CMED vai revisar precificação de medicamentos e terapias avançadas em 2024

CMED vai revisar precificação de medicamentos e terapias avançadas em 2024

Secretária-executiva da CMED, Daniela Marreco, falou sobre a revisão da precificação durante evento. Indústria tem boas expectativas.

By Published On: 14/12/2023
Secretária-executiva, Daniel Marreco, diz que CMED deve iniciar processo de revisão de precificação no começo de 2024

A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) vai revisar em 2024 a resolução que determina as regras para a precificação de produtos no Brasil. O anúncio foi feito pela secretária-executiva Daniela Marreco, durante o 2º Fórum Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde para Doenças Raras, organizado pelo Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, no final de novembro.

O tema é importante para a indústria farmacêutica pois o texto vigente está em vigor desde 2004, não tendo acompanhado as inovações e o mercado. Ainda, a entidade que representa as empresas do ramo defende que é possível tornar as regras mais flexíveis para algumas categorias de medicamentos.

Após 20 anos sem grandes mudanças, a esperança é que a revisão seja construída com diálogo entre a sociedade, órgãos públicos e indústria, buscando um equilíbrio entre os interesses do mercado e o acesso da população a medicamentos. Apesar de não ser tarefa fácil, a vontade dos atores para que a proposta saia do campo das ideias é grande, e prometem trabalhar para isso.

“O nosso modelo de precificação foi estabelecido em um cenário em que a gente não tinha ainda medicamentos biológicos e terapias gênicas. O nosso mercado farmacêutico era formado principalmente de medicamentos sintéticos e, hoje, nessa nova realidade de medicamentos de custos muito mais altos, precisamos sim avançar nos nossos mecanismos de precificação, para que a gente possa contemplar essas inovações que surgiram nos últimos anos”, afirmou Daniela Marreco durante o evento.

A secretária-executiva aponta que as audiências e consultas públicas para a revisão da resolução devem ocorrer no início do ano, após deliberação do comitê técnico executivo e conselho de ministros que conta com 5 pastas do Governo, instâncias necessárias para aprovação.

O conselho de ministros é composto por Nísia Trindade (Saúde), Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil) e Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), em transição para o Superior Tribunal Federal (STF), mas que deve ser substituído pelo novo titular da pasta.

De acordo com o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), o setor tem tido bom diálogo com a CMED para avançar com a revisão. “Temos uma boa expectativa e esperamos que realmente surjam bons frutos desse diálogo, porque é ouvindo toda a sociedade que se consegue fazer uma boa construção, que tem que ser feita em conjunto. Ao que parece, a secretária-executiva Daniela Marreco está levando por esse caminho, com diálogo, transparência e fazendo o que é certo”, avalia o presidente-executivo Nelson Mussolini.

Regulação atual

A Resolução nº2 da CMED, criada em 2004, define que ao precificar um medicamento novo no Brasil, com uma nova molécula patenteada e que traga ganhos ao tratamento quando comparado às terapias existentes, o fabricante precisa realizar um levantamento dos preços do produto comercializado na chamada “cesta de países”, composta por Austrália, Canadá, Espanha, Estados Unidos da América, França, Grécia, Itália, Nova Zelândia e Portugal. 

“Quando vamos precificar, os critérios que utilizamos são de referenciamento externo em relação aos preços praticados em outros países e o referenciamento interno em relação ao custo que a gente já tem no país para o tratamento daquela patologia que está sendo avaliada. São critérios diferentes que são avaliados no momento da precificação em relação aos critérios avaliados no momento do registro”, explicou Marreco.

No entanto, o texto indica que o valor praticado no Brasil não pode estar acima do menor preço dessa cesta, deixando o país sempre com o produto mais barato. O que pode ser visto como uma garantia de acesso da população a esses medicamentos, de acordo com o Sindusfarma pode ter um impacto negativo.

“Independentemente da cesta que vai se criar, não podemos ter sempre o menor preço do mundo, porque isso vai, mais cedo ou mais tarde, fazer o Brasil deixar de trazer tecnologias. Se você pegar, por exemplo, a Grécia, pode ter um menor preço do anti-inflamatório, mas um anti-hipertensivo ser mais alto. Com isso a indústria tem a possibilidade de fazer um mix, pode sacrificar um pouco a rentabilidade no anti-inflamatório, mas ganha no anti-hipertensivo, por exemplo”, explica Mussolini.

