Colaboração internacional e inteligência artificial ampliam potencial de dados biológicos

Colaboração internacional e inteligência artificial ampliam potencial de dados biológicos

Evento nos EUA reuniu pesquisadores que discutiram possíveis soluções para arquitetar o compartilhamento internacional de dados

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By Published On: 13/11/2024
AI-Bioscience Collaborative International Summit teve a participação do secretário de Estado dos EUA Antony Antony Blinken. Evento discutiu colaboração no cenário dos dados biológicos.

AI-Bioscience Collaborative International Summit teve a participação do secretário de Estado dos EUA Antony Antony Blinken. Foto: Chuck Kennedy

A união entre dados de saúde, inteligência artificial e biologia tem aberto um horizonte imenso de possibilidades na medicina contemporânea. Na área de dados biológicos, a descoberta de novas moléculas, tratamentos personalizados, uso de algoritmos em exames de imagens e soluções de apoio à tomada de decisão são algumas das finalidades que aparecem com mais destaque. Mas para destravar o potencial que existe nessa área, a comunidade científica tem se debruçado em construir pontes para uma atuação mais colaborativa, de forma a superar desafios não apenas técnicos como também políticos e econômicos.

Essa foi a força-motriz por trás do encontro de cientistas do mundo todo no AI-Bioscience Collaborative Summit (AIBC), evento que aconteceu em Washington D.C., nos Estados Unidos, entre os dias 31 de outubro e 1 de novembro. Durante o evento, a inovação biotecnológica baseada em IA, com foco na colaboração internacional para compartilhamento de dados biológicos e machine learning, foram assuntos que pautaram os dois dias de conferência.

“A IA já está revolucionando a área biomédica e todos os países sabem disso. Devemos também nos preparar para aproveitar esse potencial”, acredita Helder Nakaya, PhD em bioquímica e biologia molecular, pesquisador no Hospital Israelita Albert Einstein e um dos representantes do Brasil na conferência. “O mundo percebeu que, positivo ou negativo, o impacto da IA irá atingir a todos. Por isso, precisamos construir uma colaboração internacional forte e alinhada.”

Para Vanderson Sampaio, diretor de operações e pesquisador no Instituto Todos Pela Saúde (ITPS), se por um lado, a produção de dados aumentou, por outro, a maior parte deles ainda é subutilizada no contexto de saúde. “Há uma quantidade de dados muito grande sendo produzida em tempo real, mas eles ainda precisam ser mais bem utilizados por modelos nacionais de IA”

Dados biológicos vão além do genoma

Quando se fala em dados biológicos, é natural pensar em dados genômicos, ainda mais com a popularização desse tipo de tecnologia. Mas não se resume a isso. Informações de prontuários médicos, exames de imagens e resultados laboratoriais também compõem essa lista. “Um relato de febre, um exame de sangue ou um raio-x são considerados dados. Qualquer informação que seja derivada da biologia, de organismos biológicos, ou da área da saúde, pode ser usada pela IA para gerar inovações”, explica Nakaya.

Contudo, a pandemia escancarou o quanto os sistemas de dados e os métodos de vigilância de doenças atuais ainda são fragmentados. Problemas como múltiplos sistemas que não conversam entre si, fragilidade das plataformas e morosidade na atualização dos dados impactaram o curso da crise sanitária. Agora, os pesquisadores trabalham para evitar os mesmos erros no futuro e aprimorar as estratégias de vigilância em saúde ao conseguir utilizar tecnologias, como a IA, para transformar dados em informações práticas.

Por isso, o uso de dados biológicos de diferentes fontes para a predição de surtos, epidemias e até mesmo pandemias, começa a ganhar cada vez mais força. Alcançar esse patamar traria ganhos imensuráveis para a saúde coletiva, especialmente diante de um mundo no qual as ameaças patogênicas são cada vez mais frequentes em razão da crise climática.

Neste contexto, o Brasil pode ter uma vantagem. Isso porque o país conta com um banco de dados de saúde populacional longínquo, uma vez que o DATASUS foi criado ainda na década de 1990, com o Decreto 100 de 16.04.1991. Entretanto, seu potencial ainda é pouco explorado, principalmente no que diz respeito à predição de doenças e epidemias usando IA.

“Temos no país uma base de informação gigantesca, com mais de 25 anos de registros médicos de mais de 100 milhões de brasileiros”, lembra Nakaya. “Há uma frase que diz que ‘informação é o novo petróleo’. Bom, se essa analogia for verdadeira, o DATASUS é o nosso pré-sal. Temos um conjunto de informações de saúde muito rico que não é encontrado em nenhum outro país do mundo”, ele acredita.

Na visão do pesquisador, esse fator coloca o Brasil positivamente em destaque, com possibilidade de desenvolver seus próprios modelos de inteligência artificial no futuro.

