Hospitais pediátricos vivem encruzilhada de demanda de leitos e baixa atratividade de investimentos

Hospitais pediátricos vivem encruzilhada de demanda de leitos e baixa atratividade de investimentos

Considerado menos rentáveis, hospitais pediátricos são escassos no Brasil. País demanda por mais serviços em pediatria.

By Published On: 15/06/2023
Hospitais pediátricos precisam de um olhar do Brasil.

Assim como diversos segmentos da saúde, a área de hospitais pediátricos também vive uma encruzilhada. De um lado, há demanda, sim, para atendimentos exclusivos. De outro, por ser considerado um negócio pouco rentável, com menores margens de lucros, não são o foco do crescimento óbvio do mercado e há pouco investimento para que novos hospitais pediátricos surjam no país. No entanto, aqueles que conseguiram se tornar referência ao longo dos anos têm expandido seus negócios e se consolidado com inovação, uma maior especialização e atendimento de alta complexidade.

São os casos do Sabará Hospital Infantil, Hospital Pequeno Príncipe, Hospital da Criança (Rede D’Or) e do GRAACC, dedicado ao tratamento oncológico pediátrico. Consagrados no atendimento infantil, esses grupos têm conseguido não só mostrar o potencial dos serviços oferecidos à sociedade, mas construir novas unidades, aumentar a capacidade de leitos e inaugurar centros especializados.

Mesmo em um cenário com a saúde suplementar enfrentando dificuldades financeiras, com operadoras limitando os reajustes junto aos prestadores, e a defasagem da tabela SUS para remunerar os credenciados, os hospitais pediátricos buscam soluções para aumentar ainda mais seu potencial – e atender crianças de todo o país.

E não é um cenário exclusivo do Brasil. Apenas para contextualização, os Estados Unidos passam por uma dificuldade em ter leitos pediátricos disponíveis em hospitais para atender o público infantil. Com a diminuição da demanda na pandemia de Covid-19, o baixo valor de reembolso do Medicaid e os altos índices de doenças respiratórias em crianças, foi possível observar no final de 2022 a escassez desse tipo de serviço para atender a população.

Aqui no Brasil, apesar de terem sido fechados 18,3 mil leitos pediátricos nos últimos 17 anos, de acordo com dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), especialistas afirmam que o país não corre o risco de ter novos fechamentos – sejam em hospitais gerais ou pediátricos. Mas isso não quer dizer que o que temos hoje seja suficiente para atender a demanda da população.

“O custo de saúde de idosos é 12 vezes maior do que o de uma criança. Aqueles que prestam serviço olham isso como oportunidade, porque infelizmente o nosso modelo de remuneração no Brasil ainda está muito pautado em volume e não necessariamente no desfecho. A gente vê uma concentração dos serviços de pediatria em alguns locais, e não acreditamos que vamos ter um grande número de hospitais pediátricos sendo abertos”, afirma Fátima Pinho, sócia de Life Sciences & Health Care da Deloitte.

Cenário dos hospitais pediátricos no Brasil

Lembrar o nome de 10 hospitais pediátricos no Brasil é um grande desafio. A escassez de unidades exclusivamente para crianças passa por diversos motivos: concentração de profissionais especialistas, demanda local, falta de investimentos nessa área, baixa rentabilidade, entre outros.

Com isso, os estabelecimentos no país focaram em se tornar referência e receber a demanda de outras cidades e estados, chegando a operar em altos níveis de sua capacidade para conseguir atender toda a população. Agora, focam em expandir seus serviços para melhor atender.

“Um em cada três pacientes que passam no Sabará já passaram em outros serviços e nos procuraram como uma segunda opinião ou como resolução. Essa demanda é muito grande para nós. O hospital, apesar de ter crescido bastante em 2010, quando inaugurou a unidade que estamos com mais de 100 leitos, já está pequeno desde 2018, não cabe”, afirma Felipe Lora, CEO do Sabará Hospital Infantil.

Na visão dos principais executivos da pediatria, a expectativa é que não haja a abertura de novos hospitais pediátricos nos próximos anos, nem uma redução drástica no número de leitos. Por outro lado, eles apontam que a grande maioria dos casos pode ser tratada em hospitais gerais com leitos pediátricos e especialistas, sendo destinado às unidades exclusivas casos mais complexos que demandam um atendimento especializado. 

