Denise Santos, CEO da BP: “Setor precisa se enxergar como sistema”

Denise Santos, CEO da BP: “Setor precisa se enxergar como sistema”

No mais recente episódio de Futuro Talks, Denise Santos fala sobre as oportunidades que o setor tem para mudar seu modelo de atuação

By Published On: 11/09/2023

Inovação não acontece apenas com novas tecnologias. Ela depende também de uma transformação cultural que envolve necessariamente instituições, como hospitais e operadoras, profissionais de saúde e os próprios pacientes. Com o atual cenário desafiador do setor e as mudanças recentes e constantes – como avanços nas terapias, interoperabilidade, telemedicina e possibilidade de exames em farmácias –, será inevitável buscar novos modelos, mas para isso o setor precisa se enxergar como um sistema, e não como partes isoladas. Essa foi uma das visões que Denise Santos, CEO da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, compartilhou no mais recente episódio de Futuro Talks.

Engenheira de formação, Santos se tornou CEO ainda jovem, aos 37 anos, quando atuava na área de tecnologia. Em 2009 ingressou no setor de saúde – “que também é de tecnologia”, segundo ela – e em 2013 assumiu a liderança da BP. Ao longo da conversa, ela abordou um pouco dessas transformações da saúde, a importância da inovação e a crise dos planos de saúde. Santos também destacou mais pautas quentes do setor, como a incorporação de tecnologias, o reestabelecimento das relações de confiança entre as instituições para buscar alternativas e a necessidade de se investir em segurança para interoperar dados e garantir a segurança das informações.

Denise também revelou expectativas e planos da BP para os próximos meses. Na visão dela, assim como tem sido esse ano, 2024 deve ser ainda um ano de ajuste na operação e busca de eficiência. Mesmo assim, a instituição deve ter novidades. Uma é o início de cursos de graduação no ano que vem. Outra envolve a joint venture entre BP, Grupo Fleury e Bradesco: a nova empresa já possui CEO e CFO definidos e a primeira clínica deve ser inaugurada até o fim desse ano.

Confira a nova entrevista do Futuro Talks a seguir:

https://youtu.be/NUaPnOdFPWY?si=gk8S1L6QpfRKt7dp

A BP tem investido em diversas tecnologias nos últimos anos. Qual a importância de investir em tecnologia? E o que baliza a decisão de investimento?

Denise Santos – O grande desafio, quando falamos de inovação, é trazer uma cultura para organização. A tecnologia está aí disponível, mas é preciso estabelecer critérios, até porque não há recursos para tudo. Mas o que baliza mesmo é a visão de longo prazo. Temos um planejamento estratégico que a gente revisita todo ano. Hoje o nosso plano é de olho em 2030, mas estamos sempre com um planejamento de 10 anos. Claro que a gente não esperava uma pandemia no meio do caminho, mas o fato de planejar e olhar sempre para o futuro, especialmente na saúde, onde temos disrupção o tempo inteiro, vide uma pandemia, fez com que, quando chegou 2021, olhássemos para o nosso planejamento e não estava tão desatualizado. O fato é que o modelo de gestão de saúde tem que ser mudado. E esse olhar para a inovação que a saúde sempre trouxe – foi impressionante fazer vacina em 1 ano e pouquinho – tem que virar uma cultura. A BP é uma instituição de mais de 160 anos. Às vezes as pessoas me perguntam: “Nossa, mas uma empresa tão tradicional falando em inovação?”. Eu sou engenheira elétrica e, quando a lâmpada elétrica foi inventada por Thomas Edison, a BP já tinha 20 anos. Você imagina um centro cirúrgico sem uma luz elétrica? Em 2017, quando a gente fez o rebrand da BP, reescrevemos os valores e esse é um deles. Estamos sempre em movimento. Por mais cansativo que isso pareça, não é.

O grande desafio, então, é como incorporar essa cultura de inovação no DNA da companhia.

