Casos de AVC aumentam no mundo e, apesar de tratamentos mais eficientes, foco deve ser na prevenção

Casos de AVC aumentam no mundo e, apesar de tratamentos mais eficientes, foco deve ser na prevenção

Idade avançada, diagnóstico precoce e fatores de estilo de vida colaboram para o aumento global na incidência de AVC

By Published On: 14/08/2024
Casos de AVC aumentam no mundo; tratamentos estão mais eficientes mas foco deve ser na prevenção

Foto: Pexels

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a principal causa de morte no Brasil. Em 2023, conforme levantamento da Sociedade Brasileira de AVC (SBAVC), a doença matou 110.818 brasileiros. Apesar de uma queda de 2022 para 2023, nos últimos anos os casos aumentaram sucessivamente: 103.769 em 2019, 104.847 em 2020, 109.431 em 2021 e 115.090 em 2022. Essas estatísticas preocupam sociedades médicas e o governo, pois, além das mortes, as consequências do AVC são muitas vezes irreversíveis.

Mas o que explica esse aumento no Brasil e no mundo? De acordo com especialistas, parte é pelo estilo de vida moderno, que leva a comorbidades como pressão alta, diabetes, arritmia cardíaca, sedentarismo, tabagismo, consumo excessivo de álcool e obesidade. São os chamados fatores de risco modificáveis, responsáveis por 90% dos casos de AVC.

O aumento da idade da população é outro ponto, aponta a neurologista vascular Maramélia Miranda Alves, presidente da Sociedade Brasileira de AVC (SBAVC). “O segundo ponto é o maior diagnóstico. A tecnologia avançou significativamente, aumentando a disponibilidade e o acesso a exames. Isso favoreceu um maior diagnóstico de AVC. Motivos que anteriormente não sabíamos que eram AVC, agora conseguimos determinar e definir.” 

Outro dado interessante é que, além do estilo de vida, as mudanças climáticas se associam com maior risco de morte e sequelas por AVC. Foi o que revelou um recente estudo global de 30 anos, realizado por pesquisadores da Universidade Central do Sul, na China, que investigou como as mudanças climáticas afetaram as taxas de mortalidade e incapacidade por AVC, especialmente em relação a temperaturas extremas. Os pesquisadores coletaram dados de 204 países e territórios de 1990 a 2019, abrangendo informações climáticas e de saúde. O estudo revelou que em 2019 mais de 500 mil mortes por AVC foram atribuídas a temperaturas extremas, tanto altas quanto baixas. 

Aumento dos casos de AVC 

Existem dois tipos de AVC: o isquêmico, que ocorre devido à obstrução de uma artéria, impedindo a passagem de oxigênio para as células cerebrais e levando à sua morte; e o hemorrágico, causado pelo rompimento de um vaso cerebral e resultando em hemorragia. O AVC isquêmico é o mais comum, representando 85% de todos os casos. Para esses casos, há medicações que podem ser administradas se o paciente chegar rapidamente ao hospital, além de procedimentos por cateter que podem remover o trombo na fase aguda.

No mundo, anualmente 12 milhões de pessoas sofrem um AVC e aproximadamente não sobrevive. No entanto, o número de mortes por AVC globalmente poderá aumentar em 50%, alcançando quase 10 milhões até 2050, caso não sejam aprimoradas as ações de monitoramento e prevenção, alertou um estudo da Organização Mundial do AVC publicado no periódico científico Lancet Neurology.

Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, o AVC já esteve durante muito tempo como a primeira e segunda causa de morte. Hoje é a quinta. Ou seja, houve um decréscimo da taxa dessas doenças nos países desenvolvidos, principalmente por controle melhor desses fatores de risco.

No caso do Brasil, que registra aumento das taxas, a presidente da SBAVC explica que isso se deve ao fato de a doença não ser adequadamente tratada em muitas regiões do país: “Buscamos advogar com campanhas populacionais junto aos governos para melhorar o acesso às tecnologias e aos tratamentos, pois a doença requer uma rede de atendimento organizada e integrada”.

