Células NK de cordão umbilical: nova e promissora fronteira no tratamento do câncer hematológico

Células NK de cordão umbilical: nova e promissora fronteira no tratamento do câncer hematológico

Recém-aprovada pela Anvisa, pesquisa é pioneira no país. Objetivo é desenvolver tecnologia nacional de terapia com o uso dessas células, permitindo tratamentos mais baratos e de baixa toxicidade

By Published On: 09/10/2024
Células NK - Artigo Sidney Klajner

Foto: Adobe Stock Image

Iniciada nos anos 1950 com os transplantes de medula óssea, a terapia celular vem desbravando novas fronteiras. Uma inovação recente é a terapia com CAR-T Cell, em que linfócitos T são extraídos do sangue do paciente, modificados geneticamente em laboratório, multiplicados e reinseridos no indivíduo para atacar as células cancerígenas. Tem apresentado resultados muito positivos no tratamento de cânceres hematológicos, como alguns tipos de linfomas, leucemias e mieloma. Agora, novos horizontes estão sendo explorados com o uso de células natural killer (NK), linfócitos “inteligentes” que temos no nosso sangue. Por meio de receptores existentes em sua superfície, as células NK são capazes de, naturalmente, reconhecer células estranhas ao organismo e eliminá-las. Ou seja, podem ser usadas sem necessariamente passar por modificação genética, como no caso dos linfócitos T. As NK também podem “ler” as mensagens químicas expressas pelas células saudáveis, preservando-as do seu ataque.

É justamente essa condição que confere uma das importantes vantagens das terapias com células NK: de baixa toxicidade, dificilmente provocam a doença do enxerto contra hospedeiro, uma complicação grave que pode ocorrer quando as células transplantadas identificam as células do paciente como estranhas e passam a atacá-las. Outro ponto é que as NK manipuladas em laboratório podem ser usadas em mais de um paciente, o que torna a terapia economicamente mais viável.

As poucas pesquisas existentes no Brasil estão baseadas na obtenção de células NK do sangue de doadores saudáveis. Mas o Einstein está seguindo um caminho ainda mais revolucionário: o uso de células NK extraídas de cordão umbilical e multiplicadas em laboratório. Liderada pelo Dra. Lucila Nassif Kerbauy, que estudou a técnica durante um programa de fellowship de três anos no MD Anderson Cancer Center (EUA) financiado pelo Einstein, a pesquisa está sendo desenvolvida no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS).

O estudo com células NK

Depois da fase pré-clínica (estudos em bancada e em camundongos iniciados em 2019), está sendo iniciada a pesquisa clínica (fase 1), envolvendo pacientes com leucemia mileoide aguda refratária (ou seja, pacientes que não responderam às primeiras duas linhas de tratamento e para os quais não restam opções para o enfrentamento da doença). Eles receberão infusão de células NK que, depois de extraídas de cordão umbilical, são manufaturadas e multiplicadas em laboratório com citocinas (proteínas que atuam como mediadores de sinalização celular), o que faz com que fiquem melhor ativadas e, possivelmente, melhores para o tratamento. O objetivo nessa e em etapas posteriores da pesquisa é confirmar a eficácia e segurança dessa técnica e avaliar dosagens até que se tenham dados consistentes para que a terapia possa ser aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso regular. Embora isso ainda exija alguns anos de estudos, as perspectivas são positivas, principalmente do ponto de vista do sistema público, que terá uma alternativa avançada e mais acessível para ofertar aos pacientes.

Além dos esperados bons resultados e de dispensar doadores, a técnica dinamiza o uso dos bancos públicos e privados de cordões umbilicais. No Brasil e no mundo, os estoques desse material – que envolve custos para que seja adequadamente mantido e preservado – têm sido pouco utilizados para sua finalidade original, o transplante de medula óssea. Assim, há uma demanda global pelo desenvolvimento de novas aplicações. Com um único cordão umbilical é possível tratar 10 pessoas com a terapia NK.

Outra pesquisa em andamento no Einstein, esta ainda em fase pré-clínica, está direcionada à aplicação de células NK geneticamente modificadas para expressar os chamados receptores de antígenos quiméricos (CAR), a fim de direcioná-las a alvos tumorais específicos. Trata-se de um estudo de CAR-NK, na mesma linha do que vem sendo feito com as células T (CAR-T) no Einstein e outras instituições. Os primeiros resultados são promissores.

O Einstein é uma das poucas organizações do país com estrutura para realizar esse tipo de pesquisa. Com salas limpas para manufatura das células, equipes especializadas nessa atividade (médicos, biomédicos, biólogos, farmacêuticos etc.), uma Academic Research Organization (ARO), além de toda a estrutura assistencial, é a única organização da América Latina com acreditação FACT (Foundation for the Accreditation of Cellular Therapy) para a terapia celular.

Além do câncer hematológico, as terapias tanto com células T como com NK têm potencial de aplicação também no enfrentamento de tumores sólidos. Para o Brasil, é importante estar à frente de pesquisas para o desenvolvimento de tecnologia nacional em áreas como essa, que vêm revolucionando a saúde. Para os pacientes, são novos e promissores horizontes de tratamento.

Sidney Klajner

Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein. É membro do Conselho Superior de Gestão em Saúde, da Secretaria de Saúde do Estado de S. aulo e coautor do livro “A Revolução Digital na Saúde” (Editora dos Editores, 2019).

About the Author: Sidney Klajner

Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein. É membro do Conselho Superior de Gestão em Saúde, da Secretaria de Saúde do Estado de S. aulo e coautor do livro “A Revolução Digital na Saúde” (Editora dos Editores, 2019).

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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