Denise Santos – É isso. A gente tem um outro pilar estratégico chamado “saúde inteligente”, que remete muito ao digital. Nos últimos 6 anos, fizemos um processo de transformação digital enorme, sempre focando na segurança do paciente, na acuracidade de dados, tomada de decisão de dados. Então, claro que equipamentos, tecnologia etc., faz tudo parte disso. Mas isso é um meio, o fim é a cultura, é a experiência, o cuidado e, acima de tudo, a segurança. Segurança de todos que passam por lá, que em algum momento você é paciente, mas a maior parte do tempo, você é uma pessoa, cliente. E a BP trata isso como um hub de saúde de todos e para cada um, no sentido muito amplo de experiência, de cuidado, de proximidade. Tecnologia aproxima também.

Você falou da energia elétrica, mas há pouco tempo ainda era distante falar de telemedicina. Como você vê o setor da saúde absorvendo isso? O ritmo está bom?

Denise Santos – Se não fosse a pandemia, a gente ainda estaria lento. Porque esse tipo de tecnologia já está disponível há muito tempo. Claro que, hoje em dia, eu acho que as pessoas confundem um pouco telemedicina com teleconsulta. Uma coisa é fazer uma teleconsulta numa tela, no telefone, e não ter nada integrado para trás. Não tem exames integrados, não tem seus dados integrados. Outra coisa é uma telemedicina adequada, na qual você está colocando toda a sua consulta no prontuário eletrônico com rastreabilidade. Então, eu acho que isso tem muito a caminhar, se a gente pensar que, no Brasil, menos de 30% dos hospitais têm prontuário eletrônico. Não podemos olhar bolhas, como São Paulo ou grandes capitais, sabendo que temos uma dimensão territorial absurda. Por outro lado, a BP, hoje, integra o PROADI, que é o programa de desenvolvimento e apoio ao SUS. São seis hospitais de excelência no Brasil e nós somos um deles. Temos projetos nos 27 estados, de gestão, de ensino, pesquisa e de assistência. Um dos projetos é o telenordeste, em que fazemos telemedicina em várias cidades da região. Colocamos a tecnologia lá e estamos ajudando as pessoas, tanto do ponto de vista treinamento quanto do ponto de vista de assistência, de atendimento.

No final de maio, vocês instalaram dentro da BP uma cabine que é equipada com vários dispositivos médicos. Como está o projeto? Você acha que vamos caminhar para esse universo de cabines de saúde?

Denise Santos – Eu sou super empolgada com isso, mas não é fácil. Porque tem o comportamento. Hoje, por uma boa parte do tempo, a cabine está assistida. Então você deixa uma cabine que é de autoatendimento, mas com uma enfermeira, um enfermeiro ajudando. O ambiente é muito fantástico, você consegue realmente fazer autoatendimento, mas precisa ter uma pequena curadoria para a pessoa saber que tipo de device ela vai pegar, se é o ouvido, se é medição de temperatura. E é um processo de aprendizado, mas que tem aplicabilidade em vários lugares. A cabine está em modo de pesquisa.

E é uma cabine mesmo? Como é?

Denise Santos – É um ambiente. É lindo por fora e por dentro. Quando você entra parece que está numa aeronave. É muito legal. Depois de você fazer suas medidas, tem a consulta, naquele momento, com algum médico conectado – nesse caso na BP, mas poderia estar em qualquer canto. Eu vi essa cabine, tempos atrás, sendo usada na China, em hotéis, em fábricas. Mas tem um aprendizado e lá na BP temos cerca de 7 mil colaboradores, 3 mil médicos, então a gente está coletando uma amostragem grande. E aí depende muito também do domínio da pessoa com a tecnologia. A BP, a gente costuma brincar, é um mini Brasil: você tem quase todas as profissões, classes sociais, formação, gente de tudo que é jeito.

O que é ótimo, porque conseguimos medir qual é a afinidade que as pessoas têm com a tecnologia, então acredito que em uns 2 meses teremos um bom filtro para discutir qual é o modelo de negócio que funciona.

