Pesquisa investigará se uso de medicamento para diabetes já incorporado ao SUS pode diminuir complicações de pacientes em UTI

Pesquisa investigará se uso de medicamento para diabetes já incorporado ao SUS pode diminuir complicações de pacientes em UTI

Batizado de projeto Defender, pesquisa recrutará 500 pacientes em UTI e deverá ter os resultados divulgados em 2024

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By Published On: 31/05/2023
Pacientes em UTI

As Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) se transformaram nas últimas décadas. Com ajuda da tecnologia, humanização e apoio de equipes multidisciplinares, as taxas de mortalidade de quem precisa desse tipo de atendimento vem diminuindo progressivamente. Mesmo assim, ainda há situações em que pacientes em estados mais graves enfrentam complicações que podem aumentar seus riscos e o tempo de permanência sob cuidados intensivos. Este cenário motivou a realização de uma pesquisa clínica que analisará como um medicamento para diabetes – já disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) – pode ajudar na diminuição das complicações em pacientes em UTI.

A hipótese é que a dapagliflozina, um fármaco da classe dos inibidores de SGLT2, utilizado para tratamento da diabetes mellitus, tenha ação preventiva ou de atenuação de complicações como a disfunção orgânica. Batizado de projeto DEFENDER, o ensaio clínico será desenvolvido pelo Einstein em parceria com o Ministério da Saúde (MS), por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS).

Apenas para contextualizar, alguns resultados do projeto UTIs Brasileiras, realizado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), mostram que pacientes críticos internados em UTIs do SUS apresentam uma taxa de mortalidade acima de 30%. E aqueles admitidos por sepse ou com necessidade de substituição renal têm mortalidade superior a 40%. De acordo com Caio Tavares, cardiologista e pesquisador clínico do Einstein, quando um paciente apresenta complicações na UTI, principalmente com a evidência de que algum órgão já não está funcionando, poucas terapias são capazes de melhorar o seu prognóstico.

“Esse medicamento já é utilizado em casos de insuficiência cardíaca e doença renal crônica, além da recomendação para controle de diabetes. Estamos investigando se ele poderia diminuir a probabilidade de morte, necessidade de hemodiálise ou o tempo de internação dos pacientes na UTI”, afirma.

Impacto clínico, social e econômico de pacientes em UTI

Se a pesquisa for bem-sucedida, esse será o primeiro resultado positivo em uma população de pacientes críticos com uma droga em mais de duas décadas. O fato de a droga ser um inibidor de baixo custo disponível no SUS também é uma vantagem levantada por Álvaro Réa-Neto, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas em Terapia Intensiva (CEPETI), que coordena UTIs em diversos hospitais em Curitiba, no Paraná, incluindo a Santa Casa, que participa do estudo Defender:

“A dapagliflozina é uma droga relativamente barata, fácil de ser administrada e que, se demonstrado seu benéfico, trará benefícios evidentes aos pacientes graves. Esse medicamento já tem resultados benéficos bem definidos em pacientes ambulatoriais com diabetes, doenças cardíacas e renais, mas não se conhece seus efeitos em pacientes graves. É uma pesquisa pioneira nessa área”.

A comprovação dessa hipótese abrirá espaço para uma nova opção terapêutica. Como o medicamento já é aprovado, não haveria necessidade de realizar todo o processo da fase pré-clínica até a incorporação de uma nova medicação no SUS, que costuma demorar.

Para Réa-Neto, além dos benefícios clínicos haveria também melhorias econômicas e sociais. Hoje, de acordo com dados da Amib, a saúde pública brasileira conta com quase 23 mil leitos de UTI, o que representa 2,2 leitos para cada 10 mil habitantes. E o custo de uma diária de UTI, com os valores atualizados pelo Governo Federal, em 2022, varia entre R$ 600 e R$ 700, a depender da complexidade do caso. Em média, o tempo de permanência de um paciente comum em uma UTI no hospital público é em torno de 6,5 dias, sem considerar as complicações.

“No final, esse tipo de solução gera valor em saúde: menor mortalidade, menos complicações e menor tempo de internamento, que significa retorno mais rápido e com menos sequelas à vida anterior à internação. ​​A UTI cuida de pacientes graves, com alto risco de complicações. Toda a atenção e cuidado devem ser dados para minimizar essas chances”, avalia Réa-Neto.

Perspectivas de resultados

A pesquisa começou a inserir os participantes em novembro do ano passado e a meta é atuar em ao menos 20 UTIs de cinco regiões do Brasil. O centro da Santa Casa de Curitiba conta com cinco profissionais diretamente envolvidos no estudo e foi um dos primeiros a recrutar pacientes, sendo seu diretor:

“Já recrutamos e incluímos cerca de 100 dos primeiros 250 pacientes estudados no Brasil. Os primeiros resultados estão sendo avaliados por um comitê internacional, com ênfase na segurança dos pacientes, e aguardamos o sinal verde para continuarmos o recrutamento de ao menos 500 pacientes. A expectativa é ter as respostas no primeiro trimestre de 2024”.

Na Academic Research Organization (ARO) Einstein, são cerca de 20 colaboradores conduzindo a pesquisa, entre médicos, enfermeiros, coordenadores de pesquisa, monitores, farmacêuticos, equipe responsável pela coordenação regulatória e gerentes de projeto. Entre os pacientes, estão aptos a participar do estudo aqueles admitidos em UTIs, sem perspectiva de alta em menos de 48 horas e que apresentem alguma disfunção orgânica, acometida em menos de 24h, em órgãos como coração, rim ou pulmão.

“Estamos testando uma hipótese. Pode ser que o resultado seja positivo, negativo, ou até neutro, mas existem diversos mecanismos biológicos plausíveis para que este medicamento afete positivamente esses quadros, e que podem embasar grandes mudanças. E mesmo com resultados positivos, antes de mudar a prática clínica diária, vamos precisar de um estudo confirmatório, com um número maior de participantes e que vai olhar para desfechos “duros” (morte e necessidade de diálise). Mas vamos abrir um caminho importante”, conclui Tavares.

Ana Carolina Pereira

Jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao longo de sua carreira, passou por veículos como TV Globo, Editora Globo, Exame, Veja, Veja Saúde e Superinteressante. Email: ana@futurodasaude.com.br.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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