Isso é visto como essencial para dar um equilíbrio no mercado e permitir que a indústria siga investindo em inovação e trazendo-as para o país. Mussolini explica que em alguns casos a indústria pode optar por não registrar o medicamento, seja por julgar o valor baixo ou para não interferir com negociações em outros países.

A regulamentação vigente também interfere em categorias específicas de medicamentos. O presidente executivo do Sindusfarma explica que inovação incremental, que utilize a mesma fórmula do medicamento referência mas traga melhor eficácia, segurança ou apresentação, não possui patentes e não recebe uma precificação diferenciada.

“O Brasil está perdendo muito de não poder precificar inovação incremental da forma que deveria ser precificada. Como a gente leva em consideração o ingrediente ativo do produto, se eu faço uma melhoria, por exemplo, no dispositivo de aplicação, isso não vai entrar no preço do produto. Inovação incremental tem que ter preço livre, porque você está deixando o originador no mercado. Se o consumidor quer ter uma comodidade posológica, ele pode optar por pagar um pouco mais”, explica Mussolini.

Revisão da precificação

“No âmbito do comitê técnico executivo foram formados grupos de trabalho em que a gente definiu os temas prioritários que precisam de atualização normativa ou que precisam de definição de critérios normativos, e é nessa linha que todos os temas estão sendo trabalhados, tendo como tema central a revisão da resolução 2 de 2004 que é a nossa norma-mãe de estabelecimento de preços. Da mesma forma, trabalhamos também paralelamente com o estabelecimento de critérios de precificação de inovação incremental, critérios de precificação de produtos biossimilares e produtos biológicos não novos, assim como os critérios de precificação de produtos de terapias avançadas”, adiantou Daniela Marreco.

Ela aponta que a Resolução nº 2 está mais adiantada nesse sentido, pois passou por um processo inicial de consulta pública e Análise de Impacto Regulatório (AIR), conduzido pelo Ministério da Fazenda. Por isso, essa norma deve ser a primeira a ser trabalhada pela Câmara. Mais de 1500 contribuições foram recebidas através da participação social e que podem contribuir com os insumos para o novo texto.

A expectativa da indústria é que essa revisão ocorra em 2024, principalmente pelos indicativos que a secretária-executiva da CMED tem dado em eventos e reuniões com o setor. Seu nome tem sido visto com bons olhos, assim como sua atuação, mesmo tendo sido nomeada apenas há pouco mais de 4 meses.

Para o presidente do Sindusfarma, Nelson Mussolini, o diálogo é essencial para que o país construa sua própria regulamentação de precificação, sem se embasar em modelos internacionais. Segundo ele, a realidade do Brasil é única e não pode simplesmente replicar os modelos adotados em outras regiões.

“Os países do mundo têm sistemas de saúde diferentes do nosso e esse é o grande problema. Temos sistema público e sistema privado convivendo de forma suplementar um ao outro. A gente vai ter que construir alguma coisa só nossa mesmo, porque não tem como se espelhar. Quando você começa a se espelhar, vai querer transformar o mercado privado em público ou o mercado público em privado”, afirma.

Ainda que a indústria busque uma revisão sobre os modelos de precificação, Mussolini tem a visão de que é essencial equilibrar o sistema. Mesmo em categorias de medicamentos que a entidade defende uma menor regulamentação sobre os preços, deixando a cargo do mercado, é necessário que haja uma fiscalização massiva das autoridades.

Uma das pautas nesse sentido é sobre os preços de medicamentos de referência que já possuem genéricos no mercado. O Sindusfarma propõe que aqueles produtos que possuem 3 ou mais medicamentos genéricos ou similares sendo comercializados no país não tenham preços regulados, podendo a indústria definir os valores, desde que os concorrentes não sejam do mesmo grupo econômico.

“Isso não quer dizer que o Estado não precisa continuar olhando e analisando possíveis abusos, chamar a empresa e verificar que está acontecendo. Nós precisamos ter no Brasil um pouco mais de confiança nos sistemas que a gente faz. Temos um problema sério de ter boas leis e pouca fiscalização. Podemos ter liberdade de preço, mas precisamos ter consciência das responsabilidades diante dessa liberdade, quer para a indústria farmacêutica, quer para os órgãos fiscalizadores”, defende o presidente executivo.

Terapias avançadas

Como o texto de 2004 foi anterior ao desenvolvimento de dezenas de tecnologias, dentre elas as terapias avançadas, há uma dificuldade da CMED em precificar esse tipo de tecnologia. A secretária-executiva aponta que mesmo ao redor do mundo ainda não existem critérios específicos para precificação desse tipo de produtos, o que deve fazer com que a pasta leve um pouco mais de tempo para revisar o tema.