Segundo ela, a integração em rede é fundamental, pois não basta um único hospital oferecer tratamento. É importante que o paciente reconheça isso, e que a família saiba como socorrê-lo e levá-lo diretamente para um local onde ele possa receber tratamento adequado. “É necessário que haja esse conhecimento e comunicação com o SAMU, responsável pelo transporte de casos graves de AVC. Além disso, é essencial dialogar com os serviços de reabilitação, que realizarão o tratamento pós-AVC, e com as Unidades Básicas de Saúde (UBS), responsáveis pelo tratamento preventivo subsequente ao AVC”, pontua.

Iniciativas para prevenção do AVC 

Neste contexto, a prevenção desempenha um papel fundamental na gestão dos fatores de risco do AVC. Segundo Gisele Sampaio, neurologista e pesquisadora do Hospital Israelita Albert Einstein, existem medicamentos eficazes para tratar hipertensão, diabetes e controlar o peso: “O estilo de vida da população atual, com pouco exercício físico e muito sedentarismo, aumenta a chance da ocorrência desses fatores de risco. Esse padrão de vida contribui significativamente para o crescimento nos casos na população”. Além disso, o estresse psicossocial está incluído como um fator de risco para a doença cerebrovascular e deve ser evitado, esclarece. É o que também apontou um estudo realizado em 32 países, mencionando os 10 principais fatores de risco.

A neurologista Sheila Martins, chefe do Serviço de Neurologia do Hospital Moinhos de Vento, lembra ainda que a pressão alta aumenta o risco de AVC. “A pressão alta corresponde a aproximadamente 50% dos casos de AVC. Se controlarmos a pressão, reduzimos em metade dos casos”, completa.

Um programa importante de prevenção é a Iniciativa Hearts, da OMS. São estratégias para melhorar a saúde cardiovascular na Atenção Primária à Saúde (APS). O programa visa identificar precocemente problemas de saúde como pressão alta e iniciar tratamento precoce desses pacientes. Em 2021, o Brasil aderiu à iniciativa. “Temos grandes expectativas de que, se este programa for efetivamente implementado, ele poderá reduzir pelo menos pela metade os casos de AVC, possivelmente ainda mais”, estima Martins.

O Hospital Moinhos de Vento implementou o programa em Porto Alegre em parceria com a Secretaria de Saúde. Inicialmente, foram selecionadas 10 unidades de saúde para a implementação da Iniciativa Hearts. Médicos, enfermeiros e farmacêuticos foram capacitados para essa iniciativa assistencial, focada no cuidado do paciente. A Secretaria de Saúde de Porto Alegre expressou o desejo de expandir o programa para todas as unidades de saúde, reconhecendo sua importância. A proposta recomenda que a primeira ação seja a medição da pressão arterial de todos os pacientes que chegarem ao posto de saúde. “Há um enorme potencial de detectar pressão alta em quem nem sabe se tem pressão alta”. diz Sheila Martins.

Como resultado, mais de mil profissionais foram capacitados, aumentando a taxa de medição da pressão arterial de 20% para 75% em apenas dois meses. Segundo a neurologista do Moinhos de Vento, este protocolo internacional foi adaptado para utilizar os medicamentos disponíveis pelo SUS.

Outro estudo realizado pela instituição, em parceria com o Ministério da Saúde através do Proadi-SUS, focou na prevenção da pressão alta. Uma polipílula desenvolvida no Brasil demonstrou potencial de reduzir a pressão arterial em pacientes com baixo ou moderado risco da doença. Inicialmente, 421 participantes foram incluídos no estudo, dos quais 371 foram randomizados para continuar. Segundo Sheila Martins, a polipílula foi bem tolerada e estará disponível para a população a partir de 2025. “Esse estudo será expandido para todo o Brasil, envolvendo 8 mil pacientes, para avaliar se reduz o AVC, infarto, morte cardiovascular e demência”, afirma.

Tratamentos e cuidados com AVC

No país, estima-se que ocorram 400 mil casos de AVC por ano. Além disso, um levantamento inédito realizado pela equipe do Joinvasc, programa público de tratamento do AVC em Joinville, SC, conhecido internacionalmente pelo acompanhamento e tratamento de doenças cerebrovasculares, revelou que o custo médio das consequências de um AVC por pessoa ao ano é de R$ 134 mil. Diagnóstico e tratamento rápidos são, portanto, essenciais para minimizar os danos e aumentar as chances de recuperação.

