Como as empresas de saúde estão utilizando a inteligência artificial generativa?

Como as empresas de saúde estão utilizando a inteligência artificial generativa?

Ferramentas de inteligência artificial generativa podem otimizar operações em todos os setores e a saúde não quer ficar de fora

By Published On: 29/06/2023
IA generativa - Cases

A inteligência artificial generativa, mais conhecida por ferramentas como ChatGPT ou similares, vem revolucionando diversos setores por meio de softwares inteligentes e novos dispositivos que melhoram o atendimento tradicional das empresas. Segundo levantamento da Deloitte, sete em cada 10 empresas brasileiras investirão em inteligência artificial neste ano. No campo da saúde, diversas organizações estão se preparando para incluir o método no cotidiano.

Apesar de ainda haver inúmeros desafios em torno da IA generativa – necessidade de regulamentação e uso adequado da tecnologia estão entre eles –, há consenso de que existe um vasto potencial a ser explorado tanto no atendimento direto aos pacientes, com ferramentas de apoio à decisão clínica ou diagnóstico por imagens, como na gestão de dados e tarefas administrativas.

Fato é que já há exemplos práticos em andamento e Futuro da Saúde escutou lideranças de diferentes nichos para entender alguns cases de como o setor vem se beneficiando, quais os desafios e o que esperar para os próximos anos. A ideia é utilizar a tecnologia para melhorar os serviços de saúde em um cenário de demanda crescente, aprimorar a experiência do paciente, personalizar tratamentos, reduzir custos operacionais e ajudar na escassez de médicos.

Empresas de tech se unem à saúde, em especial às farmas

Se nas empresas de tecnologia os avanços são significativos, na saúde começa a se intensificar. No campo farmacêutico, por exemplo, as ferramentas de inteligência computacional podem não apenas melhorar e até substituir abordagens de tentativa e erro, mas também criar modelos mais rápidos e eficientes para monitorar todo o processo. A NVIDIA, renomada empresa de tecnologia, anunciou recentemente sua intenção de auxiliar o setor farmacêutico no avanço da P&D de novos medicamentos por meio de soluções baseadas em inteligência artificial.

Marcel Saraiva, gerente de vendas da divisão Enterprise da NVIDIA no Brasil, salienta que o grupo reconhece a importância da inteligência artificial na transformação da indústria farmacêutica, impulsionando avanços significativos na descoberta e no desenvolvimento de medicamentos: “A IA generativa desempenha um papel fundamental nesse contexto, permitindo acelerar o processo de descoberta de medicamentos”.

Mas como isso ocorre? A NVIDIA tem feito investimentos consideráveis em pesquisa e desenvolvimento para impulsionar a IA generativa em diversas áreas. Uma das principais contribuições é o desenvolvimento de unidades de processamento, GPUs, de alto desempenho, projetadas especialmente para acelerar o treinamento e a inferência de modelos de IA incluindo os baseados em IA generativa. Essas GPUs têm sido amplamente utilizadas em pesquisas e aplicações práticas que envolvem a geração de conteúdo como imagens, vídeos e música.

No campo da saúde, desempenharam um papel significativo por meio do programa NVIDIA Clara. Essa plataforma de IA acelerada por GPU oferece soluções avançadas em áreas como diagnóstico médico por imagem, análise genômica e descoberta de medicamentos. A IA generativa é utilizada no Clara para aprimorar a precisão dos diagnósticos e acelerar o desenvolvimento de terapias personalizadas.

Neste ano, com o auxílio de um modelo generativo de IA pré-treinado da NVIDIA, a startup Evozyne conseguiu desenvolver com sucesso duas proteínas com um potencial significativo nas áreas da saúde e da energia limpa. Um artigo conjunto foi publicado, detalhando o processo e os elementos básicos biológicos produzidos. Uma das proteínas foi projetada para tratar uma doença congênita, enquanto a outra foi concebida para consumir dióxido de carbono e contribuir na redução do aquecimento global. Os resultados iniciais indicam uma abordagem promissora para acelerar a descoberta de medicamentos e muito mais.

“Adicionalmente, mantemos uma colaboração constante com parceiros da indústria, instituições acadêmicas e comunidades de pesquisa para fomentar a inovação e expandir os limites da IA generativa. Essas parcerias têm resultado em avanços significativos em áreas como design de produtos, geração de conteúdo visual e até mesmo no campo da arte”, detalha Saraiva.

Com o poder de processamento das GPUs da NVIDIA, a IA generativa pode analisar grandes volumes de dados químicos e biológicos, identificando padrões e relações que seriam difíceis de detectar com métodos convencionais: “Isso resulta em descobertas mais rápidas e precisas, reduzindo significativamente o tempo e os recursos necessários para levar novos medicamentos ao mercado”, explica o executivo.

Por isso as soluções tecnológicas da NVIDIA são especialmente relevantes no campo farmacêutico. Ao consultar uma base de dados aparentemente infinita de moléculas ou simular a interação das moléculas com a complexidade bioquímica do corpo humano, essas tecnologias permitem às empresas farmacêuticas melhorar a análise, eficiência e escalabilidade de seus projetos de descoberta de medicamentos.

