Pós-eleições: quais os desafios do próximo governo para a saúde?

Pós-eleições: quais os desafios do próximo governo para a saúde?

Às vésperas do 2º turno das eleições para presidente do

By Published On: 26/10/2022
Desafios pós-eleições passam pelo financiamento, regionalização, saúde digital e fortalecimento da atenção primária.

Às vésperas do 2º turno das eleições para presidente do Brasil e governadores de parte dos estados, candidatos ainda buscam alianças para conquistar cada vez mais apoiadores e votos de fora da sua bolha. Independentemente de quem sair vitorioso, o próximo governo tem grandes desafios pós-eleições para o fortalecimento da saúde.

Na última sexta-feira, 21, o Instituto Coalizão Saúde (ICOS) organizou um evento com representantes dos dois candidatos na disputa presidencial, o ministro Marcelo Queiroga e o candidato a vice-presidente, Geraldo Alckmin, para apresentar as propostas elaboradas por entidades que representam hospitais, operadoras, indústrias e outras empresas ligadas à saúde. O documento propõe 4 eixos principais que devem embasar a atuação do Ministério da Saúde a partir de 2023. São eles: financiamento e sustentação do sistema; gestão assistencial e operacional; saúde digital integrada; e inovação e complexo científico-tecnológico.

Os tópicos vão ao encontro de outras propostas defendidas por diferentes organizações, como é o caso da Agenda Mais SUS, elaborada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), que ainda inclui outros pontos. A entidade defende que a valorização e o fortalecimento de políticas e estrutura para o atendimento ligado à saúde mental, que passa por uma epidemia de transtornos e condições, e a necessidade de políticas públicas de longo prazo para o enfrentamento de emergências sanitárias, também devem nortear o pós-eleições.

Contudo, durante o encontro do ICOS uma fala se destacou e gerou reações positivas dos presentes. “Este é um documento muito bom, que se soma a uma série de documentos muito bons que foram lançados nas últimas semanas. Todos eles foram escritos por pessoas diferentes dizendo basicamente a mesma coisa. (…) Parece que não, mas a eleição vai passar. A questão é o que a gente vai fazer com esse consenso, que não elimina divergências, mas tem consenso pelo menos sobre uma pauta básica?”, apontou Antônio Britto, diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP).

O setor, que está aberto a dialogar, aguarda que a partir do dia 1º dia de governo, Executivo e Legislativo trabalhem em prol da população e do fortalecimento de diferentes áreas que atuam com a saúde. Seja qual for o candidato eleito, o fortalecimento do SUS, que engloba a saúde pública e o suporte de toda uma cadeia privada, é necessário para garantir saúde à população e tornar o país uma referência em pesquisa, desenvolvimento, produção e cuidado.

Financiamento e regionalização no pós-eleições

O financiamento e a sustentabilidade do sistema é um dos pontos mais recorrentes entre as propostas. O orçamento destinado à saúde pelo Governo Federal em 2022 é considerado a menor participação entre os gastos públicos dos últimos 10 anos, representando apenas 3,39% do total. Cobra-se ainda uma melhor gestão dos recursos, evitando desperdícios. Pontos defendidos pelo ICOS nesse sentido são a desoneração da folha de pagamento, reduzindo custos e aumentando o acesso a produtos e serviços, e a adoção de novos modelos de remuneração baseados em valor, prestando mais atendimento, com melhores resultados e efetividade na utilização dos recursos.

Já o IEPS, por meio da Agenda Mais SUS, propõe que o país invista 5% do PIB até 2026 em gastos públicos com saúde, que atualmente gira em torno dos 3,9%. “Isso pode ser feito através de algumas medidas que estão em discussão. Temos um gasto tributário em saúde que é de ⅓ do orçamento federal da saúde, maior que 50 bilhões de reais hoje. É um recurso que é canalizado para as pessoas mais ricas, altamente regressivo”, defende Arthur Aguillar, diretor de Políticas Públicas do Instituto.

A discussão sobre o financiamento e a sustentabilidade também passa pela regionalização do SUS. As propostas de ambas as entidades defendem que a organização do sistema público passe por uma nova organização, através de agrupamentos de municípios. Assim, seria possível destinar recursos para serem utilizados de forma conjunta e de acordo com as necessidades daquela região.

Longe das grandes capitais, cidades do interior sofrem com a falta de recursos ou eficiência de seus serviços. Um conglomerado regional poderia definir as frentes que cada cidade iria atuar, de acordo com a sua capacidade, não precisando que todos os municípios invistam em todas as especialidades.

Aguillar exemplifica a questão: “Um hospital com 10 leitos de UTI dificilmente vai ser eficiente no nível de recursos. Ao invés de você ter 5 municípios com 10 leitos de UTI cada, é melhor ter um município com 50 leitos e todos os municípios usam. O desafio é a economia política. Como você repassa de maneira justa os custos e benefícios disso?”. O IEPS também defende uma maior participação dos estados na saúde e a taxação de produtos que trazem riscos à saúde da população, como bebidas açucaradas, fumo e bebidas alcoólicas, destinando os valores arrecadados para os investimentos na saúde.

Atenção Primária e ESF

O fortalecimento da atenção primária é outro pilar essencial para ser trabalhado pelo governo pós-eleições. O trabalho nessa área contribui com a redução de atendimentos em pronto-socorro, assim como a chegada de pacientes com complicações e agravamento de doenças na média e alta complexidade. O resultado é uma redução nos gastos com saúde como um todo.