Mesmo para os grandes grupos, que focaram nos últimos anos em fusões e aquisições, os hospitais pediátricos não figuram entre os principais alvos dos seus negócios, com exceção de unidades mais especializadas. Como explica Fátima Pinho, da Deloitte, as redes estão focadas em realizar as sinergias das últimas aquisições:

“A gente teve um exemplo esse ano que foi a própria movimentação da Oncoclínicas buscando mais fatia de oncologia pediátrica. Esses específicos, e sabemos que a oncologia sempre é uma especialidade que todo mundo mira, talvez nesse nicho e algumas outras correlatas, ainda pode ser que a gente veja alguns movimentos entre players, mas não acredito que de forma agressiva”.

O fechamento de leitos pediátricos em hospitais gerais também não deve mudar drasticamente. Isso porque muitas vezes eles são utilizados como moedas de troca entre hospitais e operadoras. Para conseguir contratos que tenham serviços mais caros e com margens melhores, os prestadores oferecem leitos infantis em troca, atendendo a demanda das operadoras.

Ainda, de acordo com Pinho, o período pede cautela. “Nesse momento que os prestadores estão pressionando as operadoras porque elas não estão ajustando a tabela, estão postergando o pagamento e coisas do tipo, tirar da estratégia de negociação a pediatria pode trazer mais pressão para a mesa”, explica ela. 

Por isso, a maior movimentação que ocorre no mercado atualmente é uma expansão dos hospitais pediátricos para atender a demanda de alta complexidade, já que concentram especialistas, possuem os equipamentos e treinamento necessário para atender as crianças, além da experiência em lidar com famílias. A ideia é replicar o que já vem dando certo – mesmo com um lucro menor.

Referência em São Paulo

O Sabará Hospital Infantil, instituição sem fins lucrativos que atende a população infantil, é considerado um dos melhores do Brasil, além de contar com áreas de ensino e pesquisa. Com a meta de ter 170 leitos até o final de 2023, o hospital conta com duas unidades e já possui um novo endereço para aumentar ainda mais a sua capacidade: com um investimento de 700 milhões de reais, uma nova unidade está prevista para 2026, na região de Pinheiros, em São Paulo, com 200 leitos.

O plano de expansão vem para suprir a demanda, já que o hospital possui ocupação média acima de 95% desde 2018. “Quando a gente fala do futuro dos hospitais pediátricos, a gente não está falando tanto de custo porque é uma oportunidade ruim, utilizada como uma moeda de troca. A gente está falando de qualidade assistencial. É muito fácil abrir um serviço de pediatria que entregue qualquer coisa para economizar, só que a criança não vai resolver o problema e essa criança vem aqui para o Sabará depois”, analisa Felipe Lora, CEO do hospital.

A Região Sudeste é considerada o centro da pediatria no Brasil, concentrando grande parte dos profissionais. Com a falta de leitos e de equipe especializada, o hospital recebe não só pacientes de São Paulo, mas de todo o país para atender casos de alta complexidade, além de atuar na telemedicina e interconsulta para orientar profissionais. Lora explica que apesar da importância, não é eficiente para o sistema que todos hospitais façam procedimentos difíceis, somente em casos raros de doenças e condições que uma criança pode passar por uma cirurgia.

Em sua visão, é preciso trabalhar o conceito de referenciamento ou regionalização para atender as crianças de todo o país. Ele cita como exemplo uma condição de hipoglicemia infantil. De acordo com Felipe, que também é pediatra e endocrinologista, mesmo nos Estados Unidos só existem 3 centros que tratam essa condição e são suficientes para atender a demanda.

“A alta complexidade na pediatria demanda alguns poucos serviços, diferente do que com adultos, que vão se abrindo serviços de oncologia, por exemplo, e de alguma forma a população está envelhecendo, está aumentando essa incidência de câncer, então você consegue compor isso. Na pediatria não, poucos serviços podem atender a alta complexidade e isso tem um limite”, explica o CEO.

