Parceria e colaboração são elementos chave para melhorar o cenário das doenças crônicas não transmissíveis no país
Parceria e colaboração são elementos chave para melhorar o cenário das doenças crônicas não transmissíveis no país
Colaboração entre setor público e privado têm potencial de melhorar gestão, acesso e a sustentabilidade do sistema de saúde.
Diante dos enormes desafios da saúde, que passam pelo aumento de doenças crônicas, envelhecimento da população, acesso e financiamento, é cada vez mais urgente que soluções inovadoras e eficazes ganhem espaço para garantir uma saúde equitativa e um sistema sustentável. Mas como muitas das condições que afetam a saúde das pessoas são multifatoriais, os esforços para resolver a equação demandam também olhares distintos e colaboração entre setores público e privado para lidar com tudo de maneira eficiente.
A obesidade, por exemplo, vai muito além da jornada do indivíduo em si. Pensando em sistema, envolve educação, treinamento, gestão, mobilidade, apenas para citar alguns. É um pouco como o conceito que ficou consagrado no livro Freakonomics, de Steven Levitt e Stephen Dubner, que explora que é preciso olhar além do óbvio para entender como algumas questões se refletem em consequências que parecem não ter relação.
“As doenças crônicas são multifatoriais e têm uma relação muito forte com a forma como as nossas cidades são estruturadas, com a forma como ocorre ou não o acesso aos cuidados necessários”, afirma Patricia Byington, gerente de sustentabilidade da Novo Nordisk no Brasil. “Por isso, costumamos dizer que as cidades estão na linha de frente do desafio das doenças crônicas, principalmente em relação à diminuição das desigualdades a partir desse olhar sistêmico e intersetorial. Qual é o acesso à alimentação nesse espaço urbano? Quais são as oportunidades de atividade física?”
É neste contexto que as parcerias se tornam elementos-chave para transformar cenários. Isso é especialmente relevante quando se analisa o cenário das doenças crônicas não transmissíveis, responsáveis anualmente pela morte prematura de 17 milhões de pessoas anualmente, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Em uma reportagem do Futuro da Saúde, já mostramos que o impacto econômico do sobrepeso e da obesidade, por exemplo, ultrapassará US$ 4 trilhões até 2035 no mundo.
Aprender a alinhar objetivos e agendas em comum entre os setores tem sido um grande aprendizado, segundo Leonardo Correia Pinto, gerente de acesso da Novo Nordisk: “Alinhar a comunicação, o discurso e as expectativas são pontos fundamentais para superar a barreira da desconfiança para o surgimento de novas parcerias”. Ele explica que isso exige um olhar focado no paciente para a construção de um diálogo produtivo com o poder público.
Cidades na linha de frente do combate às DCNTs
Fato é que parcerias entre o setor público e o setor privado, que antes eram vistas principalmente como mecanismos de financiamento para grandes projetos, têm o potencial de pavimentar o caminho para revolucionar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, trazendo soluções que sejam economicamente viáveis e eficientes. E é possível ver isso na prática.
Um exemplo é o programa Cities Changing Diabetes (CCD), idealizado pela Novo Nordisk em parceria com a Steno Diabetes Center Copenhagen, University College London, e que está presente em mais de 40 cidades ao redor do mundo. Nas parcerias com os governos municipais, são analisadas as necessidades e peculiaridades da população juntamente com outros agentes e instituições locais e, a partir das discussões e dados produzidos, elaboradas ações que visem a prevenção do diabetes tipo 2 e da obesidade.
No Brasil, a primeira cidade a aderir ao CCD foi Campinas, no interior paulista. Prestes a começar o segundo ciclo, o programa conta com a participação das secretarias de Saúde, Assistência Social, Esportes e Lazer, Educação, Cultura e Turismo e CEASA da cidade. O projeto é feito em parceria entre a empresa de saúde, a Prefeitura de Campinas e a Impact Hub – iniciativa especializada em implementar projetos relacionados aos Objetivos Globais de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e ações de impacto socioambiental. Lá, o foco na prevenção da obesidade foi definido após a realização de mapeamentos com gestores municipais e com a comunidade local.