De acordo com Giovanni Cerri, presidente do ICOS e do Núcleo de Inovação Tecnológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), esse é um dos desafios mais fáceis de resolver, já que o Brasil possui trabalho nesse sentido:

“Ela existe, mas nem sempre funciona bem, pela falta de profissionais, falta de infraestrutura de tecnologia de armazenamento de dados, ou pela regulação para poder transitar o paciente pela atenção primária, secundária e terciária. Ela precisa ser melhor estruturada, tanto do ponto de vista tecnológico como dos recursos humanos. Hoje existe a consciência da importância da atenção primária. Agora, ela tem que funcionar, tem que se investir e informatizar”.

A agenda do IEPS também defende esse ponto. O Instituto avalia que o fortalecimento da Estratégia Saúde da Família (ESF), que alcançou 63% da população brasileira em 2020, é essencial para a atenção primária. Arthur Aguilar aponta que apesar dos avanços nesse programa terem sido discretos nos últimos anos, é possível que a próxima gestão trabalhe com afinco e alcance objetivos audaciosos.

“É claro que você não vai atingir 100% de cobertura de Estratégia Saúde da Família ou 5% do PIB para o financiamento nos 100 primeiros dias de Governo. Mas vai começar toda a engenharia institucional para fazer essas coisas. Vemos que é possível porque no passado conseguimos fazer coisas assim. Se você olhar a expansão da ESF entre meados dos anos 90 e 2010, ela é muito rápida. Então, em 4 anos você consegue fazer isso”, acredita o diretor de políticas públicas do Instituto.

Futuras emergências e complexo industrial

O enfrentamento da pandemia de Covid-19 mostrou que o país tem grande capacidade de profissionais para lidar com futuras emergências em saúde. Contudo, com questões políticas e eleitorais permeando decisões, é necessário a construção de estratégias sólidas para lidar com questões sanitárias que possam vir a surgir, e que sobrevivam e sejam fortalecidas por diferentes gestões.

Essa discussão também passa pelo fortalecimento da indústria, da pesquisa, da inovação e do desenvolvimento. Isso porque com uma dependência de produtos externos, ficamos vulneráveis a decisões comerciais de empresas de fora que priorizem outros países. A criação e o fortalecimento de um Complexo Industrial da Saúde pode contribuir com essa questão e ainda reduzir os custos.

Cerri, presidente do ICOS, acredita que a proposta “não é só viável, como é necessária. Na pandemia ficamos muito vulneráveis a coisas importadas, na saúde quase tudo se importa. Muito pouco é produzido no Brasil. Toda população viu que a saúde é uma área estratégica e isso é um incentivo a uma reindustrialização na área da saúde. Claro, algumas questões de alta tecnologia não vamos conseguir produzir aqui ou ser competitivos. Mas existe muita coisa que deve ser produzida”.

O ICOS defende que a participação do mercado privado é essencial. Para isso, é preciso que o país avance na questão regulatória para garantir segurança e estabilidade às empresas. Da mesma forma, Cerri defende que é preciso apoio técnico por parte do Ministério, secretarias estaduais e municipais, para que haja uma melhor implementação de iniciativas nesse sentido.

Saúde digital

Com o avanço da telessaúde, a necessidade da integração dos dados entre o serviço público e privado e a utilização de ferramentas digitais pelos serviços de saúde, fica também o desafio para a próxima gestão em fortalecer e ampliar a saúde digital. Com os ganhos da pandemia em relação ao Conecte SUS, onde dados em relação às doses da vacinas foram disponibilizados à população, é preciso ampliar ainda mais as possibilidades.

“Temos uma oportunidade imensa de integrar os dados e acelerar a transformação digital do SUS como um todo. E mais do que uma oportunidade, temos uma necessidade. O setor privado vai e está se digitalizando, se o SUS não fizer um movimento rápido também, a tendência é aumentar a fragmentação do sistema de saúde”, alerta Arthur Aguillar, do IEPS.

Cerri, do ICOS, defende que para isso, empresas privadas também estão à disposição e podem colaborar com a expertise adquirida na saúde suplementar. Assim, as relações entre os setores e o fortalecimento de políticas público-privadas devem ser um dos eixos trabalhados pelo próximo governo. “Na assistência, metade da média complexidade é feita pelos hospitais filantrópicos, que são privados. Toda conectividade, TI, operação, equipamentos, saem da iniciativa privada. Essa convivência do público e privado já existe na saúde e é algo totalmente inevitável”, explica.

No entanto, ele observa com mais cautela esse tópico da saúde digital, mas espera que o próximo ministro da Saúde entenda e siga trabalhando nesse sentido, já que é essencial para um melhor atendimento da população e economia do sistema. A telemedicina, por exemplo, contribuiria com consultas e diagnósticos à distância, em especial em localidades onde há escassez de profissionais.

“Precisa ter vontade de implementar algumas dessas transformações na saúde, mas precisa também ter acompanhamento e saber fazer as coisas para que elas tenham sustentabilidade”, conclui. O ICOS, em parceria com uma frente parlamentar de deputados, deve acompanhar a aplicação das propostas na próxima gestão, através de um fórum permanente. O primeiro encontro está previsto para o primeiro trimestre de 2023.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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