Cenário dos planos de saúde melhorou em 2023, mas operadoras precisam de mudanças sistêmicas para deixar crise
Cenário dos planos de saúde melhorou em 2023, mas operadoras precisam de mudanças sistêmicas para deixar crise
Sem mudanças estruturais, operadoras de planos de saúde avaliam que resultados em 2024 devem ser iguais aos de 2023.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) divulgou, em 18 de abril, os dados econômico-financeiros das operadoras de planos de saúde, relativos ao 4º trimestre de 2023. Com uma melhora significativa, saltando de um prejuízo operacional de 10,7 bilhões de reais em 2022 para R$ 5,9 bi. No entanto, o cenário segue sendo de desafio.
Para as operadoras, é preciso ter cautela. Apesar de diminuir os prejuízos, os desafios enfrentados pelo setor ainda são grandes. Mesmo com 2023 marcado pelo combate às fraudes, altos reajustes, enxugamento de rede, construção de parcerias com prestadores e encerramento de contratos de beneficiários considerados deficitários, entidades que representam o setor afirmam que se nada mudar estruturalmente, a expectativa é que o resultado de 2024 seja semelhante.
Mesmo com um crescimento no número de beneficiários, atingindo 51 milhões de vidas, a saúde suplementar não vê isso refletindo na receita, já que as entidades representativas observaram uma movimentação de downgrade, motivado pelo aumento de preços. Para manter o benefício, os contratantes buscam planos de saúde mais baratos e que atendam a demanda dos seus colaboradores.
Sem perspectivas de aumentar o faturamento, as operadoras cobram ações. Defendem que é preciso rediscutir o modelo de financiamento como um todo, passando por temas como a incorporação de tecnologias, a adoção de limiares de custo-efetividade, criação de protocolos e diretrizes clínicas, novos produtos, precificação e planos ambulatoriais com consultas e exames, como forma de combater os chamados cartões de benefícios.
A expectativa é que com a ANS observando o quadro que a saúde suplementar atravessa, a Agência bote algumas discussões em pauta. Apesar de ter atingido lucro líquido de 3 bilhões de reais, menos de 1% do total faturado pelo setor, o resultado é impulsionado por aplicações financeiras. Por isso, as operadoras buscam voltar a ter uma receita decorrente do trabalho desenvolvido.
“Quando vemos que 2022 fechou com prejuízo operacional com 10,7 bilhões, e 2023 com 5,9 bi, é melhor. Mas segue com um grande prejuízo. A análise não pode perder isso de vista. Temos um negócio com um altíssimo risco, cujo risco está cada vez maior com judicialização, insegurança jurídica e regulatória”, afirma Vera Valente, diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).
Análise do cenário
Uma análise feita pela consultoria Arquitetos da Saúde com base nos dados divulgados pela ANS mostrou que 23,7% das operadoras de plano de saúde tiveram resultado líquido negativo e 76,3% positivo. Há de fato uma melhora quando comparado aos dados de 2022, quando 44% das operadoras fecharam com prejuízo e 56% com lucro.
Com uma sinistralidade média de 87% em 2023, atingiu o melhor resultado dos últimos 3 anos, mas ainda acima do período pré-pandemia de Covid-19, quando em 2019 a sinistralidade era de 84,5%. De acordo com Luiz Feitoza, sócio da Arquitetos da Saúde, o setor aprendeu a conviver com a sinistralidade dentro de um patamar entre 82% e 84%.
“Produziremos um ano melhor que 2023, porque houve uma recuperação de receita, mas não muito diferente. As operadoras ainda terão uma margem muito apertada, haja visto que todo ano vemos uma queda no número de operadoras. Diminui-se os atores e a oferta de produtos alternativos”, afirma Feitoza.
Por isso, para se ter um resultado diferente é preciso que haja uma mudança sistêmica no setor. Parte das soluções utilizadas ao longo do último ano, como o alto reajuste de planos coletivos, com média de 14,38%, não deve se repetir em 2024 porque poderia levar à perda de beneficiários ou um downgrade de plano, com contratantes migrando para planos mais baratos.
“Tem uma janela que está no limite. O reajuste será divulgado no mês que vem e acredito que virá mais baixo, porque as operadoras não podem manter o reajuste de 2023. É insustentável. Nossa esperança é ter um ajuste de melhor índice, porque senão, podemos ter uma estagnação no número de beneficiários ou uma reversão do crescimento. Ainda será de dois dígitos, mas não tão alto”, explica o sócio.
Ele explica que além do reajuste, também é possível observar um aumento da coparticipação, redução de planos por adesão, produtos regionais e a venda de planos com enfermaria ao invés de acomodação em apartamento, mostrando uma tendência de planos mais enxutos. Ainda, a partir de 2019 é possível observar uma mudança no perfil do contratante, com microempreendedores, que chegam a 4 milhões de beneficiários nos planos empresariais.
Segundo Feitoza, quando acabar as possibilidades de realizar downgrade, em um cenário com diversos planos com altos preços, vai ser preciso ter uma revisão mais robusta. Somado aos altos custos de produtos e serviços médico-hospitalares, alterações na regulamentação e novas leis, como a do rol exemplificativo, pressionam o setor – e urge a necessidade de mudanças estruturais.