“Antes a gente falava ‘alto custo’ sobre os medicamentos biológicos, que tinham preço de 200 mil, 300 mil reais e eram os mais caros alguns anos atrás. Agora, com as terapias avançadas e as terapias gênicas, a gente está falando de produtos que custam milhões. Então, como é que o nosso sistema vai sobreviver, conseguir dar acesso a esses produtos e que mecanismos a gente vai poder utilizar para isso?”, questiona Marreco.

Parte do objetivo da revisão é criar critérios para a precificação de medicamentos que utilizem outras formas de comprovação de eficácia que vão além do estudo clínico de fase 3. Isso porque a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já permite o registro do medicamento utilizando evidências de mundo real, apresentação de estudos ponte e apresentação de dados de literatura. Assim, ambos processos caminharão em consonância.

Como não há uma metodologia específica de precificação para essas terapias avançadas, elas são tratadas como “casos omissos”, e por isso são precificados de forma provisória para serem comercializados e incorporados pelo SUS ou pela saúde suplementar. Até o momento, 5 tratamentos desse tipo foram registrados no Brasil.

“Nas terapias avançadas no Brasil o preço não é definitivo, o preço sempre é provisório. Se tiver um preço mais baixo do mundo, terá que aplicar aqui. Não é o melhor sistema do mundo porque você tira a previsibilidade. Isso pode nos trazer algumas dificuldades para registrar esses produtos enquanto não estiverem registrados em outros países. Estamos vendo como fazer, não é uma matemática simples, e apesar de ser um produto de alto valor, no decorrer do tempo se torna muito mais barato do que as terapias atuais, porque são em uma única dose ou aplicação”, explica Nelson Mussolini, do Sindusfarma.

Outra explicação de Daniela Marreco para a precificação provisória é que os estudos não possuem eficácias e desfechos como os medicamentos sintéticos convencionais, ainda em curto prazo no momento de registro e precificação. Assim, é possível que a CMED e a Anvisa acompanhem a atualização das informações.

“Para esse tema a gente está trabalhando em um status junto com as universidades e com a indústria para colher subsídios. Ele vai precisar ainda passar por todas as etapas de uma análise de impacto regulatório para depois seguir para consulta pública. Então, é um processo mais demorado do que a revisão da resolução 2, por exemplo”, concluiu a secretária-executiva.

Outros temas

O Sindusfarma defende que seja discutido, aproveitando a revisão da precificação, a questão sobre as negociações entre a indústria e o Governo. Isso porque a transparência, segundo a entidade, pode impactar a negociação de preços. Mussolini argumenta que outros países podem acompanhar as negociações brasileiras e questionar as indústrias sobre a diferenças de valores propostos.

“Perdemos oportunidades por causa disso. Será que não valeria o preço ter um sistema de confidencialidade de preços que poderia ser gerenciado pela CMED? Visto que ela sabe os preços negociados junto a compras públicas. O National Institute for Health and Care Excellence (NICE, agência de regulamentação do Reino Unido) debateu esse assunto, a agência canandense está debatendo esse assunto e nós vamos ter que debater isso”, afirma.

Apesar de avaliar que o Brasil teve avanços mesmo sem uma revisão integral das normas, como o controle de preços medicamentos isentos de descrição, Mussolini aponta que o país tem uma grande oportunidade de rever a precificação de forma mais robusta. Ele defende que mudanças como essa mostraram que não houve abuso por parte do mercado, e que ajustes podem ser necessários ao longo da prática.

Tanto o presidente executivo do Sindusfarma como Daniela Marreco, da CMED, afirmam que a vigilância da sociedade também é parte importante do processo de fiscalização do mercado. A possibilidade de comparar preços através de sites e aplicativos contribui para que o cidadão consiga notar discrepâncias na venda ao consumidor.

A análise dos especialistas sobre o tema é que apesar de complexo, é preciso ponderar os interesses. “Nosso desafio é equilibrar essa balança com a precificação justa. Trazendo os lucros necessários para a indústria, para que possa continuar investindo no desenvolvimento desses medicamentos e trazendo para o Brasil, porque se o preço não for adequado as empresas não trazem e a gente acaba também não tendo acesso a eles. E por outro lado os preços precisam permitir o acesso. Precisam ser preços que sejam negociados com o Ministério da Saúde no momento da incorporação e que permitam a sua aquisição e a sua acessibilidade pros pacientes”, avalia a secretária-executiva da CMED.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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