“A estratégia da gestão atual já ia ao encontro dos objetivos do Cities Changing Diabetes, e a prefeitura abraçou o projeto desde o início, então foi uma parceria muito bem casada. Ter esse apoio é fundamental, pois como o próprio nome da iniciativa sugere, acreditamos que o ambiente urbano influencia muito a maneira como vivemos, os nossos hábitos. Não é à toa que as grandes cidades concentram as maiores taxas de obesidade”, pontua Aline Barros, coordenadora do projeto CCD na Impact Hub.
Após a identificação dos pontos a serem abordados pelo projeto, foi dado o primeiro passo, que teve como foco a conscientização e capacitação dos próprios funcionários municipais sobre a obesidade, a estigmatização da doença e seus desafios. O ciclo inicial de treinamentos, que abrangeu profissionais de seis distritos da cidade, foi realizado entre março e abril deste ano.
De acordo com Renata Cauzzo Zingra Mariano, coordenadora da enfermagem e profissional de referência da Secretaria Municipal de Saúde no CCD em Campinas, os resultados já são perceptíveis, embora ainda sejam preliminares: “Após a capacitação nessa primeira fase, a gente consegue observar que os profissionais estão fazendo o registro de dados como peso e estatura do paciente com maior frequência. Agora há essa preocupação de parar, medir e registrar em todo o atendimento. Temos visto uma melhora nesses indicadores.”
Colaboração e espaço para diálogo são indispensáveis
No Brasil, a obesidade passou a ser reconhecida oficialmente como doença pelo Ministério da Saúde em 2006 e, há uma década, passou a integrar a Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas. Ou seja, foi a partir da última década que o tema foi ganhando cada vez mais atenção e tem se estabelecido como pauta de saúde pública em todo o mundo. Um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas e publicado no início de 2023 chamou atenção para a necessidade de intervenções que olhem para além da ingestão calórica ao debater a prevenção e o tratamento da doença. Urbanização, ambiente construído, inatividade física e política comercial foram alguns dos fatores associados ao aumento da prevalência da obesidade na população brasileira.
Neste cenário, o Painel Brasileiro da Obesidade (PBO), uma iniciativa do Instituto Cordial criado em 2020, é outro projeto que busca fomentar o diálogo e estimular parcerias sobre a condição no Brasil. A primeira medida foi a criação de um mapa sobre o universo que engloba a obesidade para identificar com precisão as principais dores e os atores que deveriam ser integrados aos conselhos e participar das discussões promovidas.
“Ainda temos poucos consensos sobre como lidar com a obesidade no contexto da saúde pública”, avalia Luis Fernando Villaça Meyer, diretor de operações do Instituto Cordial. “Então, temos vários grupos de atores falando sobre o tema de formas diferentes, inclusive o poder público. Estamos em um momento muito crítico de aumento da prevalência da doença na população brasileira, e muito disso se dá por não termos o alinhamento nessas várias perspectivas. O desafio do PBO é identificar todas essas vozes, documentos e estudos e ajudar na coordenação de alinhamento”.
Desde seu surgimento, o PBO já se reuniu com representantes da esfera pública, associações de pacientes, saúde suplementar, indústria farmacêutica, profissionais da saúde e mais. No início do ano, houve encontros com a nova gestão do Ministério da Saúde para debater diretrizes e os dados ligados à doença. Na ocasião, participaram também o Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde (Depros) e as Coordenadorias Gerais de Alimentação e Nutrição (CGAN) e de Condições Crônicas (CGPCC).
A construção de dados públicos sólidos sobre a obesidade no país tem sido um dos principais focos do instituto no momento, como ressalta Meyer: “Temos trabalhado na reconstrução de bancos de dados públicos, especialmente o Vigitel, a PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), o Sisvan (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional) e a POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) e várias bases de dados, tanto de inquéritos nacionais, quanto os sistemas de dados que têm algum tipo de atributo relacionado à obesidade. Foram mapeados milhares de agentes públicos e privados neste sentido”.