É uma adaptação mais das pessoas do que dos médicos, dos profissionais da saúde?

Denise Santos – A gente está acostumado a ir para uma consulta e ser cuidado. Na cabine é autocuidado, você faz seus próprios exames. A gente acredita muito na de medicina 4 Ps. Predição, hoje em dia, é super possível através de genoma, mapeamento de DNA. Prevenção. Personalização. E o que eu acho o mais desafiador, a participação do indivíduo no seu cuidado de saúde. Então, a gente está falando, “olha, além de você fazer exercícios, se alimentar bem, ter boa noite de sono, socialmente bacana, você vai entrar na cabine e vai se auto atender”. É todo um processo, mas vamos caminhar para isso.

Você acha que os wearables vão ajudar neste contexto?

Denise Santos – Sem dúvida. Aqui também tem um passo cultural a ser dado. Estou usando um anel de sono no meu dedo. Eu acordo, tem o app, então ele já baixa como foi meu sono. Eu já indico algumas coisas, como se tomei vinho, fiz isso ou aquilo, e aí você começa a ter um critério adequado para uma noite de sono melhor.

Dentro desse cenário de transformação do setor, recentemente uma resolução determinou que as farmácias podem fazer testes diagnóstico. Como você vê esse cenário e quanto isso muda, pensando no sentido mesmo do negócio, o ecossistema de saúde, nos hospitais, os laboratórios?

Denise Santos – Eu acho fantástico. Primeiro, do ponto de vista da experiência, você não precisa ir para um ambiente numa clínica, ou num laboratório ou até no próprio hospital para fazer seus exames. A experiência, obviamente, é muito mais tranquila, fazer do lado da sua casa, em qualquer farmácia. Do ponto de vista de sistema de saúde, a gente precisa ir desafogando locais onde o custo é absurdo e a experiência talvez nem tanto. Eu só espero que a gente seja hábil para conseguir olhar o sistema como um todo. Sou super a favor que tenha uma série de coisas que não precise ser feito dentro do hospital. Acho que o hospital do futuro são grandes centros especializados, com média e alta complexidade. Claro, procedimentos de baixa complexidade, hospital-dia, vão continuar existindo, mas muito mais especializados do que hoje, com hospitais enormes e que fazem de tudo. Quanto mais a gente chegar perto desse consumidor de saúde – dentro do autocuidado – numa medicina primária que evite uma série de encaminhamentos para o terciário, que é um hospital, é um tanto melhor. O sistema precisa disso, o cliente, paciente também, não tenho dúvida que é mais adequado. Eu espero que ao longo do tempo, quando a gente olhar o sistema, vejamos um sistema integrado. Não é o que vemos hoje. E é interessante porque o sistema de saúde não é um sistema que se conversa como deveria. Aliás, a gente conversa demais, acho que a gente só não resolve. Vimos a crise das seguradoras, que, obviamente, esbarra nos prestadores. Depois da pandemia, há uma forte frequência de uso. Fraudes, que vimos acontecer de monte e não é de agora.

O sistema precisa ser chamado realmente de sistema. E aí colocar mais um elo nessa cadeia, que são as drogarias, farmácias, ajudando nesse cuidado, é fantástico, é super bem-vindo.

Nesse aspecto de fragmentação, acho que vale a pena a gente entrar na interoperabilidade. A BP fez uma integração com a Sami e, na época do anúncio, havia mais no radar. Isso aconteceu? A integração funcionou? Esse é o caminho para outros modelos mais eficientes?