Hospitais e a otimização dos recursos

Essa integração da tecnologia à área de saúde é um processo que vinha ocorrendo nos últimos anos, mas se intensificou na pandemia. “O uso de tecnologias na área da saúde vem crescendo a cada dia e é preciso que estejamos disponíveis para utilizá-las em diferentes frentes, seja na administração de medicamentos ou na detecção precoce de doenças”, resume Saulo Mengarda, diretor-geral da instituição.

No Hospital São Lucas da PUCRS, de Porto Alegre (RS), uma das ações está sendo feita em parceria com a startup NoHarm.ai. Dentre as principais atribuições da farmácia clínica do hospital está a responsabilidade de realizar a validação técnica da prescrição médica e a sua atuação junto à equipe multidisciplinar.

“Com foco no paciente e equilíbrio das ações, conseguimos garantir o sucesso na farmacoterapia para obtenção de resultados clínicos positivos. Para a melhoria desse equilíbrio, encontramos na NoHarm.aiuma forma de otimizar a validação técnica e a priorização das prescrições fora do padrão”, pontua o diretor-geral.

Segundo ele, o sistema indica onde estão os potenciais erros de prescrições, auxilia na identificação da duplicidade, de doses acima do recomendado, nas falhas de frequência da administração de medicamentos e na via de administração incorreta. Assim, aumenta-se a qualidade assistencial e a eficiência hospitalar, proporcionando aos profissionais mais tempo de atuação prática. “O uso da aplicação aumentou em 300% as validações e as intervenções da farmácia clínica da instituição na prescrição médica, o que contribui para a prevenção de erros e aumenta a segurança para os nossos pacientes”, diz.

Outra novidade é o rastreamento de câncer de pulmão em estágio inicial e outras doenças por meio do uso da inteligência artificial. Essa tecnologia foi desenvolvida dentro do Parque Científico e Tecnológico da PUCRS pela startup Exper e a avaliação é indicada, principalmente, para pacientes fumantes a partir de 50 anos.

A técnica utilizada é a tomografia computadorizada de baixa dose, a qual demonstra excelentes resultados em pesquisa com protocolo semelhante nos EUA: em um estudo realizado em 2011 com ex-fumantes de até 74 anos, mais de 20% dos participantes tinham um parente de primeiro grau com câncer de pulmão e o uso da tecnologia para a identificação da doença reduziu em 20,3% a mortalidade por esse tipo de câncer, em comparação com o rastreamento por radiografia simples.

Além do câncer de pulmão, outras doenças também podem ser rastreadas pela técnica, como a calcificação arterial coronariana (que também é associada ao histórico de tabagismo e à idade avançada do paciente), a osteoporose e o aumento de gordura hepática (ou seja, no fígado).

IA generativa para facilitar jornada

No segmento de tecnologia em saúde, a Eyecare Health, fundada em 2019, tem utilizado a IA para “adicionar funcionalidades aos processos e facilitar o acesso da população aos serviços de saúde”, segundo o CEO e cofundador Marco Negreiros. Na visão dele, os pacientes estarão cada vez mais empoderados dentro e fora dos consultórios: “Essas pessoas serão donas de suas jornadas e de seus dados de saúde por meio de dispositivos tecnológicos como smartphones, que facilitarão o acesso e acompanhamento desses números”.

Um dos produtos da Eyecare é o Benefício Visão, uma ferramenta proprietária para triagem oftalmológica que permite que o atendimento seja iniciado antes mesmo da consulta. Além disso, o paciente tem acesso a especialistas, com o apoio de uma interface amigável e fácil de usar, em um ambiente seguro, no qual os dados sensíveis ficam protegidos: “Aliando tecnologia à saúde visual, nosso objetivo é permitir que os médicos oftalmologistas tenham mais tempo de qualidade com seus pacientes”, esclarece.

Desde 2012, segundo dados do IBGE, a quantidade de pessoas com 60 anos ou mais cresceu 30% no país. Com esse aumento, os casos de doenças crônicas, principalmente as que atingem a saúde visual, como DMRI (degeneração macular relacionada à idade), devem subir. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia estima que, em 2030, o Brasil terá quase 900 mil pessoas com o problema. A catarata, principal causa de cegueira reversível no mundo, também está diretamente associada ao envelhecimento da população.

“Diante de projeções como essa, estamos confiantes de que a tecnologia encurtará o acesso a profissionais de saúde, promovendo resultados extraordinários e será um agente promotor da equidade, democratizando o acesso a atendimento médico em todos os cantos de um país de dimensões continentais como o nosso”, sinaliza.

Para ajudar na expansão do negócio, o Hospital Israelita Albert Einstein, por meio de um fundo gerido pela Vox Capital, em conjunto com o Parceiros Ventures e outros investidores, apostou R$ 13 milhões na Eyecare Health. O capital será usado para aprimorar as funcionalidades dos produtos, contratar talentos e escalar a operação.

