Covid-19: O que muda com o fim da emergência em saúde pública?
Covid-19: O que muda com o fim da emergência em saúde pública?
No último domingo (17), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga,
No último domingo (17), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fez um pronunciamento oficial para declarar o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em vigor desde fevereiro de 2020, por conta da pandemia de Covid-19. O ministro ainda informou que o texto que revoga o decreto inicial deve ser publicado nos próximos dias, levando em conta a melhora no cenário epidemiológico, a cobertura vacinal e capacidade de assistência do SUS. A ação desobriga o Ministério a planejar, organizar, coordenar e controlar as medidas da pandemia no país, mas segundo Queiroga, nenhuma política pública de saúde será interrompida.
No entanto, especialistas enxergam como precoce a medida, e alertam para o possível impacto jurídico de se revogar a emergência já que, com a chegada da Covid no Brasil, diversas leis e medidas provisórias entraram em vigor apenas enquanto durar a situação. Espera-se um período de transição para adequar as políticas públicas e avaliar como a pandemia se desenrola no período. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) sugere um prazo de 90 dias.
Cerca de 170 medidas do Ministério da Saúde podem sofrer com a mudança. Entre as principais, estão a autorização emergencial da CoronaVac, vacina contra a Covid que ainda não tem um registro definitivo, o uso do Paxlovid, medicamento aprovado no final de março que reduz casos graves e mortes pela doença, e a autorização da telemedicina, que ocorre em caráter emergencial e aguarda regulação definitiva. Com a retirada da Emergência em Saúde, ambas podem acabar sendo suspensas. Ainda, estados e municípios tem contratos que se enquadram na mesma situação.
Essa é uma das preocupações de Claudio Maierovitch, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), ex-presidente da Anvisa e membro da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp). “Algumas medidas são suspensas imediatamente porque perdem o respaldo jurídico para serem continuadas. Outras precisam ser revistas ou substituídas. O fato é que isso vai exigir um trabalho enorme dos gestores para que não haja prejuízos tanto ao atendimento como às medidas de prevenção”, afirma.
Maierovitch aponta que em outros momentos que foi decretado emergência em saúde pública no Brasil, não houve pressa para declarar o fim, pois os esforços estavam voltados para o controle das doenças. À medida que foi de fato tendo uma melhor situação epidemiológica, as medidas administrativas se adequaram. A emergência por conta do zika vírus, por exemplo, durou de novembro de 2015 a maio de 2017.
À época, o Ministério da Saúde afirmava que não se enquadrava mais nos requisitos estipulados pela Organização Mundial da Saúde, que eram: o impacto do evento sobre a saúde pública; se o evento é incomum ou inesperado; se há risco significativo de propagação internacional; e se há risco significativo de restrições ao comércio ou viagens internacionais.
“Olhando do ponto de vista técnico, no Brasil nós continuamos com um cenário de excepcionalidade que continua trágico com a Covid. Nós não podemos simplesmente assumir que a existência de uma doença que causa 100 mortes por dia que não acontecia antes, já neste patamar novo que vivemos significa 3 mil mortes por mês, que isso seja considerado normal e não se configure uma situação que exige medidas emergenciais”, afirma o vice-presidente da Abrasco, que acredita que a posição tem mais a ver com interesses eleitorais e políticos, para passar a mensagem de que “o país vai muito bem” em ano de eleição.
Situação no mundo
Uma das grandes preocupações dos especialistas é o que o Brasil esteja vivendo uma “lua-de-mel” entre as ondas da Covid, e que o aumento de casos possa ocorrer novamente. “Ainda acho difícil prever como estará a situação epidemiológica nos próximos meses. Eu espero, e acho que todo mundo torce, pela melhora dos números. Mas vale lembrar que não tem sido assim na Ásia e em muitos países europeus. Tem que manter a preocupação e a estrutura que foi organizada, ainda que muito precária, para dar conta da doença”, alerta Maierovitch.
A posição é semelhante a do infectologista Julival Ribeiro, coordenador do Núcleo de Controle de Infecção do Hospital de Base do Distrito Federal e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). “Realmente os novos casos e mortes vem caindo drasticamente, e isso se deve sobretudo à vacinação. Mas temos que ver o que está ocorrendo ao redor do mundo. Alguns estados dos EUA voltando a usar máscara, a Índia começa a ter um grande número de casos, sem falar sobre a Coréia do Sul e a China, que declarou lockdown”, aponta Julival.
De acordo com o médico, com a subvariante BA.2 da ômicron demonstrando ser altamente transmissível, predominantemente em diversos países e driblando a proteção das vacinas, existe o risco de termos novas ondas no Brasil. Com o vírus circulando, e com uma vacinação desigual no mundo, há também o risco do surgimento de novas variantes. Recentemente, a OMS fez um alerta de que 21 países não atingiram nem 10% da população vacinada, e 68 países não atingiram a meta estipulada pela organização, de 40% da população vacinada.
“Quanto adolescentes já fizeram o reforço aqui no país? Sem a terceira dose, já se sabe que mesmo jovens têm uma queda da proteção em torno de 4 meses e tem uma maior probabilidade de se infectar. Além do que, nós não temos vacinas para crianças até 5 anos, que ainda nenhuma foi aprovada”, alerta Ribeiro.
Mesmo que o Brasil retire a emergência nacional, a Covid não pode ser considerada uma endemia. Ela segue sendo uma pandemia e somente a OMS pode rebaixar a classificação. No último dia 13, a organização afirmou que a doença continua sendo uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.