Troca de expertises entre público e privado
Esse olhar mais sistemático, com metodologia aprofundada, é uma das principais contribuições do setor privado em parcerias com o poder público, que unem esforços e expertises para compartilhar conhecimento e abordagens possíveis em prol da saúde. Com a agenda de ESG – sigla em inglês que significa governança ambiental, social e corporativa – ganhando cada vez mais protagonismo, as empresas têm desenvolvido mais iniciativas de impacto positivo nas comunidades locais, compartilhando conhecimento e tecnologia com os poderes através dos mais diferentes modelos de parceria.
“O setor privado tem um acesso maior a metodologia e inovação, então é mais fácil de aprimorar o que nós, enquanto prefeitura, já estamos fazendo. Tem ainda o fato de ter esse olhar externo, novo, que traz também novas perspectivas e possibilidades de ideias. A troca de experiência tem sido muito rica”, destaca Renata Mariano, do CCD de Campinas.
Para Aline Barros, da Impact Hub, trabalhar a intersetorialidade em uma iniciativa que reúne parceiros públicos e privados é desafiador, mas o resultado tem sido muito positivo: “O Cities Changing Diabetes vem justamente com essa ideia de fortalecimento da visão e ação municipal para saúde a partir dessa intersetorialidade, que é extremamente relevante para a promoção de saúde. Abordar a prevenção da obesidade infantil nas escolas é uma estratégia importante, por exemplo, uma vez que uma criança com obesidade tem mais chances de se tornar um adulto com a mesma condição”.
Um relatório do Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional apontou que, até setembro de 2022, mais de 340 mil crianças de 5 a 10 anos de idade foram diagnosticadas com obesidade.
Ressignificação de papéis e responsabilidade
A crise no ecossistema de saúde também mudou a forma como o setor se posiciona. Hoje, indústrias, hospitais e serviços de saúde têm se transformado em agentes promotores de saúde, buscando sinergia em parcerias com o poder público e entidades da sociedade civil.
“No Brasil, por apresentar tantos desafios sociais, muitos relacionados às doenças crônicas e ao nosso negócio, entendemos que precisamos seguir um caminho sustentável e agregar valor para a sociedade pensando a longo prazo”, salienta Patricia Byington, da Novo Nordisk.
Foi a partir dessa mentalidade que a empresa também desenvolveu a campanha Vials to Pen, um conjunto de iniciativas coordenadas com o objetivo de capacitar gestores, profissionais de saúde e pacientes sobre uma nova alternativa de tratamento do diabetes disponível no SUS. Uma vez que a aplicação através das canetas impacta diretamente da adesão e nos desfechos clínicos do tratamento, a preocupação era não apenas disponibilizar um novo medicamento no mercado, mas preparar os profissionais para aprenderem a utilizá-las para auxiliarem os pacientes.
A iniciativa proativa da Novo Nordisk, que contou com a participação de associações de pacientes e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais (Conasems), foi tão bem-sucedida que se tornou exigência contratual para futuras licitações pelo Ministério da Saúde.
“Foi a primeira iniciativa dessa magnitude de parceria entre setor público e privado na área da saúde, dada a prevalência de diabetes na população e os custos disso para o Governo Federal”, lembra Leonardo Correia Pinto, da área de acesso da companhia. “Foi um movimento muito importante nosso para mostrar para o setor que é possível realizar parcerias dessa natureza. O resultado foi muito positivo. A migração do paciente que utilizava a insulina em frasco para a caneta aconteceu de forma acelerada e conseguimos levar educação para o profissional de saúde, o que otimiza o recurso que é investido. Todo mundo sai ganhando”.
Este conteúdo faz parte de uma série de reportagens sobre desafios e tendências das doenças crônicas não transmissíveis produzida em conjunto com a Novo Nordisk. Para acessar os demais, acesse a página especial.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.