Colaboração internacional é chave

Para escalar as soluções de saúde baseadas no uso de IA, no entanto, o treinamento com dados validados, representativos e com qualidade é essencial. Por isso, a colaboração entre países e bancos de dados internacionais é um objetivo que tem mobilizado a comunidade científica, mas ainda encontra impasses pelo caminho.

“Precisamos reunir pessoas que têm dados, que entendem de IA, entendem de gestão e colocá-las juntas para discutir e avaliar o que é preciso para desenvolver alguns projetos”, avalia Nakaya. “A inteligência artificial generativa é uma área de conhecimento tão nova, que não há grandes especialistas com mais de cinco anos de experiência. Mas isso também é bom, porque significa que está todo mundo no mesmo barco, aprendendo junto, e o Brasil tem que aproveitar esse momento.”

De acordo com ele, dados de saúde que são extremamente sensíveis e privados não podem ser compartilhados livremente. Por isso, foi discutido no evento o modelo de Federate Learning, onde não há necessidade de transferir os dados entre países. Ou seja, a colaboração acontece sem que um país tenha acesso aos dados de outro de fato. Apesar de solucionar a questão da privacidade dos dados, ele aponta limitações que podem impactar a efetividade do modelo.

“O país A desenvolve um modelo de IA com seus próprios dados. No Federate Learning, o país B pode rodar este modelo em seus dados sem revelar qualquer informação ao país A. O que é transmitido é a informação da performance do modelo. Se o resultado não for satisfatório, é preciso realizar ajustes e repetir o processo. O problema é que, embora seja o melhor que temos hoje, essa abordagem requer um enorme esforço de todos em deixar os dados ‘comparáveis’ e pode tornar o desenvolvimento lento”, explica o pesquisador do Einstein.

Sampaio faz uma comparação com o impasse sobre o acordo da pandemia, tentado pela Organização Mundial da Saúde. “Quando falamos de dado biológico, falamos de ativos que podem ou não ter implicações comerciais e políticas, e isso é um desafio. Por isso, a questão do compartilhamento de dados precisa ser avaliada dentro de cada contexto, para que possamos superar as barreiras.”

IA e medicina de precisão no SUS

O Instituto Todos Pela Saúde tem trabalhado no campo de epidemiologia digital – o uso de dados de buscadores como Google e de redes sociais, por exemplo, para encontrar padrões e detectar possíveis surtos e epidemias a partir do que as pessoas procuram ou postam na internet.

Sampaio destaca um projeto no qual foi usado o recurso de horários de pico do Google, presente ao buscar um determinado estabelecimento. Eles tentaram identificar o padrão de fluxo em diferentes dias e horários de locais relacionados à saúde, como farmácias, Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Pronto-Atendimento (UPA). “É uma forma distinta de pensar em fontes de dados e questionar como criamos um sistema de alerta que seja mais rápido do que os métodos tradicionais de vigilância”, diz o pesquisador.

Uma vez que a série histórica é construída, é possível identificar fugas da curva padrão do movimento, e explorar o que isso significa. “Hoje sabemos, na maioria das capitais do Brasil, qual é a média de frequência por hora e por dia de semana desse perfil de estabelecimento. Isso é uma camada de vigilância altamente sensível, pois uma alta no movimento pode significar uma doença, uma síndrome ali que ninguém está vendo ainda”, explica Sampaio.

O Einstein também já executa uma série de iniciativas via PROADI-SUS com foco no uso de dados no monitoramento, diagnóstico precoce e suporte ao uso prático dos dados do DATASUS. Agora, um novo projeto chamado Saúde de Precisão deve levar a IA ao SUS. Nakaya, que lidera um laboratório focado em ciências de dados e uso da IA na área da saúde – desde epidemiologia digital até a medicina de precisão –, explica que o projeto foi aprovado em outubro e pensado por um grupo de cientistas para viabilizar a medicina de precisão no sistema público.

Segundo ele, dados de saúde já coletados no SUS poderiam ser usados para alimentar modelos de IA que sirvam para predizer desfechos de pacientes diagnosticados com hipertensão, diabetes e diversas outras condições.

“Basicamente, você usa dados do SUS que já são coletados na rotina, tenta encontrar padrões e predizer desfechos. É possível predizer se um paciente estará em risco de infarto, por exemplo. Já que o SUS pode ter limitações de recursos para fazer medicina de precisão com dados moleculares e genômicos dos pacientes, podemos usar IA nesses outros tipos de dados de saúde como demográficos, históricos médicos, exames laboratoriais e imagens diagnósticas”, finaliza o pesquisador.

AI-Bioscience Collaborative International Summit teve a participação do secretário de Estado dos EUA Antony Antony Blinken. Evento discutiu colaboração no cenário dos dados biológicos.

AI-Bioscience Collaborative International Summit. Foto: Chuck Kennedy

Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

About the Author: Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.