Câncer de mama precisa de abordagem multidisciplinar e mais agilidade na navegação da paciente, afirma especialista

Câncer de mama precisa de abordagem multidisciplinar e mais agilidade na navegação da paciente, afirma especialista

Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, Fábio Bagnoli fala sobre os desafios a serem superados no cenário do câncer de mama

By Published On: 31/10/2023

O câncer de mama afeta milhares de mulheres no Brasil e milhões no mundo. Enquanto aqui no país, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), em 2022, foram estimados mais de 66 mil novos casos, globalmente a doença registra mais de 2 milhões de casos, de acordo com os dados mais atualizados da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2020. Para o triênio 2023-2025, o INCA projeta que serão 74 mil novos casos por ano no Brasil – é o tumor mais incidente após o câncer de pele não melanoma. O diagnóstico é mais comum em mulheres com mais de 50 anos, o que não exclui pacientes mais jovens, principalmente com histórico na família, ou até mesmo homens, que representam cerca de 1% dos casos.

Porém, apesar da alta incidência, ainda há uma boa parcela que não realiza os exames segundo as recomendações oficiais. Uma pesquisa do Instituto Pfizer mostrou que muitas mulheres na faixa etária de 40 a 49 anos não realizam mamografias anualmente, embora essa seja a recomendação. “Temos esse problema de conscientização. A pesquisa do INCA mostra uma estimativa de 74 mil mulheres por ano até 2025 que irão desenvolver câncer de mama e mesmo assim a grande maioria não aparece para exames”, explica Fábio Bagnoli, professor doutor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e vice-presidente da Regional São Paulo da Sociedade Brasileira de Mastologia.

Ele explica que essa realidade, apesar de ser, em partes, cultural, também está muito atrelada à forma que nosso sistema de saúde funciona. “Não temos um sistema bem implementado de rastreamento igual outros países, como o Reino Unido e Canadá, onde as mulheres são convocadas para fazer a mamografia. No Brasil, há tentativas nesse sentido, mas sabemos que a maioria das mulheres não recebe convocações para esse exame”, ressalta. “Quando elas se lembram de que precisam fazer, procuram um médico ou uma unidade básica de saúde. Se estiverem na faixa etária recomendada, fazem o exame. Caso contrário, não o fazem”. 

De acordo com ele, o ideal seria a implementação do rastreamento organizado, no qual as mulheres são convocadas e recebem notificações. “Esse acompanhamento e incentivo precisam acontecer o ano todo, muito além do Outubro Rosa”, afirma.

Gargalos nos sistemas de saúde

A necessidade de conscientização vai além da noção de que os exames são necessários. Até porque muitas vezes o exame é apenas o ponto de partida de uma jornada que demanda uma navegação eficiente e veloz. Mas não é essa a realidade para boa parte dos pacientes. “Infelizmente, a demora é uma realidade que enfrentamos, desde o diagnóstico de suspeita até o início do tratamento. Este é um grande problema e a sociedade tem discutido amplamente como podemos ser facilitadores para os pacientes, a fim de evitar demoras”, pontua Bagnoli. 

Esse gargalo no sistema abre uma janela de tempo maior para o desenvolvimento do câncer e têm interferido na forma de enfrentar a doença. Com a detecção precoce, intervenções invasivas, como a quimioterapia ou a retirada das mamas, poderiam ser evitadas.

“Quando conseguimos diagnosticar o câncer precocemente, aumentamos as chances de cura e podemos oferecer tratamentos menos agressivos. Isso significa que muitas vezes não é necessário remover toda a mama, e em alguns casos, a quimioterapia pode ser evitada, o que é menos impactante para o paciente”, explica Fábio.

Segundo o vice-presidente, a pesquisa médica avançou significativamente no tratamento do câncer de mama. Terapias inovadoras, como terapia para pacientes com câncer metastático e terapias com anticorpo monoclonal droga-conjugada, estão expandindo as opções de tratamento. Além disso, exames moleculares, como testes genéticos e biópsia líquida, estão personalizando o tratamento, tornando-o mais eficaz e menos tóxico. Até o mesmo o desenvolvimento de uma vacina para prevenir o câncer de mama triplo negativo está no radar.