Para o AVC isquêmico, o tratamento mais comum é a trombólise endovenosa, onde um medicamento é administrado na veia para dissolver o coágulo que obstrui a circulação. Esta opção foi aprovada mundialmente em 1995 e no Brasil em 2001, porém só se tornou política pública em 2012. “O acesso ao medicamento trombolítico no SUS demorou 17 anos para ser disponibilizado”, lembra Maramélia Miranda Alves.

Outro tratamento, a trombectomia mecânica (TM), foi aprovada mundialmente em 2015, inicialmente em países desenvolvidos. Este procedimento requer uma logística mais complexa devido à necessidade de um especialista, conhecido como neurorradiologista intervencionista. O procedimento envolve um cateterismo realizado na virilha ou no braço, que é guiado até o cérebro para desobstruir a circulação.30

Quando a trombectomia mecânica foi aprovada mundialmente, alguns hospitais privados começaram a realizar o procedimento, incluindo o Moinhos de Vento. Sheila Martins relata que solicitaram ao Ministério da Saúde a realização de um estudo no SUS, uma vez que o tratamento não estava disponível no sistema público. O Ministério da Saúde, então, financiou um estudo para verificar a eficácia do procedimento no sistema público:

“A logística no SUS não é tão simples, e os especialistas do SUS não têm experiência. Precisávamos verificar se era viável implementar no SUS e se os resultados seriam comparáveis aos de outros lugares do mundo, além de avaliar a relação custo-benefício”, afirmou Sheila, uma das coordenadoras junto com Raul Nogueira e Otávio Pontes. O projeto Resilient, conduzido pela Rede Nacional de Pesquisas-AV, foi fundamental para a incorporação dessa tecnologia pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Segundo Sheila, recentemente o Ministério da Saúde informou que 170 pacientes já foram tratados desde que o tratamento foi finalmente implementado em dezembro de 2023, em 12 hospitais do Brasil.

Nessa mesma linha, os avanços tecnológicos estão contribuindo significativamente para a prevenção e tratamento, como é o caso da inteligência artificial. Recentemente, pesquisadores do Penn State College of Medicine receberam mais de US$ 2 milhões do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame. O objetivo é desenvolver um modelo multicêntrico validado, baseado em inteligência artificial, para prever a mortalidade e a recorrência de AVC isquêmico, com foco na melhoria da prevenção secundária.

Gisele Sampaio, do Einstein, destaca que o avanço da inteligência artificial tem contribuído significativamente para a identificação precoce do AVC: “Quando o paciente chega com AVC, podemos interpretar rapidamente as imagens usando inteligência artificial, o que facilita o acesso rápido aos tratamentos.”

Outra novidade é a introdução de uma tomografia dentro de uma ambulância, conhecida como unidade móvel de AVC (mobile stroke unit), o que ainda não é uma realidade na maioria dos países. No Brasil, a primeira ambulância equipada com tomografia para atendimento de AVC começou a operar em Brasília em 2020, do Hospital Santa Lúcia, da rede privada de saúde da capital.

Apesar dos avanços na tecnologia e novos tratamentos, conforme a presidente da Sociedade Brasileira de AVC (SBAVC), a questão do AVC ainda recebe pouco destaque no Brasil: “Houve a pauta da pandemia, da dengue. No entanto, o AVC não está entre as principais prioridades, embora seja a doença que mais causa mortes no país”, conclui.

Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

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One Comment

  1. Helbert Silva 16/08/2024 at 11:43 - Reply

    Diante do complexo cenário da saúde no Brasil, algumas questões básicas não são devidamente questionadas e valorizadas em buscas de soluções. Por exemplo: na Rede D’Or em Belo Horizonte, em um dos hospitais de maior referência na área cardiológica e geral, faltam cadeiras de roda, causando grandes transtornos para acompanhantes, pacientes com mais de 80 anos e outros sem condições de se locomover por conta própria. Estes fatos eu observei pessoalmente e atuei em buscas dessas cadeiras em vários setores do hospital para atender pacientes que precisavam imediatamente deste recurso, até mesmo para transporte de pacientes com alta médica existe esta carência. Atuo em pesquisas na área de saúde, sou pós-graduado em Administração Hospitalar, ministrei aulas e palestras no contexto e atuei como membro de diretoria em Fundação Mineira para o Desenvolvimento Hospitalar.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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