Planos de saúde podem utilizar IA para sinistralidade

Com 26 anos de atuação, a Unimed Brusque, em Santa Catarina, vem utilizando a IA generativa para dar conta dos seus 18 mil beneficiários. Um exemplo da tecnologia aplicada é a Laura, um robô com IA que tem o objetivo de conhecer melhor os beneficiários e oferecer um atendimento personalizado. Nesse sentido, reconhece cada cliente através dos dados preenchidos em um questionário, por meio de um link que é enviado via WhatsApp.

Para Amanda Baumel de Carvalho, gerente de serviços da Unimed Brusque, explica que a empresa utiliza IA para acompanhar os beneficiários em sua jornada de cuidado com a saúde para algumas condições de saúde: “Hoje, em nossas Linhas de Cuidado, temos o público diabético, hipertenso e obeso. Nossa proposta é que, no dia a dia, a IA vá conduzindo os cuidados necessários com a saúde para que consiga manter a manutenção em bons índices de controle de doenças que tendem a se descompensar, prejudicando a saúde como um todo”.

O diretor presidente Charles Machado também acredita que a tecnologia pode ajudar a superar desafios do segmento, como controle de sinistralidade e qualidade de atendimento: “Nesse quesito a Unimed Brusque já dispõe de mecanismos de IA no que se refere à busca ativa de clientes para programas de prevenção de doenças. Estamos caminhando para implantação de pronto atendimento no formato virtual”. Para ele, “o desafio é acompanhar as tendências proporcionando um atendimento efetivo sem perder a parte humana de acolhimento que todos esperam”.

Ao longo do processo há aprendizados. Segundo Amanda de Carvalho, aqueles clientes que necessitam de uma atenção mais específica ainda precisam ser levados para o consultório e receber educação em saúde, porque não foi possível alcançar esse público da maneira que esperavam com a IA.

IA generativa nos softwares em saúde

A NeuralMed, startup fundada em 2018 que usa a inteligência artificial para ajudar sistemas de saúde a fazer triagens de pacientes, é outra que já utiliza a tecnologia. “A verdade é que o processo, essa questão de IA generativa, é algo que já existe há bastante tempo”, destaca Anthony Eigier, CEO e cofundador da empresa. Em sua expertise na área, ele acredita que o setor da saúde, tradicionalmente conservador com relação à inovação, não consegue mais ignorar e passou a perceber as vantagens.

Porém, é preciso ter certezas: “Não podemos ter a chance de errar. Estamos desenvolvendo soluções há alguns anos, mas antes de vender e ensinar para o mercado que isso existe, nos posicionamos como copiloto. Quem dá o diagnóstico é o médico. Estamos aqui para facilitar”.

Mostrar para o setor que a tecnologia permitiu que o produto estivesse ao alcance dos pacientes, facilitando assim suas rotinas, também trouxe ainda mais respaldo à NeuralMed: a projeção é de um crescimento de 700% até 2025. Em 2022, por exemplo, a empresa pensava em atender 20 hospitais e hoje o número é mais de seis vezes maior: passam de 130 instituições. “Estamos ouvindo e crescendo junto com os clientes. Temos tecnologia madura e sabemos como o sistema pensa. E tem o mercado, mais factível para ouvir sobre IA e que precisa economizar”, analisa Eigier.

Voltando aos planos de saúde, a burocracia em torno de sinistros e pagamentos no setor médico pode consumir milhares de horas de trabalho. O preenchimento manual aumenta o risco de erros durante o processo, o que não é bom nem para o paciente que faz a reclamação nem para o provedor que tenta acompanhar as contas. A IA permite automatizar a apresentação de sinistros e fornece recomendações úteis com base na análise dos dados provenientes da gestão. Isso poderia acelerar o processamento, o que melhoraria a experiência para funcionários e clientes.

Portanto, um dos programas da NeuralMed é o ATLAS, que ajuda a entender esses números: “O sistema pega os dados e fala: ‘esses pacientes têm mais risco de internar, gerar sinistro, problemas’. E assim indicamos para os nossos clientes. Vamos fazer um atendimento preciso, superativo para essas pessoas, que são as que vão gerar problemas mais sérios”, explica. E toda essa tecnologia, segundo o CEO, é desenvolvida no Brasil, refletindo a realidade de doenças brasileiras.

Embora a IA tenha vindo para ficar, a recomendação é não pensar que ela irá substituir as pessoas. Afinal, no momento, um dos maiores desafios é a validação e precisão dos dados. Especialistas em saúde são cautelosos quanto ao uso de IA generativa para diagnóstico direto e tratamento de pacientes. O espectro desses problemas inspirou mais de três mil líderes de tecnologia a assinarem uma carta aberta em março, pedindo às empresas que adiassem o desenvolvimento de sistemas avançados de IA até “estarmos confiantes de que seus efeitos serão positivos e seus riscos administráveis”.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) também pediu aos cidadãos que tenham cautela com o uso de ferramentas de IA e garantam que elas sejam usadas para proteger e promover o bem-estar, a segurança e a autonomia humana.

Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

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Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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