Porém, o acesso a tratamentos inovadores ainda é restrito, devido aos custos elevados. “A partir do diagnóstico de suspeita, seja por mamografia, ultrassom ou exame clínico, precisamos abreviar o tempo até a realização da biópsia. Uma vez feita a biópsia, o paciente precisa ser encaminhado para um serviço terciário, um hospital de referência para o tratamento. No entanto, enfrentamos gargalos nesse processo, que são pontos críticos”, reforça.

No Sistema Único de Saúde (SUS), segundo ele, “nos últimos anos, houve um fechamento de leitos hospitalares, o que agravou o problema, já que menos pacientes conseguem ingressar nos hospitais para receber tratamento. Desde o rastreamento até o diagnóstico e o tratamento, é necessário uma reorganização. Isso inclui o uso mais eficiente dos mamógrafos, a disponibilização de métodos de biópsia em quantidade suficiente e a criação de vagas no sistema para o tratamento”.

E na saúde suplementar também há desafios, pois os serviços privados e convênios enfrentam igualmente gargalos e filas de espera. “Essa realidade que cria obstáculos para as mulheres entre 40 e 49 anos, levando-as a não seguir as diretrizes de rastreamento e, consequentemente, deixando passar oportunidades de diagnóstico precoce”.

Câncer de mama engloba fatores psicossociais

Além da necessidade de aprimoramento do sistema para melhor prevenção, rastreamento e tratamento, o câncer de mama, especialmente, possui fatores psicossociais muito fortes, considerando que um número considerável de pacientes sofrem abandono de seus parceiros. Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) concluiu que 70% das pacientes são deixadas por sua rede de apoio.

“Em termos de questões psicossociais, é fundamental entender que estamos tratando não apenas a doença, mas o paciente como um todo. O paciente tem uma vida, uma família, um cônjuge, filhos, parentes e muitas vezes, uma carreira. O câncer de mama, independentemente do tipo, carrega um estigma significativo para as mulheres e tem um impacto psicológico considerável, como evidenciam estudos”, explica. 

Neste sentido, ele afirma que adotar uma abordagem multidisciplinar e de colaboração entre os profissionais de saúde é fundamental para garantir um atendimento abrangente e eficaz às pacientes. “Precisamos do médico mastologista, mas também de uma equipe de enfermagem, psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas. Isso ocorre porque o tratamento não se limita à mama, afeta o organismo inteiro da paciente, e o aspecto psicológico desempenha um papel crucial”, afirma. 

A equipe médica desempenha ainda um papel importante na construção de uma rede de apoio. O acompanhamento psicológico e a orientação para a paciente e sua família são essenciais para lidar com essas situações e minimizar o impacto do câncer de mama não apenas no corpo, mas também na vida social e emocional das pacientes.

Tendências

Iniciativas como o Outubro Rosa, com campanhas e palestras, têm como objetivo conscientizar a população sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama. O médico conta que a Sociedade Brasileira de Mastologia busca ainda não apenas discutir questões técnicas em seus eventos científicos, mas também identificar problemas e gargalos no sistema de saúde.

Além disso, segundo ele, é cada vez mais importante falar sobre os fatores de risco e abordar o que pode ser feito para diminuir o risco de desenvolver a doença: “Existem fatores de risco modificáveis, ou seja, hábitos que uma pessoa mantém ao longo da vida e que podem aumentar o risco de câncer de mama”. Alguns desses fatores incluem o sobrepeso, a obesidade, principalmente na pós-menopausa, o sedentarismo e o consumo excessivo de álcool.

“Quanto ao futuro, as projeções são animadoras. O cenário do tratamento do câncer de mama tem evoluído significativamente em todas as suas formas. As cirurgias tornaram-se menos mutiladoras, a reconstrução mamária progrediu consideravelmente, e o tratamento sistêmico, que atinge o organismo como um todo, oferece terapias mais personalizadas. Antigamente, até as décadas de 80 e 90, o tratamento era padronizado para todas as mulheres, independentemente do tamanho ou tipo do tumor, já que havia menos conhecimento sobre as diferenças entre elas”, explica Bagnoli. Hoje, com o avanço do conhecimento, o tratamento é cada vez mais personalizado, o que tem um impacto direto nas chances de cura e nos resultados positivos para os pacientes.

Larissa Crippa

Estudante de Jornalismo pela ESPM-SP, com experiência em emissora e produções freelance. Compõe o time de redação do Futuro da Saúde desde outubro de 2023.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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