mas fatores genéticos e ambientais também levam ao incremento”, explicou.

Vale lembrar que, além do tipo 1 e 2, existem outros tipos de diabetes. Entre eles: gestacional, que pode ser passageiro e é diagnosticado quando a mãe não produz insulina suficiente para ela e o bebê; LADA, que é o surgimento tardio da diabetes tipo 1; e MODY, que tem como causa mutações genéticas e é hereditária.

Tratamento tradicional

De acordo com o Atlas da Diabetes, o Brasil é um dos países com maior prevalência e despesa com tratamento da diabetes. Em 2021, o custo estimado da doença por aqui foi de US$ 42,9 bilhões – atrás apenas da China (US$ 165,3 bilhões) e dos Estados Unidos (US$ 379,5 bilhões).

Entre as terapias mais tradicionais para o tratamento do diabetes está a injeção de insulina, que tenta mimetizar o hormônio produzido pelo pâncreas. E ela pode ser basal, com ação contínua por 24 horas, ou rápidas, com ação quase imediata após a aplicação – assim como as produzidas no pâncreas. “A principal função do hormônio insulina é fazer com que o açúcar que existe no sangue seja bem aproveitado para nos fornecer energia”, explica o endocrinologista Alexander Benchimol, do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (IEDE/RJ).

Neste processo, pode acontecer o contrário da hiperglicemia: a hipoglicemia. Os principais sintomas, são: fraqueza, sensação de fome, palpitações, suores frios, tremores, irritabilidade, palidez e ansiedade. “Na hipoglicemia os níveis de açúcar no sangue descem abaixo do limite inferior normal (70 mg/dl). As causas mais comuns são atrasar refeições, refeições pobres em carboidratos de absorção lenta, excesso de insulina ou comprimidos para o diabetes, administração de insulina de forma incorreta, entre outros”, acrescenta Benchimol.

No Brasil, o Sistema Único de Saúde fornece seis medicamentos financiados pelo Ministério da Saúde e liberados nas farmácias credenciadas. Entre eles estão as canetas de insulina humana NPH e Regular, que oferecem maior comodidade, fácil manuseio e precisão de aplicação. Anteriormente, a oferta da insulina acontecia em frascos.

A mudança é vista pelos especialistas do setor como uma evolução com impacto até mesmo na adesão do tratamento por parte dos pacientes, já que antes era um recurso muito limitado em termos de acesso – mas muito requisitado. Afinal, a injeção de insulina é o principal tratamento indicado para quem tem diabetes tipo 1.

Outra evolução destacada pela Sociedade Brasileira de Diabetes é a criação de aplicadores inteligentes que ajudam a controlar os episódios de hipo e hiperglicemia. Já para quem tem o tipo 2 da doença, o leque se abre um pouco mais. “Para diabetes tipo 2 nós temos novas medicações, que além de melhorar o controle da glicose, o que a gente chama de glicohemoglobina, ajudam no emagrecimento. Isso ajuda a proteger o coração e os rins”, complementa Levimar Araújo, da SBD.

Além da insulina

A farmacêutica Novo Nordisk encabeça algumas dessas opções mais modernas, como as canetas de liraglutida e semaglutida (análogos de um hormônio produzidos no intestino), além da “insulina oral” – que pode revolucionar o tratamento da diabetes no mundo. No caso da lira e semaglutida, que chegaram no Brasil em 2019 com os nomes de Victoza e Ozempic, respectivamente, elas imitam o GLP-1 (peptídeo-1 semelhante ao glucagon) – um hormônio produzido no intestino que dá sensação de saciedade e diminui o apetite.

“O nosso GLP-1 tem uma ação muito curta, entre um minuto e meio e dois minutos. Então, a gente produziu em laboratório um análogo desse peptídeo com duração mais longa. Ele vai lá no pâncreas, estimula a produção de insulina e no estômago retarda o esvaziamento gástrico”, explica Priscilla Mattar, da Novo Nordisk.

Essa ação o torna altamente eficaz no tratamento do diabetes tipo 2 e leva à perda de peso. “A semaglutida é a evolução dessa classe, porque tem utilização semanal (na versão injetável). Os primeiros eram diários, como no caso da liraglutida, alguns com aplicação de até duas vezes por dia”, completa Mattar.

Outra inovação da Novo Nordisk diz respeito à semaglutida oral, comercializada com o nome de Rybelsus. Mesmo com mais 60 medicamentos orais disponíveis para o tratamento da diabetes tipo 2, esse é considerado o mais potente e completo – também promove a perda de peso e atua em fatores de risco para doenças cardiovasculares. No entanto, é importante destacar que a semaglutida é um análogo do GLP-1 – e não uma insulina.

Outra empresa que também está investindo nos análogos ao GLP-1 é a Lilly Farmacêutica, que prevê um lançamento para 2023 que pode revolucionar o tratamento para diabetes: um medicamento à base da molécula tirzepatida, comercializado como Mounjaro.

Nos estudos de fase 3, chamado de SURPASS-2, onde compararam essa molécula com a semaglutida em pacientes com diabetes tipo 2, 51% dos pacientes que tomaram tirzepatida 15 mg alcançaram níveis de hemoglobina glicada inferior a 5,7% (valores encontrados em pessoas sem diabetes), em comparação com 20% daqueles que tomaram semaglutida. 

“É uma única molécula que atua em dois receptores hormonais, simulando os efeitos do GLP-1 e do GIP (polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose). Os dois são hormônios secretados pelo intestino em resposta aos nutrientes. Eles são responsáveis pelo efeito incretina, que melhora a secreção de insulina após uma refeição, e sabe-se que pacientes com diabetes tipo 2 tem uma diminuição neste efeito”, explicou Alexander Benchimol.

“Em modelos pré-clínicos, além de contribuir para a secreção de insulina, o GIP demonstrou diminuir a ingestão de alimentos e aumentar o gasto energético, resultando em reduções de peso e, quando combinado com o GLP-1, pode resultar em maiores efeitos no controle da glicose no sangue e no peso corporal”, completou. Esses dados foram apresentados no início de setembro no 35º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia.

Giulia Leal

About the Author: Giulia Leal

Leave A Comment

Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

Artigos Relacionados

Giulia Leal