Redução de judicialização entrará na pauta da ANS. Agência assinará acordo com CNJ
Redução de judicialização entrará na pauta da ANS. Agência assinará acordo com CNJ
Paulo Rebello, da ANS, participou de evento com juízes sobre a judicialização da saúde e falou com Futuro da Saúde que cooperação entre CNJ e agência é caminho para reduzir a judicialização na saúde suplementar
A judicialização da saúde segue como tema central para redução de custos e sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e da saúde suplementar. Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabeleceu regras mais criteriosas para o fornecimento de medicamentos via judicial, a saúde privada agora busca se aproximar do Judiciário.
Em entrevista ao Futuro da Saúde, Paulo Rebello, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), disse que a assinatura de um acordo de cooperação com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve ocorrer nesta semana e foca na extensão dos pareceres técnico-científicos dos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), que servem para embasar as decisões de juízes com critérios técnico-científicos.
“O acordo vai no sentido de tentarmos achar uma solução, porque hoje os sistemas de saúde estão cada vez mais parecidos. Se formos observar, a incorporação de tecnologia que entra no setor público tem um prazo de 60 dias para ser incorporada na saúde suplementar. Tem uma similaridade já desse processo como um todo e não é razoável avançar nas decisões do STF se você não olhar também para a saúde privada. Estamos avançando nesse debate e no futuro próximo estará se resolvendo”, afirmou Rebello.
A conversa ocorreu durante o evento “Judicialização na Saúde: um grande desafio da sociedade brasileira”, realizado pela Mútua dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro e pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, na última sexta-feira, 8 de novembro.
Reunindo juízes, especialistas da saúde pública e executivos ligados à saúde suplementar, o fórum discutiu diferentes temas que envolvem os desafios e as soluções para a judicialização da saúde no Brasil. Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estiveram presentes no evento.
Um deles foi o ministro Marco Aurélio Bellizze, que falou sobre a importância da decisão do STF para organizar o sistema, afirmando que, com ela, “o Brasil prestigiou a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec)”, já que a recomendação de tecnologias em saúde pela Conitec será essencial para avaliar se um processo irá tramitar na justiça ou não.
“Infelizmente, é um juiz que tem que assumir um papel que não lhe foi atribuído especificamente pela lei e que não tem preparo para isso, mas o nosso coração, às vezes, nos leva a decisões acertadas para resolver o dilema do momento. O juiz não vai pensar o sistema, mas o sistema tem de ter esse diálogo, estabelecer políticas públicas objetivas, conscientes e responsáveis com base na ciência”, observa o ministro, destacando, também, o papel do sistema em informar a sociedade de seus direitos e das limitações dos órgãos que prestam esse serviço.
Judicialização na saúde suplementar
De acordo com o Painel da Judicialização da Saúde, elaborado pelo CNJ, mais de 335 mil novos processos ligados à saúde suplementar ingressaram no sistema judiciário em 2024. O número de novos processos aumenta ano a ano, e o tema segue no centro do debate das operadoras de planos de saúde.
“O que temos são divergências com relação ao entendimento. Existe um órgão regulador que define quais são os direitos e os deveres de cada beneficiário e cada operadora, e simplesmente desconsidera aquilo que está colocado no Judiciário, com um argumento de princípios. Não tem nada errado, mas dentro de uma lógica principiológica, sem considerar aquilo que está previsto no contrato, vai ter essa divergência e esse estímulo cada vez maior a judicializar”, observa o diretor-presidente da ANS.
Segundo a Agência, reclamações sobre cobertura são as mais frequentes. Apesar de ter um sistema para mediar conflitos, a Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), o número de processos judiciais segue aumentando, o que acende um alerta no setor, principalmente em relação a tratamentos de alto custo.
“Alguma coisa está errada. Precisamos entender qual o problema para, no caso, tentar encontrar uma solução. Se o princípio da deferência for observado, com certeza vamos ter uma saída, o critério vai proteger a todos. O que está acontecendo hoje é que são vários os entendimentos e critérios que são adotados por cada um dos magistrados por temas que muitas vezes a gente já teria uma solução. Acaba abrindo a possibilidade da judicialização, e, assim, não conseguimos reduzir nunca esse número”, comenta Rebello.
Segundo ele, a lei 14.454/2022, chamada informalmente de “lei do rol exemplificativo“, trouxe um aumento exponencial das reclamações. No entanto, a ANS segue respondendo que não tem competência legal para estabelecer, o que pode estar ligado a esse aumento da judicialização.
