Capitalismo consciente: conceito ligado ao ESG permeia cada vez mais as empresas
Capitalismo consciente: conceito ligado ao ESG permeia cada vez mais as empresas
Um dos fundadores do conceito de capitalismo consciente está no Brasil e falou com Futuro da Saúde sobre seu potencial de transformação
A sociedade está passando por uma transformação acelerada, e uma das características mais evidentes desse novo momento, que se observa não apenas nas gerações mais jovens, mas também em outras faixas etárias, é a crescente ênfase no propósito. Embora essa palavra possa parecer uma tendência passageira, sua influência está gerando mudanças significativas na maneira como as pessoas consomem e, consequentemente, está levando as empresas a ajustarem suas práticas para se alinharem com os princípios do ASG (Ambiental, Social e Governança), conhecido como ESG em inglês. Nesse contexto, um conceito que está ganhando cada vez mais destaque é o do capitalismo consciente.
Essa abordagem empresarial busca equilibrar a sustentabilidade com a rentabilidade, priorizando não apenas os lucros, mas também o impacto positivo na sociedade e no meio ambiente. “O capitalismo consciente é uma forma de pensar sobre os negócios que vai além do pensamento convencional, que é ensinado nas escolas de negócios e geralmente envolve apenas a maximização do lucro ou do valor para os acionistas de empresas públicas”, explica Raj Sisodia, um dos criadores do conceito, .professor de negócios globais na Tecnológica de Monterrey no México, e cofundador do Conscious Capitalism Inc. “Esse conceito defende que os negócios devem ter um propósito mais elevado do que apenas o lucro, ou seja, eles devem ter um motivo para existir”.
Sisodia participou na quarta-feira, 18, do Congresso Nacional dos Hospitais Privados (Conahp 2023) e conversou com Futuro da Saúde. Ele é também co-autor do livro The Healing Organization, outro conceito que implica na busca das empresas e instituições pelo fim do sofrimento – algo que, segundo ele, precisa começar de dentro. “Uma healing organization busca reduzir o sofrimento e aumentar a alegria no mundo através dos negócios conscientes. Isso é alcançado identificando áreas de sofrimento na sociedade e procurando soluções, ao mesmo tempo em que se mantém a lucratividade”, afirma.
Esse movimento em prol da consciência e humanização pode ser explorado também pelas instituições de saúde. Para Sisodia, as organizações que adotam o conceito “economizam dinheiro ao ter menor rotatividade de funcionários, custos mais baixos e operações que as pessoas confiam mais. Além disso, funcionários altamente engajados impulsionam a inovação e a eficiência. O comprometimento dos funcionários é crucial para o sucesso dessas empresas, pois eles se identificam com o propósito da organização”.
Segundo ele, embora essas empresas possam gastar mais em áreas como remuneração justa para os funcionários, elas colhem inúmeros benefícios, incluindo a criação de valor em várias dimensões, como bem-estar dos funcionários, satisfação dos clientes, impacto na comunidade e saúde do meio ambiente. “O desafio é que, tradicionalmente, a medição de valor se limita ao financeiro, enquanto essas empresas valorizam aspectos mais amplos. Os negócios tradicionais frequentemente exploram seus funcionários e fornecedores em busca de lucro, resultando em esgotamento e perda de empregos. Isso não é uma abordagem sustentável ou humana”, conclui.
Capitalismo consciente na prática
A Brain4Care, healthtech brasileira que desenvolveu uma tecnologia pioneira de monitorização não invasiva da pressão intracraniana, aderiu ao capitalismo consciente. A empresa foi idealizada em 2014 por Sérgio Mascarenhas e acelerada no Vale do Silício pela Singularity University em 2017. Atualmente conta com liberação da tecnologia pela Anvisa desde 2019 no Brasil – onde está presente em mais de 60 clínicas e hospitais –, pelo FDA desde 2021 nos Estados Unidos e atualmente busca expansão no mercado internacional.
Segundo Plinio Targa, CEO e investidor da Brain4Care, e Carlos Bremer, também investidor da companhia, a startup não existiria sem esse propósito de valor humano. “Em 2012, me tornei um dos co-fundadores do movimento capitalismo consciente no Brasil”, conta Bremer. “Conheci Raj em 2010 durante uma cúpula de CEOs nos EUA, e foi assim que tive meu primeiro contato com o conceito. Um dia, Plinio e eu conhecemos o professor Sérgio Mascarenhas, fundador da Brain4Care, e explicamos nossas práticas em nossa antiga empresa de cadeia de suprimentos, que, de certa forma, se alinhavam com os princípios do capitalismo consciente, mesmo que não usássemos essa terminologia”.
Ele conta que Mascarenhas viu valor nisso e incentivou ambos a seguir com essa abordagem, mas com a condição de que a aplicassem de acordo com seus ideais. Assim, a Brain4Care se conectou a um propósito que se baseia em filosofias semelhantes ao capitalismo consciente. Depois disso, a empresa foi incubada no Vale do Silício no programa da Singularity University.
“Quando perguntamos por que a Brain4Care foi escolhida, Peter Diamandis, da Singularity, nos disse que nos selecionaram porque acreditavam que teríamos um impacto em um bilhão de pessoas nos próximos vinte anos”, lembra Targa. “Eles estavam introduzindo um novo sinal vital, que era algo transformador. Essa visão nos inspirou, pois tínhamos a oportunidade de deixar um legado para a humanidade ao introduzir esse sinal vital”.
A partir deste ponto, a empresa decidiu que seu principal objetivo seria alcançar o maior número de pessoas no menor tempo possível. “Essa visão moldou todos os aspectos de nossa empresa, desde nossos negócios até nossos preços. Essa abordagem nos permitiu ser inovadores em tudo o que fazemos”, conta o CEO. “Essa conexão com os conceitos de capitalismo consciente e healing organization é significativa, pois acreditamos que, no setor de saúde, as pessoas não são uma mercadoria, elas são o foco essencial. Em nosso mundo, tudo pode ser considerado uma mercadoria, exceto as pessoas. Acreditamos que a essência da saúde está em cuidar das pessoas”, conclui.
Perspectivas futuras e benefícios
Com os avanços tecnológicos e o crescimento da consciência social, é esperado que cada vez mais que não só as healthtechs, mas as empresas e instituições em geral, estejam alinhadas a este princípio. “A boa notícia é que não estamos sozinhos. Grandes instituições também estão tentando fazer certas coisas”, conta Bremer. “De repente, uma delas quebrará o sistema e trará algo novo. Não sei de onde está vindo. Não sei como. Mas vejo que as pessoas estão vindo até nós e dizendo: ‘Isso é ótimo. Quero ajudar vocês.’ É assim que vejo”.
Para Sisodia, a forma certa de fazer negócios é “fazê-lo não com cifrões nos olhos, mas olhando quantas vidas podemos salvar. No final de nossas vidas, não estaremos olhando nosso saldo bancário e dizendo: ‘Não estou feliz’. Vamos dizer: ‘Quantas vidas eu toquei? Quanto sofrimento eu reduzi nesta vida? E quanto de alegria eu trouxe?’ E acho que esse é o tipo de negócio que permite que as pessoas façam isso. Por isso, me orgulho de fazer parte disso”.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.