Cade aprova compra da SulAmérica pela Rede D’Or em meio a contestações
Cade aprova compra da SulAmérica pela Rede D’Or em meio a contestações
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou sem restrições
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou sem restrições na quarta-feira (14) a compra da operadora de planos de saúde SulAmérica pela Rede D’or, maior rede de hospitais do país, durante a 207ª Sessão Ordinária de Julgamento. A negociação avaliada em 15 bilhões de reais é vista com preocupação por outros players do mercado, que tentaram impugnar a transação.
A movimentação segue uma tendência do mercado da saúde, onde empresas buscam formar ecossistemas, seja por meio de parcerias ou por verticalização, para reduzir custos, ganhar escala e aumentar eficiência, com mais controle sobre as contas. Ainda, em meio a uma consolidação de grandes redes de hospitais e operadoras, essa negociação dá um passo para formar um dos maiores impérios da saúde suplementar no país.
Dados da PwC Brasil apontam para 78 transações concluídas na saúde em 2022, sendo 63% delas na região Sudeste, principal polo do setor no país. Cerca de 4 a cada 10 transações foram feitas no estado de São Paulo, local sede da Rede D’or. Também é a maior praça da SulAmérica, com 1,1 milhão dos seus mais de 2 milhões de beneficiários. A operadora é uma das cinco maiores do Brasil.
Ao longo do processo, outras empresas afirmaram que existe o risco de se formar uma concentração de mercado, já que o grupo passa a ter controle sobre três diferentes cadeias do setor, pois também possui 29% das ações da Qualicorp, empresa administradora de planos de saúde coletivos e por adesão. Dessa forma, operadoras e hospitais temem que tanto a SulAmérica quanto a Rede D’Or sejam privilegiadas — por exemplo, com a SulAmérica dando preferência à Rede D’Or e vice-versa –, mesmo que outros players tenham serviços com custo-benefício semelhante ou melhor.
Ao todo, nove empresas entraram com pedido de impugnação. Do lado dos hospitais, os impugnantes são a BP – Beneficiência Portuguesa, Hospital Sírio Libanês, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Hospital Albert Einstein, A.C. Camargo Câncer Center, Hcor e Mater Dei. Já do lado das operadoras, Supervix e Benevix se manifestaram como terceiros interessados. Bradesco Saúde e Real Hospital Português não se manifestaram dentro do prazo, mas também se colocam em oposição.
Rafael Barros e Larissa Pérez, analistas da XP Investimentos, afirmaram em relatório à época da negociação que a transação poderia trazer mais riscos que benefícios ao grupo de hospitais. Mesmo que amplie a participação das empresas na cadeia de saúde, na avaliação dos analistas há “alto risco de que esse negócio prejudique o relacionamento com as operadoras de planos de saúde responsáveis pela maior parte das receitas da Rede D’Or”.
Tendência de mercado
Com o alto custo das despesas médicas, a demanda por discussão sobre preços e modelos de remuneração cresce ano a ano. Impulsionada pelo envelhecimento da população e as novas tecnologias para o tratamento de doenças, a saúde suplementar se vê em meio a uma encruzilhada, onde não consegue reduzir drasticamente a sinistralidade dos planos de saúde, com uma margem baixa e em alguns casos, tendo prejuízos. Na semana passada, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) divulgou balanço do 3º trimestre de 2022, onde foram contabilizados 5,5 bilhões de prejuízos.
As fusões e aquisições têm sido uma forte tendência do mercado da saúde para tentar resolver essa questão. “Vemos operadoras, que são os pagadores do sistema de saúde suplementar, se juntando com grandes grupos de hospitais, que é o maior custo das operadoras. Quando há essa junção, cria-se esses grandes ecossistemas de saúde que vão ter mais eficiência, escala e controle de custos”, explica Bruno Porto, sócio e líder do setor de saúde da PwC Brasil.
Dados da consultoria mostram que desde 2016 essas transações vinham em uma crescente, chegando ao número recorde de negócios concluídos em 2021, com 146 operações. Por conta do desaquecimento da economia, houve uma redução no volume de operações nesse ano, além de grandes empresas estarem absorvendo as aquisições do ano anterior. Somente a Rede D’Or fez cerca de 28 aquisições, antes da compra da SulAmérica, entre 2018 e 2021.
As healthtechs também entraram na mira das empresas mais consolidadas. Com a veia para inovação e para trazer um novo olhar para velhos problemas, as startups da saúde têm sido vistas como uma opção de aquisições, trazendo melhorias aos processos, novos produtos e mais eficiência aos negócios. As parcerias com todos os tipos de empresa também têm sido destaque, com a possibilidade de joint ventures.
Porto explica que a proximidade entre hospitais e operadoras é uma oportunidade para reduzir os desperdícios, assim como deve melhorar também conforme a questão de análise dos dados avance: “As empresas têm cruzado a fronteira da sua área tradicional e buscado outros setores de dentro da saúde. Até fora, buscando outras conexões, olhando mais para a parte de consumo, que são nutrição, exercícios e atividades físicas. Não só dentro do hospital ou na hora que vende uma caixa de remédio. Está olhando para a jornada completa”.
Julgamentos
Em 7 de novembro, o Cade já havia aprovado a operação sem restrições. As empresas concorrentes da Rede D’Or e SulAmérica impugnaram a decisão, e por isso houve um novo julgamento. Na visão delas, há risco de concentração e fechamento de mercado, com prejuízos ao setor e aos consumidores.