Denise Santos – Acho que do ponto de vista técnico, tem uma lição de casa importante de todo mundo que é fazer um estruturante bem-feito. Porque você tem que fazer tudo patenteado, deixar seu nível de segurança no estado-da-arte, para implantar interoperabilidade – significa poder conectar meu sistema em qualquer aplicativo de forma segura. Tem um investimento importante a ser feito. Eu não sei dizer se todo mundo está fazendo, eu tenho a sensação de que a gente faz um front bem bonitinho, um app bacana…mas por trás, não está resolvido. Mas tem que fazer e eu acho que acho que as empresas estão fazendo ao longo do tempo. Para a saúde, seria fantástico. Mesmo o próprio SUS fala da integração dos dados de toda a sua base. É fantástico, não interessa onde você está, você tem seus dados disponíveis. A gente fez com a Sami, a gente fez com Alice, fizemos com mais uma operadora de saúde e estamos fechando com mais uma.

E traz vantagem?

Denise Santos – Traz vantagem. Vou dar um exemplo: casos de alta permanência, por exemplo, ou alguma complicação. Você já tem o médico do outro lado de lá da operadora olhando toda essa jornada do que está acontecendo com o beneficiário dele, também ajudando na condução do caso. Então, não vem aquela discussão só depois, lá na auditoria de conta, que é super manual, não faz mais sentido isso. Mas o sistema ainda é assim, ao passo que se você tem tudo integrado e esses dados te ajudam na tomada de decisão adequada, o olhar para a pessoa é o único, tanto do lado da operadora de saúde e futuramente da própria pessoa e do médico. Então, você tem ganhos absurdos ao longo da jornada daquele cliente num determinado tratamento. E a gente está pronto para fazer isso com quem quiser fazer.

Você sente que existe ainda uma demora para estabelecer essa relação de confiança para interoperar?

Denise Santos – Sim. Hoje em dia eu tenho dúvidas em si se é só a confiança de interoperar. Porque às vezes, claro, há hospitais que vão falar assim, “puxa, a operadora vai ver tudo o que eu faço aqui dentro?”. Sim, mas se faz direito, está tudo certo. Se não fizer, a operadora vai levantar a mão. Mas a recíproca também é verdadeira, você consegue entregar para o seu cliente fonte pagadora um real time do que está acontecendo dentro da sua instituição, não fica aquela discussão só um mês depois, numa conta que tem que apertar o botão para enviar. Então, acho que tem um pouco da desconfiança. O que dá mais receio é realmente ter certeza que o estruturante do lado de lá está bom e que você vai interoperar dados de maneira segura: que não vai ter risco de vazamento, de algum vírus vir junto com o dado. Isso empaca um pouco, nem todo mundo está preparado para fazer padronização. Agora, essa desconfiança de que você vai ver o meu, eu vou ver o seu, precisa ser encarada como olhar o sistema. Se continuar cada um na sua casinha, a conta não fecha. E pior que a conta não fechar é a experiência de quem está no sistema sendo cuidado. Essa integração permite uma jornada fluída, reduz desperdícios. Já tivemos alguns casos de que o médico do lado de lá conseguiu ajudar a gente no cuidado do lado de cá. Essa troca técnica é muito boa.

Como está a BP nesse novo cenário da saúde que se desenha, com verticalizações e horizontalizações? Há inclusive a joint venture entre BP, Fleury e Bradesco.

Denise Santos – Eu gosto de voltar sempre nos valores da BP: a colaboração nos leva mais longe. Valorizamos parcerias e alianças que nos tornem mais robustos. E a recíproca é verdadeira. Tecnicamente a gente tem uma vantagem muito bacana, porque nós já somos alta complexidade há muito tempo. Cardiologia, neurologia, oncologia…temos especialidades muito relevantes do ponto de vista de complexidade, mas a gente não vai avançar sozinho. Nós fizemos uma mudança estatutária importante em 2018 para permitir associações com empresas com fins lucrativos. Esse projeto com o Bradesco e Fleury é inédito, porque junta três empresas que estão em diferentes elos da cadeia. É fazer um tratamento de oncologia absolutamente integrado na jornada, completa, desde uma predição – por conta de diagnóstico precoce – até um tratamento e pós-tratamento. Então, a BP está muito aberta a fazer, do ponto de vista de colaboração, integrações com outras partes da cadeia. Já temos discutido em outras frentes e em breve devemos ter novidades. As parcerias estratégicas vão fazer a diferença. E a parceria estratégica dá certo quando você se casa com alguém que tem valores e pensamentos e jeito de olhar com longo prazo, como a gente acha. O Bradesco e o Fleury também são empresas centenárias como a BP. E queremos olhar lá para frente e gerar legado, valor para a sociedade, medicina de alta qualidade. É esse lugar que a gente quer continuar ocupando.