“Quando o senador Romário (PL-RJ) propôs o projeto, o discutimos em audiências públicas no Congresso e sugeri que a ANS pudesse fazer essa avaliação de tecnologia em um prazo exíguo. Se tem o intuito de avaliar segurança, eficácia e eficiência daquilo que vai ser ofertado, por que não seguir o fluxo adequado, que seria avaliação de tecnologia em saúde? Simplesmente encontraram uma solução para desconsiderar aquela forma já consolidada no Brasil e optar por uma forma alternativa para simplesmente, em uma prescrição médica, obrigar a operadora a pagar um tratamento”, pontua o diretor-presidente da Agência.
Rebello afirma que agora o senador Romário trabalha em um novo projeto de lei para obrigar a ANS a regulamentar a lei 14.454/2022, dando competência legal. Atualmente, o beneficiário tem a negativa da operadora e não consegue suporte do órgão regulador para ter o cumprimento da lei, que surgiu em resposta a uma decisão do STJ, que considerou o rol taxativo, mas com possibilidade de exceções.
“O senador diz ‘vocês precisam estar fiscalizando’, mas ele nos excluiu desse processo lá atrás. Temos que estar na lei. Eu só posso fazer aquilo que tá previsto em lei, não posso inovar”, observa Rebello, que aponta que a parceria com o CNJ serve para frear a judicialização, principalmente com o surgimento da lei do rol exemplificativo. Segundo o diretor-presidente, a ideia é replicar o e-Natjus, um repositório de pareceres para subsidiar os magistrados, para a saúde suplementar.
Visões dos juízes e mercado sobre a judicialização
“Se a gente olhar o papel do judiciário hoje, que aliás vem sendo criticado exatamente por isso, ele é chamado a decidir matérias nos mais diversos segmentos da sociedade que não competem originalmente ao Poder Judiciário. São matérias que deveriam ser debatidas no Poder Legislativo. São matérias que deveriam ser debatidas e implementadas pelo Poder Executivo. E que não foram ou não são implementadas e produzidas de uma forma satisfatória”, afirma o desembargador Antonio Siqueira, ex-presidente da Mútua dos Magistrados do Rio de Janeiro.
Segundo ele, muitos dos temas que motivam os processos não mudaram nos últimos 10 anos. O magistrado faz um paralelo com a Lei do Inquilinato, que mudou o cenário de processos relacionados à locação de imóveis no país — antes da lei, a judicialização do tema tinha grande impacto no Judiciário.
“A ANS cria regras, os planos descumprem, são aplicadas multas e essas multas vão parar nos Judiciários, e tudo fica na mesma”, comenta o desembargador, que lembra que esse assunto já era discutido na Mútua dos Magistrados no começo dos anos 2010, quando estava no órgão. “O que muda é que a tecnologia é diferente daquela época, mas os questionamentos de cláusula abusiva, de descumprimento contratual, de busca de uma tecnologia que é absolutamente inviável de adoção são os mesmos”, afirma.
Presente no evento, o desembargador Cesar Felipe Cury observou que o uso de inteligência artificial tem avançado no Judiciário, para melhor orientar os juízes em suas decisões, o que pode ajudar em decisões. Segundo ele, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já está utilizando o ASSIS, ferramenta de suporte à jurisdição capaz de construir minutas de relatórios, decisões e sentenças em processos judiciais eletrônicos.
“Esse projeto tecnológico já está em operação, dando seus primeiros resultados e a partir da próxima semana se abre para contemplar também a saúde suplementar. Daqui alguns dias, a saúde suplementar também poderá utilizar uma plataforma baseada inteligência generativa para produção de critérios para tomadas de decisão baseada em evidências da nossa própria jurisprudência”, explica o Cury.
Renato Casarotti, diretor de relações institucionais da Amil e vice-presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), reforça que a decisão do STF foi importante para organizar a judicialização da saúde pública, principalmente por validar as funções da Conitec em avaliar a custo-efetividade, o que pode ter consequências para a saúde suplementar. Isso porque a Lei nº 14.307 de 2022 estabeleceu prazo de 60 dias, após a protocolação do pedido, para medicamentos incorporados ao SUS entrarem no rol de procedimentos e eventos em saúde, lista que estabelece a cobertura obrigatória das operadoras.
Contudo, Casarotti aponta que, após a recente decisão do STF, já é possível observar mudanças no processo de incorporação. “Nós começamos a identificar, depois da súmula, que o pedido de incorporação de algumas tecnologias está vindo só na saúde suplementar, para tentar fugir da negativa da Conitec”, observa.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.