Em sua análise, enquanto o mercado olhar apenas para o custo, não há perspectiva para os hospitais pediátricos. Por isso, a expansão do Sabará foca também em ganhar escala, para que seja possível aumentar o acesso da população e construir novas unidades. Apesar de atuar apenas no mercado privado, o CEO não descarta que, de acordo com as próximas expansões do hospital, seja possível atuar junto ao SUS.

O maior hospital pediátrico do país

361 leitos exclusivos para o público infantil estão em funcionamento no Hospital Pequeno Príncipe, localizado em Curitiba/PR. Considerado o maior hospital pediátrico do país, foi considerado o melhor especializado na saúde das crianças do Brasil pelo ranking da revista Newsweek

Com mais de 250 mil atendimentos ambulatoriais e 18 mil cirurgias em 2022, está construindo uma nova unidade que deve ser entregue no primeiro semestre de 2026, que irá funcionar como hospital dia para atender a média e alta complexidade. Também está prevista a expansão da faculdade e de pesquisa para esse novo endereço, ainda na capital paranaense.

“A pediatria terá um futuro muito difícil se mantidas as atuais diretrizes do funcionamento da saúde. Temos propostas que a gente está trabalhando para sobreviver, mas é um modelo que está bastante esgotado, principalmente na saúde suplementar”, afirma o diretor-corporativo do hospital, José Álvaro da Silva Carneiro.

De acordo com o executivo, com a dificuldade de renegociar a tabela SUS, já que o hospital realiza atendimentos para o sistema público, e a situação das operadoras de planos de saúde, que tem freado o reajustes de valores referentes aos serviços prestados, a saída foi buscar iniciativas que não demandem negociações. 

O Pequeno Príncipe desenvolveu um programa de gerenciamento antimicrobiano, que resultou em uma economia de 2 milhões de reais ao ano, através da redução de dias de uso de antibióticos, redução de custos e controle do avanço da resistência a medicamentos. Agora, o hospital está orientando 16 outras instituições do Brasil, através da Implantação de Programa de Stewardship de Antimicrobianos. 

“É muito limitada a nossa capacidade de lidar com um convênio. É zero a nossa possibilidade de conversas com o SUS, muito difícil. Então, a gente acaba que tem que olhar para dentro, e tendo equipes muito capacitadas, investir em busca de produtividade em alguns setores”, afirma Álvaro. 

O hospital trabalha, em parceria com outras instituições do mundo, para desenvolver o hospital pediátrico do futuro. A ideia é que, nos próximos 10 anos, seja possível reduzir o número de pessoas que necessitem se deslocar até uma unidade do Pequeno Príncipe para receber atendimentos básicos, através do monitoramento remoto com os pacientes em suas próprias casas.

“O futuro mostra que a tecnologia vai ser capaz de administrar os pacientes na sua casa. Não igual ao homecare que existe hoje, que é muito baseado em custo, utilizando profissionais de menor custo. A ideia do nosso projeto está baseada em telepresença, como ir mais longe com o conhecimento através da tecnologia. Na nossa visão, um hospital como o Pequeno Príncipe vai ter leitos de UTI, mas nem tantos leitos de enfermaria”, explica ele. 

Hospital pediátricos dentro de grandes grupos

A Rede D’Or conta com seu próprio hospital pediátrico. Localizado na zona sul de São Paulo, o Hospital da Criança serve como unidade de referência para os pacientes do grupo. A ideia é que crianças com condições que necessitem de atendimento de média e alta complexidade sejam tratadas no local.

Com uma margem acima de 30%, o Hospital da Criança está em expansão e irá focar o seu crescimento em centros especializados, com foco em obesidade infantil, transtorno do espectro autista (TEA) e disfunções miccionais, em endereço anexo ao local principal, no Jabaquara. Atualmente realiza atendimento especializado em oncologia pediátrica, sendo considerado uma das linhas de cuidado mais importantes do hospital.

“A sociedade precisa urgentemente que os hospitais pediátricos cresçam, recebam um investimento mesmo da rede particular. É uma questão de acreditar que o público pediátrico também merece atenção. As famílias querem cada vez mais hospitais que sejam capazes de suprir toda a sua necessidade, não só do indivíduo”, explica Maria Augusta Junqueira Alves, diretora-geral da unidade.