E essa JV já está em curso? Você tem novidade ou dados para trazer a partir disso?

Denise Santos – Já está em curso. Já estamos com 5 colaboradores nessa empresa. O CEO, CFO e mais três. O CEO em breve deve ser divulgado e o nosso CFO já está há um mês e meio. É interessante, porque é uma empresa com três acionistas tradicionais, mas é uma startup, tem que começar completamente diferente. Ela está calcada em muita tecnologia. Estamos terminando de fazer o plano estratégico e a estratégia digital dessa empresa. Vai ter muita integração de dados, mas uma integração de experiência também, de jornada desse paciente. Ela vai nascer diferente, com modelos de remuneração diferentes, com produtos desenhados de forma diferente.

Já estamos com a pessoa comercial trabalhando nisso, estamos com uma pessoa de produto, trouxemos uma pessoa de tecnologia para, desde o dia um, começar a fazer essa jornada integrada. Até o final do ano vamos lançar a primeira clínica aqui na cidade de São Paulo. Vai ser bem legal.

Já tem o local ou também é segredo?

Denise Santos – Posso dizer que o local é bacana. A casa ainda está terminando de ser construída.

Mudando um pouco de assunto, queria te ouvir sobre o cenário dos planos de saúde. Como a crise dos planos pode afetar o negócio dos hospitais?

Denise Santos – A gente tem puxado muito essa conversa com os parceiros, fontes pagadoras, com os planos de saúde, porque uma coisa é certa: os modelos têm que mudar da água para o vinho. A gente tem que fazer essa integração de forma mais inteligente. Acho que isso vai mudar e estamos diante de uma oportunidade única. O setor inteiro entrou em crise. Pós-pandemia foi um arrastão geral. E, ao mesmo tempo, ainda acontecendo muita consolidação, compra, sem ainda a definição de um modelo inovador, disruptivo. Então, temos uma oportunidade única pela frente que é mudar completamente. Falar de divisão de riscos, novos modelos, captations. A gente fala muito disso, mas na prática a discussão de remuneração é a mesma de sempre. Precisa trazer para a mesa a indústria, que também é algo que continua andando ainda no paralelo. Hoje eu diria que o desafio está mais desse lado ainda, porque aqui está todo mundo sofrendo, todo mundo ruim junto. E temos que tirar da frente essa história da desconfia e fazer o que falamos até agora: dividir dados através de uma interoperabilidade adequada e segura, ter cases que sejam padrão. E não podemos desconsiderar a qualidade.

E os players estão sentando para conversar?

Denise Santos – Parece básico, não é? Eu ainda acho que tem que se sentar junto, porque são nesses momentos de crise mais profundo que aparecem as oportunidades se você quiser enxergar como oportunidade. Temos que puxar e não interessa em qual pedaço da cadeia que você está sentado. Eu vejo essas conversas acontecendo mais, ainda um pouco acirradas, mas eu vejo acontecendo mais.

E acontecem de verdade?

Denise Santos – Acontecem de verdade. Acho que tem um ganho de competência, cada um que estava acostumado a fazer do mesmo jeito. Outro dia estava numa discussão com os nossos diretores lá na BP. E a gente estava debatendo, debatendo, e eu tinha certeza de que se a gente admitisse que não somos totalmente competentes para fazer diferente, poderíamos buscar em outro setor, porque senão voltaríamos a discutir em cima do padrão anterior. A gente está nesse momento. Ganhando essa consciência para dar os próximos passos.

Temos visto também um movimento de hospitais entrando na área de ensino. Como está isso na BP?