“Não tem nenhuma solução sistêmica a caminho. Sabemos que individualmente há operadoras fazendo coisas no sentido da atenção primária, precificação condizente com a realidade do mercado e cancelamento de produtos por adesão, diminuindo as portas para focar em produtos que considera com mais esperança de equilíbrio. Mas isso não resolve a questão do equilíbrio técnico”, avalia ele.
Demandas para reduzir custos
“Estamos em ajuste. Tem um cenário de melhora no resultado operacional no 4º trimestre de 2023. Mas não adianta a gente colocar que o pior já passou e que agora temos somente perspectivas positivas, mesmo sem fazermos nada. Isso não vai acontecer. Estamos melhorando em uma situação que não é tão simples”, analisa Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Ele aponta que focar em reajuste não deve ser uma solução, já que faz com que as pessoas deixem os planos de saúde, principalmente aquelas que utilizam menos o convênio. Essas, inclusive, são exatamente as pessoas que as operadoras devem se esforçar para manter, já que são importantes para o sistema de mutualismo adotado, custeando a utilização daqueles que mais precisam.
Novais acredita que é preciso focar em soluções estruturantes para atrair novos públicos e conseguir mantê-los dentro dos planos. Para isso, acredita que é preciso rediscutir a precificação dos planos de saúde no Brasil, buscando um modelo que permita estimular a contratação de jovens adultos.
“Da primeira para a última faixa etária, o preço tem no máximo 6 vezes o valor da primeira. Mas a primeira ficou muito cara, tomou uma proporção muito grande. Por uma regra da ANS, não se pode reduzir de uma faixa para outra, só aumentar. As pessoas que ajudam a financiar o sistema saem. Vamos ter que rediscutir para chamar o jovem adulto para o plano de saúde, porque ajuda a financiar. Talvez pensar em redução de preço”, explica o superintendente executivo.
Outras soluções para o setor estão em controlar os custos. Com mudanças regulatórias que ocorreram nos últimos anos, como o fim da limitação do número de consultas e sessões com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, e a cobertura de tratamentos para pacientes com transtornos globais do desenvolvimento, como o TEA (Transtorno do Espectro Autista), é importante que a ANS discuta a criação de diretrizes e protocolos.
Ainda, defende que a saúde suplementar adote um limiar de custo-efetividade para a incorporação de novas tecnologias.“É dar um parâmetro para quem produz o medicamento. Se a saúde suplementar adota um um valor por ganho de vida por qualidade, já é um sinal para a indústria que iremos incorporar, desde que não fuja do preço. Eles vão fazer, porque atendemos 51 milhões de pessoas, maior que a população da Argentina”, afirma Novais.
Ele defende que o cenário torna mais fácil contar com alguma ação da ANS, já que os dados mostram como o setor tem sido impactado como um todo, e não apenas casos isolados como antigamente. Por outro lado, defende que as operadoras precisarão inovar também, na gestão assistencial e de produtos.
Aumentar faturamento dos planos de saúde
Em um cenário com altos custos das tecnologias em saúde, cada vez mais complexas e específicas, reduzir os gastos e desperdícios é essencial. Porém, busca-se o caminho inverso, aumentando a receita. Para isso, é preciso atrair novos beneficiários e ampliar a carteira.
“A forma de aumentar o faturamento é trazer mais beneficiários para esse setor. Defendemos ter planos mais simples, de consultas e exames. Hoje existem cartões de descontos, que não são planos de saúde, nem regulados. A população que busca um cartão de desconto busca uma porta de entrada para o sistema privado. Por que nós não podemos oferecer isso? Seria um caminho de ajudar o acesso à saúde, o faturamento e tirar pessoas do SUS”, defende Vera Valente, diretora-executiva da FenaSaúde.
Utilizando de uma brecha na regulamentação, os cartões de descontos são oferecidos principalmente por rede de clínicas, mas até mesmo a distribuidora de energia Enel tem produtos do tipo. Nele, o usuário contrata um serviço de baixo custo para ter acesso a consultas e exames. Para as operadoras, elas poderiam oferecer esse serviço, de forma fiscalizada e com garantias de um plano de saúde.
A FenaSaúde também defende uma revisão dos reajustes de planos individuais, que hoje é regulado e definido pela ANS. Vera explica que o ideal seria ter análises que ponderem a realidade regional de cada operadora, já que os custos variam conforme cidade e a demanda de utilização.
Esse inclusive, pode ser um caminho para que as operadoras voltem a vender planos individuais, escassos no mercado e quase que exclusivos em operadoras verticalizadas. Por ter menos flexibilidade em relação ao contrato e reajuste, as empresas deixaram de oferecer o produto, considerado muitas vezes deficitário para o sistema. O aumento da faixa de coparticipação também é uma bandeira da entidade.
“O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) credita a grande dificuldade do financiamento da saúde sendo o envelhecimento da população e tecnologias cada vez mais caras. E isso é uma tendência. O desafio é conter custos desnecessários, como fraudes, desperdícios e quais tecnologias valem a pena serem pagas”, afirma a diretora-executiva.
A FenaSaúde foi a principal entidade a encabeçar a campanha antifraudes no setor, que colaboraram com os resultados de 2023. Mas Vera aponta que é preciso ter cautela com o “excesso de otimismo”, e é preciso ter mudanças estruturais para melhorar ainda mais o cenário – e por fim à crise da saúde suplementar.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.
Enquanto isso os planos contratam empresas para emitir terceira opinião e enfiar goela abaixo do participante um tratamento por meios diferentes daqueles defendidos pelo médico assistente.