Apesar de ter sentido o impacto com a redução da demanda pediátrica por conta da pandemia, o hospital vem normalizando a atuação desde 2022, entregando eficiência para a Rede D’Or, que adquiriu a unidade em 2012. Atualmente, conta com 38 leitos de terapia intensiva e 34 leitos de internação e concluiu as obras para dedicar um andar da instituição ao atendimento de pacientes com câncer e realizar transplante de medula óssea.

Além da expansão, o hospital tem trabalhado para aumentar o atendimento de alta complexidade e o público-alvo. Atendendo atualmente as famílias da zona sul e da região do ABC, tem firmado parcerias com clínicas e entidades, com o intuito de tornar ainda mais conhecido para os pais e responsáveis que buscam atendimento pediátrico.

“Fizemos uma parceria com outra unidade da Rede D’Or, aproveitando que o Hospital Santa Isabel está inserido no quadrilátero da Santa Casa, situado na região central de São Paulo. Montamos um centro médico de atendimento especializado em pediatria dentro dele, que serve não só para atender a população daquela área também, mas para divulgar a nossa marca”, comenta a diretora-geral.

Maria Augusta analisa que apesar dos hospitais pediátricos não serem grandes atrativos para fusões e aquisições, é possível ver no mercado uma movimentação para construir parcerias. Ela afirma que hospitais solitários são cada vez mais difíceis de serem vistos, e que eles têm buscado se tornar facilitadores do tratamento. A construção de um ecossistema, tendência no setor, também engloba os hospitais pediátricos.

A visão sobre a especialização de hospitais pediátricos

Apesar de raro, o câncer infantil já é a primeira causa de mortes em crianças, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca). A estimativa aponta para quase 8 mil novos casos por ano em crianças e jovens de 0 a 19 anos no próximo triênio (2023-2025). O desafio é detectar de forma precoce e dar acesso a tratamento.

Com mais de três décadas de atuação, o Hospital do GRAACC tem buscado diminuir o vazio assistencial para o público infantil oncológico, atendendo pacientes do SUS e planos de saúde. No entanto, o modelo de negócio é sustentado em boa parte através de doações, sendo 30% do orçamento vindo de atendimento hospitalar.

“Atendemos 80% de pacientes provenientes do SUS para uma geração de renda que está abaixo de 15% do meu orçamento total do ano. Só que o governo dá a possibilidade de buscar em outras áreas para compor esse déficit anual”, explica Tammy Allersdorfer, superintendente de Desenvolvimento Institucional do GRAACC.

Fatores externos, como questões econômicas do país e alta no desemprego, acabam por afetar diretamente o orçamento do hospital. Por isso, a estratégia atual está focada em resolver como o GRAACC pode aumentar a fatia da receita proveniente de atendimentos, reduzindo a importância das doações para a instituição.

O hospital realiza entre de 2500 e 3 mil procedimentos por mês e atende cerca de 400 novos pacientes por ano, cerca de 5% dos casos do país. É considerado um dos maiores centros de atendimentos de crianças no mundo e referência no Brasil. Apesar do volume, o hospital está localizado em 2 prédios em Sâo Paulo e conta com parcerias com casas de apoio para hosperdar famílias que precisam se deslocar para realizar o tratamento.

“Temos um plano de expansão. Por ser um hospital muito especializado e estar em Sâo Paulo, recebemos casos do Brasil inteiro. Estima-se que 50% dos casos de câncer infantis podem ser tratados em hospitais que tenham uma boa infraestrutura oncológica pediátrica, não precisa ser exclusivo. Mas tem certos tipos que são mais complexos e exige uma equipe mais capacitada, como a do GRAACC”, afirma Allersdorfer.

O hospital está em meio a um processo de ampliação, com o acréscimo de 20 leitos. Contudo, para uma expansão mais robusta, Tammy aponta que é preciso realizar estudos e planejamentos. A questão da dependência das doações para o orçamento também é um ponto a ser resolvido. Parte do plano da instituição é aumentar o atendimento a pacientes com planos de saúde.

“Nosso objetivo é melhorar nossa performance em atendimento da saúde suplementar sem prejudicar o atendimento que temos ao SUS. Como fazer isso? Crescendo um pouco a minha área e dando oportunidade de crescer um pouco mais o atendimento a convênios, não interferindo dentro do processo que eu tenho de recebimento de valores”, conclui a superintendente.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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