Denise Santos – Sempre tivemos ensino como um pilar importante da BP. Até porque, por conta da alta complexidade, temos em torno de 300, 350 residentes por ano na BP, além de internatos de algumas universidades de graduação que já fazem alguma prática lá dentro. É importante para a manutenção dessa competência do corpo clínico ter o ensino e a pesquisa retroalimentando. A BP tem uma escola de enfermagem desde a década de 50. A gente forma e capta quase 80% das pessoas que se formam lá. Mas recentemente pensamos em estruturar os novos passos disso. Estruturamos um plano bem robusto de educação, muito focado em tecnologia. Um dos nossos primeiros cursos vai ser tecnologia em saúde. A gente lançou semana passada um curso de inteligência artificial para médicos. Vamos ter muito da tecnologia com a medicina.

Acho que no ano que vem a gente consegue lançar o primeiro curso de graduação, e medicina lá para 2026. Sempre com esse olhar para a qualidade, porque o Brasil está formando muitos médicos, mas ninguém está discutindo qualidade. Então, esse é um tema que estamos puxando de forma bastante forte.

Você chegou a uma posição de CEO cedo, aos 37 anos. Como foi essa ascensão?

Denise Santos – Realmente foi rápida. Tenho uma diretora de RH que costuma dizer que a diferença entre o corajoso e o sem noção é sutil, e nem sempre conseguimos distinguir. Passei quase 19 anos na Siemens do Brasil, liderando diversas áreas. Eu era diretora da Siemens Mobile, uma divisão de aparelhos celulares. Quando essa divisão foi vendida e se criou uma empresa aqui no Brasil, me tornei CEO aos 37. Talvez tenha sido mais sorte do que juízo, não sei. Estava no lugar certo, na hora certa. Claro que, hoje, como CEO aos 55, olho para trás e penso: “Quem permitiu que essa jovem liderasse?” Foi um grande aprendizado. Passei 2 anos nessa empresa e, após sair — acabamos vendendo a empresa no Brasil —, em 2009, surgiu a oportunidade de entrar no setor de saúde, entre 2009 e 2010. Nunca imaginei. Sempre estive no setor de tecnologia – e continuo nele. Mas surgiu a chance de ir para a Maternidade São Luiz como CEO. Havia um importante processo de estruturação e crescimento acontecendo. Em 2011, 2012, fizemos a venda para a Rede D’Or, e o processo de consolidação começou nesse momento. Deixei a empresa, mas assinei um acordo de non-compete, ficando quase um ano e meio fora do mercado de saúde. Depois, voltei para uma multinacional. Quando esse período terminou, a BP me procurou, e eu não hesitei. Regressei ao setor de saúde, pois havia muitos projetos interessantes a serem realizados na BP, e ainda há. Este ano, completo 10 anos na empresa.

Você atua em algumas mentorias para jovens lideranças. Pensando em tudo isso que você trouxe até agora, o que é fundamental?

Denise Santos – A palavra-chave, para mim, é conexão. Precisamos de líderes dispostos a se conectar. Conectar-se com os outros, com as vidas dos outros, valorizando as relações. No próprio cuidado da saúde isso é essencial. Mas, como estávamos discutindo, o sistema de saúde está desintegrado. Conversávamos sobre a limitação do Zoom e ferramentas de contato, e muitas vezes não é suficiente. É necessário estar próximo, conectar-se, estar disposto a dar o próximo passo. Por isso acho que a palavrinha da vez para liderança é a conexão. A liderança atual enfrenta uma complexidade importante. Não tenho todas as respostas e tenho buscado isso, mas os líderes hoje enfrentam o desafio de equilibrar as necessidades individuais com as coletivas. Como conciliar a conveniência individual com as demandas coletivas? Precisamos aprender a lidar com isso. Existem novos modelos de trabalho emergindo, mas não podemos perder a conexão.

Líderes mais conectados até com propósito. Propósito virou essa palavra que todo mundo fala o tempo todo, mas faz diferença você acreditar naquilo que você está fazendo.

