Covid longa: diagnóstico e tratamento dos cada vez mais variados sintomas é um dos maiores desafio da medicina no pós-pandemia
Covid longa: diagnóstico e tratamento dos cada vez mais variados sintomas é um dos maiores desafio da medicina no pós-pandemia
Em julho, um estudo publicado na revista científica Nature Medicine […]
Em julho, um estudo publicado na revista científica Nature Medicine apontava que pelo menos 62 sintomas poderiam ser associados à condição pós-infecção em adultos não hospitalizados. Outra pesquisa, publicada na Clinical Medicine e conduzida por cientistas de Londres, Nova Iorque e Portland, identificou 203 sintomas associados à Covid longa, envolvendo dez órgãos diferentes do corpo humano. E um levantamento brasileiro, conduzido pela Fiocruz Minas, indicou que metade das pessoas diagnosticadas com Covid apresentam sequelas que podem durar por mais de um ano.
Mais recentemente, no início de agosto, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), publicou uma chamada para propostas de projetos relacionados a pesquisas sobre Covid longa, com previsão de investimentos de até R$ 27 milhões.
A condição tem sido um desafio nos consultórios de praticamente todas as especialidades médicas e, passados quase três anos de pandemia, a Covid e suas inúmeras consequências para a saúde da população ainda estão envoltas em mistérios que cientistas do mundo todo tentam desvendar.
Desafios do pós-Covid
O consultor técnico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e membro do Comitê Extraordinário de Monitoramento da Covid-19 (CEM Covid) da Associação Médica Brasileira (AMB), Hélio Bacha, faz parte de um grupo de médicos que foi responsável por desenvolver protocolos e diretrizes para várias condições terapêuticas, incluindo a infecção pelo novo coronavírus. “Mas quando o assunto é Covid longa, encontramos muitas incertezas. Trata-se dos parâmetros mais difíceis de serem definidos: o diagnóstico e a terapia para essa condição”, afirma.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), define os casos de Covid longa como aqueles em que os pacientes apresentam sintomas, algumas semanas após serem diagnosticados com Covid-19, que não podem ser explicados por nenhum outro diagnóstico alternativo.
Na visão de Bacha, é a imensa variedade de sintomas que prejudica o entendimento da síndrome. “Cada pessoa apresenta uma queixa diferente: há perda de força muscular, perda de memória e até ressecamento da pele. Em muitos casos, não sendo condições raras e bastante específicas como perda da capacidade gustativa e olfativa ou a perversão olfativa, não dá nem ao menos para saber se o sintoma tem a ver com o fato de o paciente ter sido infectado pelo vírus ou se é algo que está acontecendo naturalmente e independentemente do Covid”, diz.
Covid longa: os sintomas dos pés à cabeça
No consultório de Eduardo Uchôa, diretor da regional centro-oeste da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), as queixas mais frequentes de sintomas em pacientes que tiveram Covid são alterações cognitivas, alterações persistentes do olfato e do paladar, alterações do sono, dores de cabeça, falta de ar, fadiga intensa, dores musculares e palpitações. Cada consulta é um caso e um aprendizado diferente.
“As demandas são diferentes entre os indivíduos, especialmente entre aqueles que possuem alguma comorbidade prévia, como enxaqueca ou depressão. Em relação às queixas cognitivas, ainda existem muitas dúvidas sobre esta questão. Os estudos tentam responder como é a evolução desses sintomas ao longo do tempo”, ressalta.
Já no dia a dia da ginecologista Gabriela Pravatta Rezende, da Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), alterações no ciclo menstrual, problemas de memória, indisposição e queda de cabelo são, em ordem decrescente, as queixas mais frequentes.
“‘Será que isso tem a ver com o Covid?’ é a pergunta do milhão. Estamos sendo atropelados pelas informações, pelos sintomas, pelo que os pacientes relatam e é muito difícil estabelecer uma relação de causa e efeito”, ressalta. “Qualquer coisa pode afetar a menstruação, por exemplo. Estresse, alimentação, sono, atividade física e a rotina do paciente. O eixo que regula o ciclo menstrual é muito sensível e às vezes um sintoma que, em diferentes tempos, nem seria percebido, acaba sendo relacionado a uma consequência da infecção pelo vírus”.
O que não tem diagnóstico, diagnosticado está
Para Hélio Bacha, enquanto não há respostas mais claras sobre síndrome ou um tratamento específico comum a todos que, de alguma forma, sentem as consequências do vírus depois de curados da infecção, a solução é simples: investigar o sintoma para descartar outras causas e tratá-lo. “Não adianta pensarmos no Covid, por um lado, porque o vírus já foi tratado. O que resta é o dano que foi provocado naquela pessoa”, diz.
Na parte ginecológica, como aponta Gabriela Rezende, os sintomas apresentados podem não ser graves ou aumentar a morbidade, mas pioram a qualidade de vida dos pacientes e é no resgate do bem-estar que é preciso focar. “Alguns estudos indicam que as condições hormonais pós-covid são autolimitadas e se resolvem sozinhas, com o tempo. Mas temos que dar atenção a isso e não apenas esperar passar enquanto o paciente está em sofrimento. Saúde é bem-estar físico, social e sexual também, não é uma coisa só. Temos que avaliar os pacientes como um todo”.
Para cuidar, então, das causas desconhecidas, vai-se utilizando tratamentos e protocolos conhecidos até que novas descobertas possam gerar novas diretrizes.
Um único remédio para todos os males
De acordo com uma publicação da revista Nature, pelo menos 26 estudos estão em andamento para testar terapias com o objetivo de tratar a Covid longa. Outro caminho possível são medicamentos já desenvolvidos para combater o vírus, como o Paxlovid, da Pfizer, utilizado para prevenir casos graves da infecção e que já deu indícios de poder ser uma solução para alguns casos de Covid longa, mas ainda sem estudos que comprovem esses resultados em larga escala.
Eduardo Uchôa cita também pesquisas com medicamentos que potencialmente poderiam atenuar o processo inflamatório, reduzindo, assim, as chances de deixar sequelas. E para Gabriela, da Febrasgo, o remédio será o tempo.
“Talvez daqui a alguns anos tenhamos essas respostas e poderemos entender como o vírus atua em cada parte do corpo, podendo até mesmo prever e medicar os pacientes antes do aparecimento dos sintomas”, aposta a ginecologista. “Até lá, precisamos protocolar condutas para evitar procedimentos desnecessários e encontrar as melhores estratégias para combater essas queixas”.
É fundamental também, de acordo com Bacha, que seja criado, a curto prazo e com urgência, um sistema de diagnóstico, terapia e acompanhamento desses casos. “Os pacientes que apresentam a síndrome pós-Covid não podem ficar abandonados. É preciso atenção, inclusive da saúde pública, para que sejam montadas equipes de atendimento multidisciplinares preparadas para lidar com cada diferente sintoma que possa aparecer”, ressalta.
“Um único estudo clínico é de difícil realização, porque as consequências possíveis do Covid no organismo são muito variadas. Assim como uma terapia única para tratar os vários sistemas afetados parece utópica nesse momento. Temos, então, o desafio de entender o conjunto e a extensão do problema e precisamos ter profissionais de múltiplas especialidades focados nisso”, conclui.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.