Entidades e países aceleram medidas de mudança de hábitos e prevenção para frear casos de câncer cada vez mais precoces

Entidades e países aceleram medidas de mudança de hábitos e prevenção para frear casos de câncer cada vez mais precoces

Medidas visam reduzir número de casos de câncer em pessoas com menos de 50 anos

By Published On: 05/02/2024
Casos de câncer mais precoce

Foto: Adobe Stock Image

O crescimento de casos de câncer vem preocupando as entidades médicas. O último levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) – com dados atualizados de 185 países, incluindo o Brasil – revelou que a previsão de aumento nos próximos anos é de 77%, com 35 milhões de novos casos de câncer esperados até 2050. Neste mesmo ano, o Brasil deverá registrar 1,15 milhão de novos diagnósticos. A previsão é que a doença provoque 554 mil mortes no país, um aumento de 98,6% em relação aos óbitos ocorridos em 2022. 

Essa elevação, segundo o documento, ocorre em decorrência do envelhecimento populacional e de fatores-chave no aumento da incidência como tabaco, o álcool, a obesidade e a poluição do ar. O levantamento ainda mostrou que a maioria dos países não financia adequadamente os serviços prioritários de câncer e de cuidados paliativos.

Atualmente o câncer é a segunda principal causa de morte no mundo, atrás apenas das doenças cardiovasculares – uma em cada seis mortes estão relacionadas à doença. Mas um fato tem intrigado a comunidade científica nas últimas três décadas, que é aumento do número de casos de câncer em pessoas com menos de 50 anos. E embora as causas deste crescimento não sejam completamente conhecidas, a má alimentação, o tabagismo e o álcool são os principais fatores de risco subjacentes nesta faixa etária, segundo a equipe internacional de investigadores responsáveis ​​por um estudo publicado na revista britânica BMJ Oncology, que ganhou destaque em toda a imprensa.

As descobertas científicas desafiam o que se sabia sobre os tipos de câncer que normalmente costumavam afetar pessoas com menos de 50 anos e alertam governos, entidades médicas e sociedade para reforçar a importância das políticas públicas de saúde para melhorar esse cenário. No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), são esperados 704 mil casos novos de câncer para cada ano do triênio 2023-2025.

Roberto de Almeida Gil, diretor-geral do INCA, destaca que há um trabalho sendo feito pelo instituto para apoiar gestores estaduais e municipais na formulação e implementação de políticas públicas que fomentem alimentação saudável e atividade física, por exemplo, que auxiliam as pessoas a fazerem escolhas saudáveis. “Mas tais escolhas não dependem apenas de interesse e esforço pessoal, já que parte do comportamento não é resultado da escolha ativa, mas reflexo passivo de normas sociais e fatores mais amplos como os sociais, econômicos ou ainda relacionados ao ambiente físico”, acrescenta.

Estudo publicado recentemente na revista “Journal of Senology and Breast Pathology – Journal of Breast Science” apontou que os determinantes sociais da saúde influenciam no câncer de mama, por exemplo. No artigo, pesquisadores afirmam que “a pobreza e o baixo nível educacional levaram ao diagnóstico mais tardio e à menor taxa de sobrevivência, e a raça negra foi associada ao diagnóstico mais tardio, estágios mais avançados e subtipos mais agressivos”.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a elevação no número de casos de câncer em pessoas com menos de 50 anos em todo o mundo “está intimamente relacionada com os hábitos de vida, sobretudo em pessoas mais jovens. Tabagismo, alimentação inadequada, falta de atividade física, obesidade e consumo excessivo de álcool estão entre os fatores de risco associados a esse aumento”.

Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer

Recentemente, em agosto, foi aprovado o Projeto de Lei 2952/22, que instituiu a nova política nacional do câncer no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), celebrada por organizações médicas por se tratar de um instrumento ‘mais estruturante’. O novo projeto substitui a portaria 874/2013 e vai contemplar a integração dos dados, compra centralizada de medicamentos e um caminho mais organizado para a navegação do paciente.

Para o Ministério da Saúde, “as ações da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer estão focadas na promoção da saúde e de hábitos de vida saudáveis, além da prevenção. Dentre essas ações, está a discussão sobre taxação adicional aos produtos nocivos à saúde, que deve ser tratada pelo Congresso Nacional em projeto de lei complementar após a aprovação da reforma tributária”.

A pasta reafirma o papel do Programa Nacional de Controle do Tabagismo, que cobre desde ações regulatórias às ações específicas para cessação do tabagismo. “Neste âmbito, o Brasil retomou as reuniões da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CONICQ), uma instância interministerial, para discutir os temas relacionados”, diz o comunicado.

A taxação de produtos prejudiciais à saúde, como os ultraprocessados e as bebidas alcoólicas, também é defendida pelo INCA: “Uma tributação forte que incida sobre estes produtos irá desestimular o seu consumo pela população, especialmente entre os mais vulneráveis. Além disso, está sendo discutida a criação de uma lista nacional de alimentos que irão compor a cesta básica, a fim de evitar que os alimentos ultraprocessados e carnes processadas recebam os mesmos benefícios tributários que alimentos saudáveis, como arroz e feijão”, afirma Almeida Gil. Essas são medidas ratificadas por diferentes instituições, como a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Além da taxação, o oncologista e fundador do Instituto Vencer o Câncer, Fernando Maluf, acrescenta outros elementos nesse contexto, como programas de exercício físico e o combate à obesidade, por exemplo. E também destaca a vacinação contra o papilomavírus humano (HPV), que previne o câncer de colo de útero, e do rastreamento deste tipo de câncer, que além de diagnosticar pode identificar lesões precursoras. A vacina é recomendada para meninos e meninas entre os 9 e 14 anos e pode ser administrada durante a visita de controle anual.