Denise Santos – O propósito faz toda a diferença. E o jovem fala muito do propósito. Eu tenho um filho de 12 para 13 anos. E ele já fala sobre esse assunto do propósito. Por outro lado, a informação é tanta que o jovem muda de ideia a cada 5 minutos. Então, ele quer se conectar com o propósito, mas o propósito de amanhã não é o mesmo de hoje o de depois de amanhã eu nem sei qual que é. Então, também tem uma busca ainda que acelerou demais, a tecnologia acelera muito esse negócio da insatisfação até. E eu tenho falado muito com os jovens, “sai do título, sai do headline, aprofunda um pouco”. Tem que voltar a consumir informação.

Agora, caminhando para o nosso final. Quais são os próximos passos da BP pensando não em 2030, mas em 2024?

Denise Santos – O foco de 2023 e 2024 é muito nessa toada de restabelecimento de todos os processos. Eficiência operacional é uma palavra-chave, estamos trabalhando forte nisso esse ano. Inclusive, estamos com Falconi ajudando a gente a revisitar os processos, olhar a eficiência de gestão, de indicadores, de que a gente vai terminar 2023 mais fortalecidos do que a gente terminou 2022, mas 2024 segue nessa toada sem perder essa visão. Temos sete pilares estratégicos, 30 objetivos, e a gente priorizou nove, porque não dá para fazer os 30 de uma vez. Esses nove seguem até 2024 e, desses nove objetivos priorizados, são 23 projetos estratégicos relevantes. Muitos focados em ganho de melhoria de processo, eficiência, experiência. Então, a gente segue 2024 com bastante foco em pôr ordem na casa.

E você acha que vai ser melhor que 2023?

Denise Santos – Eu acho que vai ser melhor. Eu estou otimista para 2024. 2023 continua desafiador, mas a gente está conseguindo atingir os resultados. A gente teve reestruturação interna também, então, o primeiro semestre de 2023 foi mais complicado. Fazer reestruturação nunca é simples. Mas eu acho que 2024 vai ser mais adequado, eu espero.

Quais são as pautas que temos que ficar de olho?

Denise Santos – Do ponto de vista prático, o negócio. A gente começou a nossa conversa falando de tecnologia, então a incorporação de tecnologia é uma pauta quentíssima. E é sempre aquela pauta: Sistema Único de Saúde é tudo para todo mundo? De que jeito vai ser? Como vai ser? Acho que trazer para dentro a turma da indústria é mandatório. Não dá para falar que tem uma tecnologia nova, que um tratamento custa 2 milhões de reais, isso não é acesso para brasileiro nenhum. Com cinco tratamentos você quebra um plano de saúde menor. Então, acho que a incorporação de tecnologia é uma pauta superquente.

Outra pauta quente é essa questão da segurança, de cybersegurança, de ataques. Essa é uma pauta fervendo. Tenho medo do que pode vir pela frente. A gente fez alguns assessments com fornecedores. Temos uma ferramenta, inclusive, que avalia o que é público, as portas de entrada etc. E é um risco alto. Então, acho que isso é uma pauta super relevante.

Essa é uma questão perigosa, porque parece que agora o setor da saúde está no alvo dos hackers, não é?

Denise Santos – São tão sensíveis os dados que circulam, que você falar de um ataque e um resgate, é quase que dizer assim “vão me pagar”, porque não dá para ficar sem os dados. Nós temos estruturas cada vez mais digitais, cada vez mais integradas. Então, essa é uma pauta superquente e eu de verdade não sei te falar se está todo mundo realmente olhando para isso. Porque também tem uma questão de investimento, não é barato. E, por fim, eu terminaria com isso que a gente falou: resgatar essas relações de confiança. É uma pauta para discutir em todos os fóruns que tivermos oportunidade.

Natalia Cuminale

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, com as reportagens, na newsletter, com uma curadoria semanal, e nas nossas redes sociais, com conteúdos no YouTube.

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