Juntos pelos Cuidados Paliativos

Juntos pelos Cuidados Paliativos

Em artigo exclusivo para Futuro da Saúde, a bioeticista Luciana Dadalta traz uma reflexão sobre a importância dos cuidados paliativos

By Published On: 17/10/2023

Caro leitor, o que vem à sua mente quando você lê a expressão “Cuidados Paliativos”? É possível que venha palavras e expressões como como “incurável”, “morte’, “não tem mais nada o que fazer”. É possível, ainda, que você pense: “espero nunca precisar”. Todas essas palavras e expressões são comuns. No Brasil e na maior parte dos países do mundo.

Em suma, há uma falsa ideia de que os cuidados paliativos são apenas para quem está morrendo, mas isto não é verdade. Os cuidados de fim de vida fazem parte dos cuidados paliativos, mas este não se resume àquele. Sim, os cuidados paliativos se preocupam com os moribundos e cuidam para que estes cheguem ao fim de suas vidas da maneira mais digna possível. Mas os cuidados paliativos também se preocupam com pessoas gravemente doentes que não estão moribundas e cuidam para que elas tenham o tratamento mais digno possível, inclusive curativo.

Todavia, poucas pessoas enxergam isso. A verdade é que o preconceito e o desconhecimento sobre os cuidados paliativos são uma epidemia mundial que causa mortes dolorosas a pessoas que foram diagnosticadas com uma doença ameaçadora da vida. Segundo a Worldwide Hospice Palliative Care Alliance (WHPCA)¹, a necessidade anual de cuidados paliativos no mundo são alarmantes:

  • 57 milhões de pessoas no mundo necessitam de cuidados paliativos por ano
  • Mais de 25 milhões destas pessoas estão em fim de vida
  • 82% de todas as pessoas que precisam de cuidados paliativos vivem em países de baixa e média renda
  • 18 milhões de pessoas morrem com dor e sofrimento desnecessário

Por isso, há dezenove anos, o segundo sábado do mês de outubro é considerado o Dia Mundial de Cuidados Paliativos, momento em que paliativistas de todo o mundo se unem para apoiar esta abordagem de cuidados e sensibilizar a população acerca do tema. Em 2023, este dia aconteceu no último sábado, 14 de outubro e teve como slogan “Comunidades Compassivas: Juntos pelos Cuidados Paliativos!”

Comunidades Compassivas

Comunidades compassivas são um modelo social de cuidado de saúde pública que capacitam moradores de locais vulnerados para que cuidem daqueles que estão gravemente doentes e, em especial, daqueles que estão em fim de vida.

No Brasil, o modelo de comunidade compassiva foi introduzido pelo enfermeiro Alexandre Silva em 2018, nas favelas do Vidigal e da Rocinha², no Rio de Janeiro. Agora, em 2023, já existem comunidades compassivas em Heliópolis-SP, em Goiânia-GO, e nas cidades mineiras de Belo Horizonte e Betim. Em todas elas, o modelo é o mesmo: profissionais de saúde voluntários capacitam os moradores para que eles cuidem de seus vizinhos que estão gravemente doentes.

Em 13.10.2023, o prestigiado jornal científico The Lancet publicou o artigo “O papel e a contribuição das comunidades compassivas”³, assinado por pesquisadores da Austrália, da Alemanha, da Malásia, do Reino Unidos e dos EUA. Os autores começam o texto afirmando que “a compaixão coletiva é uma forma de capital social que é largamente inexplorada nas comunidades de todo o mundo.”

Infelizmente, eles estão certos.

Mas, felizmente, eles também estão certos ao afirmarem que “a morte, o morrer, a perda e o cuidado podem ser vistos como eventos médicos que necessitam de avaliação, tratamento e apoio profissional. Mas também podem ser vistos como acontecimentos sociais que ocorrem no contexto mais amplo da vida das pessoas. A primeira ocorre dentro dos limites das instituições de saúde e de assistência social, ou nas casas das pessoas. Este último ocorre em todos os lugares.”

Os cuidados paliativos fazem exatamente isso. Olham para a morte, o morrer, a perda e o cuidado como acontecimentos sociais; veem a morte como ela é: um fato natural; veem o adoecimento como ele é: uma possibilidade, que pode ser menos sofrida se os doentes forem acolhidos em todas as suas dimensões de sofrimento – físicas, emocionais, sociais e espirituais.

Reflexão sobre cuidados paliativos

Bem, você que chegou até aqui pode, então, estar se perguntando “afinal, o que são cuidados paliativos?”. E sim, eu poderia trazer aqui inúmeros conceitos de organizações internacionais abalizadas, como a OMS. Mas optei por convidá-los a fazer exercício de imaginação proposto pelos R. Sean Morrison  e Mireille Jacobson4, dois geriatras paliativistas estadunidenses, em um artigo publicado no dia 23.03.2021 no portal Stat News:

“Imagine que haja um tratamento para uma pessoa gravemente doente que melhore a qualidade de vida, diminua a depressão, a possibilidade de que o paciente precise ser internado e aumente a sobrevida. Você gostaria de receber este tratamento?”

Ele já existe e se chama “cuidados paliativos”, porque é exatamente isso que os cuidados paliativos proporcionam.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam:

Cuidados Paliativos não são eutanásia.

Cuidados Paliativos não significam “não fazer nada”.

Cuidados Paliativos não são abandono terapêutico.

Cuidados Paliativos não significam prescrever morfina.

Cuidados Paliativos não são sinônimos de tratamento paliativo.

Cuidados Paliativos não significam não fazer hemodiálise.

Cuidados Paliativos não são sinônimos de cuidados de fim de vida.

Cuidados Paliativos não significam não intubar.

Cuidados Paliativos não são opostos aos tratamentos que objetivam a cura.

Cuidados Paliativos não são uma abordagem de cuidados com objetivo de economizar dinheiro.

Assim, quero aproveitar o Dia Mundial de Cuidados Paliativos para dizer exatamente o que são estes cuidados: Cuidados Paliativos são um Direito Humano e um Direito Fundamental e devem ser ofertados a todos os cidadãos brasileiros que deles necessitarem.

Por isso, precisamos construir nosso capital social por meio da compaixão coletiva. E uma das melhores formas de começarmos é lutando por cuidados paliativos universais e equânimes para todos os que dele necessitam. Não nos esqueçamos: cuidados paliativos não são para quem está morrendo. Cuidados paliativos são para quem está sofrendo.

*Luciana Dadalto é bioeticista e advogada especialista em Direito Médico e da Saúde. Pesquisadora de temas relacionados aos Cuidados Paliativo e aos Direitos do Pacientes com doenças ameaçadoras da vida. Coordenadora dos livros: “Cuidados Paliativos: aspectos jurídicos”, “Cuidados Paliativos Pediátricos: aspectos jurídicos”, “Bioética e Cuidados Paliativos” e “Bioética e Cuidados Paliativos Pediátricos.


  1. Disponível em: https://thewhpca.org/, acesso em 16 out. 2023.
  2. Para maiores informações, acesse o perfil no Instagram @favelacompassiva.
  3. Mills, J; et. al. The role and contribution of compassionate communities. 13.10.2023. Disponível em: https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2823%2902269-9, acesso em 16 out. 2023
  4. Jacobson, M; Morrison, RS. Palliative care works, so why is it rarely used? Follow the money. 23.03.2021.Disponível em: https://www.statnews.com/2021/03/23/palliative-care-works-so-why-is-it-rarely-used-follow-the-money/, acesso em 16 out. 2023.
Luciana Dadalto

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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