Sobre programas de incentivo ao exercício físico, o INCA salienta que, em 2022, foi criado o incentivo financeiro federal de custeio destinado à Implementação de Ações de Atividade Física (IAF). Essa ação credenciou mais de 8 mil unidades de saúde a receberem recursos para a promoção da atividade física. Outro destaque é o apontamento do governo federal, no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2024, do aumento de recursos orçamentários para o Programa Academia da Saúde, umas das principais formas de promoção da atividade física no SUS. O montante enviado ao Congresso Nacional foi de R$ 62,3 milhões, R$ 12 milhões a mais do que o orçamento aprovado (LOA) em 2023.

A obesidade tem sido associada a vários tipos de câncer comuns, incluindo câncer de mama, colorretal, esôfago, rim, vesícula biliar, útero, pâncreas e fígado. As pesquisas têm mostrado a relevância da atividade física na prevenção dos tumores, mas também ao longo do tratamento trazendo resultados melhores, assim como após o tratamento no caso de alguns cânceres específicos, proporcionando menor risco de recitativa.

Prevenção, informação e diagnóstico precoce para casos de câncer

As múltiplas ações de conscientização quanto às mudanças de estilo de vida, campanhas de vacinação e orientações para rastreamento em idades precoces são alguns pontos destacados por Maria Ignez Freitas Melro Braghiroli, membro do Comitê de Tumores Gastrointestinais Alto da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). Segundo ela, “é fundamental fornecer educação e condições de vida mais saudáveis para população de menor renda, com acesso a exames de rastreamento e diagnóstico precoce, conforme recomendações do próprio Ministério e de sociedades médicas bem estabelecidas, e condições de diagnóstico e tratamento adequadas para aquelas já acometidas”.

Maria Fernanda Peria, docente da Divisão de Oncologia Clínica do Departamento de Imagens Médicas, Hematologia e Oncologia Clínica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), também reforça a importância do acesso à informação, orientação e tratamento, trabalhado a médio e longo prazo: “O INCA tem vários materiais sobre isso, que precisam ser mais divulgados nas redes de informação primária, porque é ali que vamos fazer a prevenção”.

Contudo, Peria reitera que, embora haja fortemente a campanha de mamografia e da colonoscopia, além de campanhas que atuem em trabalhar o antitabagismo, evitar o abuso de bebidas alcoólicas e o incentivo a uma vida saudável, para alguns tumores não há métodos de rastreamento precoce.

“Por exemplo, para o câncer de pâncreas. Não adianta fazer ultrassom de abdômen em todas as pessoas e todos os anos no intuito de reduzir a incidência de câncer de pâncreas. Câncer de ovário o mesmo. Alguns tumores não temos ainda métodos eficazes de rastreamento e diagnóstico precoce”, analisa a docente, pontuando que mesmo com um exame normal, ainda não há garantia que a doença não possa surgir num período de 6 a 12 meses.

Porém, alguns destes cânceres podem ser detectados mediante programas de rastreio e diagnóstico. No caso das mulheres, se algum familiar tem histórico de câncer de mama ou de ovário, é necessário fazer um acompanhamento. Isso porque mutações genéticas podem indicar maior risco de desenvolver câncer de mama ou de ovário, além de outros tipos da doença. Peria compartilha que as pesquisas feitas e que tem acompanhado buscam entender as vias que o tumor usa para sua proliferação das metástases.

Outro grupo da oncologia da Universidade de São Paulo (USP) tem investido em avaliações genéticas para tentar criar scores que possam predizer se aquele paciente tem risco maior deste ou daquele tumor: “Nesse paciente reforçamos ainda mais as medidas que podem protegê-lo daquele tipo de câncer e ajudar a sair dos agentes agressores relacionados. As pesquisas principais estão caminhando nesse sentido”, diz.

Em nota, a OPAS lembrou que foi lançado, em 17 de outubro de 2023, o “Código Latino-Americano e Caribenho contra o Câncer“, o primeiro Código Regional que adapta o modelo do Código Europeu Contra o Câncer, no âmbito da iniciativa da IARC do Quadro para um Código Mundial contra o Câncer. O documento consiste em um conjunto de recomendações para a prevenção do câncer direcionadas à região, levando em conta os contextos específicos em termos de fatores de risco, sistemas de saúde e desigualdades sociais na região da América Latina e do Caribe.

Para Peria, o trabalho principal precisa estar na prevenção: “Temos um longo caminhar no sentido de reduzir a incidência, aumentar a proporção de pacientes curados de câncer e de otimizar as estratégias de tratamento quanto à tecnologia e ao acesso. A estimativa é que, entre 2020 e 2040, ocorra um aumento de 66% nos números de casos novos e 81% nas mortes no país”, afirma.

Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

About the Author: Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

Artigos Relacionados

Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.