“À medida que outros hospitais não conseguem escala porque se tirou todo volume da SulAmérica, sobe o preço dos serviços para manter a estrutura. Os hospitais sobem os preços aos planos e o consumidor final tem um aumento de custos, e é isso que deveria ter sido analisado”, explica Juan Ferres, economista especialista em concorrência de mercado e sócio da Ferres Economia.
Fusões e aquisições têm sido uma constante no setor, mas segundo o economista, nenhuma transação anterior teve o tamanho e a relevância que está tendo essa. Ele afirma que o mais próximo que ocorreu nos últimos anos foi a fusão entre Hapvida e Notredame, mas a diferença seria que essas são operadoras verticalizadas, com rede própria, o que não afeta diretamente outros hospitais prestadores.
Durante o julgamento desta quarta-feira, a advogada da Rede D’Or, Barbara Rosenberg, argumentou que “o que se está pedindo que se aplique neste caso é única e exclusivamente a jurisprudência deste tribunal. Até porque esse caso não traz nenhuma novidade ao mercado. Traz um modelo de negócio que se assemelha em muito ao modelo da Amil ou GNDI, que tem uma parte do negócio verticalizada e uma parte atendendo a terceiros”.
A expectativa das empresas concorrentes é que, mesmo que aprovada a compra, houvesse uma compensação. Para Juan Ferres, o ideal seria determinar a venda da Qualicorp, reduzindo a possibilidade de direcionar a venda dos planos da SulAmérica para a população. Mesmo que Lenisa Rodrigues Prado, conselheira do Cade, tenha votado a favor da negociação, ela impôs restrições nesse sentido.
“A minha maior preocupação está na grande possibilidade da Qualicorp fazer uso das informações que ela tem sobre os usuários de planos de saúde que ela comercializa, bem como perfil dos profissionais de saúde e dados de gestão dos hospitais, para privilegiar o grupo D’Or”, afirmou a conselheira, que teve seu voto vencido por maioria.
Prado ainda destacou que não existem normas da ANS para coibir esse tipo de compartilhamento de informações entre hospitais, planos e administradoras. Por outro lado, reforçou que existem regras que impedem que uma administradora seja de um mesmo grupo econômico de um plano de saúde, presente na Resolução Normativa 515 de 2022.
“De todo modo, entendo que cabe ao Cade monitorar o setor, ressaltando que esse Conselho deverá agir em sede de controle de condutas caso hajam indícios de práticas discriminatórias, dentre outros que sejam lesivas à concorrência”, afirmou durante o seu voto o conselheiro relator do caso, Luiz Augusto Azevedo de Almeida Hoffmann.
Críticas ao Cade
Os planos e hospitais concorrentes argumentam que o julgamento do Cade teve diferentes falhas de processo. Juan Ferres aponta que não houve comparação com planos de uma mesma categoria ao analisar o caso. Na segmentação premium, a qual a SulAmérica e a Rede D’Or ocupam espaço significativo, o economista explica que há uma concentração em determinadas localidades do país.
Outra crítica vem sobre a comparação entre leitos de hospital, pois o Cade não considerou as diferentes características entre leitos cirúrgicos, emergenciais, obstétricos e pediatras, o que resultou na diluição da concentração de mercado, dando a impressão, segundo o economista, de que não houvesse um risco a outros interessados.
A maior crítica, porém, veio na celeridade do processo. Levantamento feito pelo economista aponta que o tempo médio que um caso é analisado é de 107 dias, enquanto a compra da SulAmérica pela Rede D’Or levou 37 dias. O prazo limite para análise é de 240 dias prorrogáveis por mais 90 dias. No julgamento desta quarta-feira qualquer um dos conselheiros poderia pedir vista do processo, adiando o julgamento, o que não ocorreu. “Fizeram uma análise apressada e uma simplificação excessiva do mercado”, alega Ferres.
Por outro lado, a advogada da Rede D’Or, Barbara Rosenberg, criticou as empresas que impugnaram e que reclamaram da celeridade, já que é uma demanda constante. “Respeitosamente, o entendimento é que os terceiros interessados no fundo têm buscado defender interesses e benefícios próprios e particulares, eventualmente tendo alguma negociação particular ou vantagem. Os hospitais podem ter tido relacionamentos que possam ter resultado em descredenciamento junto à SulAmérica, e isso aconteceu e acontece também com a Rede D’Or. Portanto, não estamos aqui diante de nenhum tipo de preocupação concorrencial”, concluiu Rosenberg.
Agora, as empresas concorrentes podem entrar na Justiça para tentar barrar a transação, mas o economista Juan Ferres acredita que teria pouco ou nenhum efeito prático. A ANS também pode impor resoluções para a questão da Qualicorp.
Transação em números
Com lucro líquido de 375 milhões de reais no 3º trimestre de 2022, a Rede D’Or anunciou em fevereiro a compra da SulAmérica, uma das cinco maiores operadoras do Brasil, com mais de 2 milhões de beneficiários. O grupo emitiu 307,7 milhões de ações como pagamento, com valor estimado de 15 bilhões de reais.
Com uma das estruturas mais robustas do país, a Rede possui 11 mil leitos distribuídos entre seus 69 hospitais próprios e 3 administrados, além de 53 clínicas oncológicas. Do ponto de vista de pessoas, são 67,2 mil colaboradores e 87 mil médicos credenciados, que juntos realizam 3,1 milhões de atendimentos ambulatoriais por ano.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.