Síndrome de Burnout: empresas avançam em ações para saúde mental, mas faltam políticas estruturadas
Síndrome de Burnout: empresas avançam em ações para saúde mental, mas faltam políticas estruturadas
No início de 2022 a Organização Mundial da Saúde (OMS)
No início de 2022 a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a síndrome de Burnout como uma doença ocupacional, sendo incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID). Com isso, os trabalhadores diagnosticados com a condição passaram a ter direitos iguais de quem sofre qualquer outro acidente de trabalho, o que funcionou como fator adicional para que empresas intensificassem ações para saúde mental.
Um ano após a inclusão na CID, a avaliação dos especialistas é que as empresas continuam a oferecer serviços de terapia online, como já vinha ocorrendo desde o início da pandemia, mas que ainda há uma dificuldade em se construir uma política estruturada, que trabalhe a prevenção, a comunicação, os limites, o reposicionamento após afastamento, dentre outros pontos.
“Houve boas iniciativas que as empresas adotaram em 2022, mas ainda não avançamos muito na forma de lidar estrategicamente com a questão da saúde mental. Isso significa que primeiro se cria as bases para que possa construir dentro da empresa todo um ambiente em que a saúde prospere”, avalia Luiz Edmundo Rosa, diretor de desenvolvimento de pessoas da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil).
Ao longo da pandemia houve um aumento expressivo de processos trabalhistas relacionados à síndrome de Burnout. De acordo com um levantamento do escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe, através da plataforma Data Lawyer, foram 72% ações a mais entre 2020 e 2022, quando comparados aos três anos anteriores.
“Notamos que o Burnout, até nas ações de primeira instância, com o reconhecimento como doença ocupacional, tem aumentado porque facilitou para o empregado a prova. Antes o empregado tinha que fazer a prova de que aquela doença era relacionada ao trabalho. Agora muda, é o empregador que tem que provar que não é”, explica Tricia Oliveira, sócia da área trabalhista do escritório.
Além da questão da saúde mental dos colaboradores como um todo, a produtividade e a redução do absenteísmo, a criação de uma política dentro das empresas colabora com um ambiente mais seguro e em harmonia, diminuindo custos a longo prazo com funcionários e processos. Por isso, profissionais da saúde, advogados e entidades defendem que é preciso avançar ainda mais nessa área – para além dos serviços de terapia online.
Questão de saúde
O reconhecimento da síndrome de Burnout como doença ocupacional também trouxe mudanças para os profissionais de saúde. Desde 2022 existem critérios mais específicos que colaboram com o diagnóstico assertivo dos pacientes, assim como a recomendação de tratamento. Karen Valeria da Silva, coordenadora de psicologia da Docway, empresa de saúde digital, explica que como os sintomas são comuns a outros transtornos, o diagnóstico acabava caindo em ansiedade e depressão:
“Às vezes pelo número de sintomas e pelo impacto não se conseguia fechar diagnóstico, nem para depressão nem para ansiedade, mas tinha um misto de sintomas. Acontece que ficava muito no quadro do traço e se tratava os sintomas, não havia um protocolo de tratamento exato, porque não tem um diagnóstico fechado”.
A divulgação de informação sobre a síndrome contribuiu para uma maior busca da população por prevenção e tratamento, assim como a possibilidade de buscar auxílio profissional por meio do teleatendimento. Por outro lado, especialistas analisam que o trabalho remoto também colaborou com um aumento de casos, principalmente com os impactos da pandemia.
“Você tem muitas pessoas que às vezes por medo de perder o trabalho, especialmente nesses tempos que a gente vivenciou há pouco, podem ter se submetido a muito mais do que elas aguentavam, do ponto de vista de carga, de pressão, de condições e de uma série de coisas”, aponta Fabio Camilo, head de psicologia da Vittude.
Por outro lado, a análise de Yanaí Tyski, que é psiquiatra e coordenadora médica da Docway, é que ser ou não doença ocupacional não altera o comportamento do paciente: “Cabe a nós identificarmos se aquela queixa é uma doença ocupacional de fato ou não. As pessoas quando estão realmente em um sofrimento elas não simulam aquilo para garantir que vão ser afastadas. Muitas vezes a pessoa que está realmente doente com sintomas não quer se afastada”.
Segundo os especialistas, esse cenário reforça a necessidade de criar estratégias e incentivar os colaboradoras a cuidarem da saúde mental.
Ações para saúde mental além do app
Luiz Edmundo Rosa, da ABRH Brasil, argumenta que “cuidar do Burnout se torna estratégico quando a empresa tem uma política de saúde que tenha um capítulo específico sobre saúde mental, onde se define responsabilidades. Se não tem uma política significa que esse assunto de fato não entrou na gestão”.
Ele analisa que apesar do avanço das empresas em fornecerem serviços de terapia, existem pontos que precisam ser levados em consideração. O primeiro deles é exatamente a criação da política de saúde mental dentro da empresa. Segundo o diretor, oficializar as regras sobre saúde mental mostra que o tema de fato entrou no radar dos gestores e gestores. É uma forma de garantir que todos saibam o que é considerado adequado ou não.
“A política pode estabelecer que na empresa todos os líderes de pessoas têm responsabilidade de manter um clima saudável e que seja ao mesmo tempo desafiador, no limite das possibilidades das pessoas. Em termos de produtividade não pode avançar contra o sono ou cobrar as pessoas por objetivos inatingíveis. Ao mesmo tempo, a empresa define que vai oferecer para as pessoas canais de comunicação que elas possam relatar anonimamente, em caso de desvio dessa política”, explica Luiz.
Outro ponto levantado pelo representante da ABRH Brasil é que em alguns casos as empresas oferecem os serviços de terapia e se abdicam de estimular, acompanhar ou desenvolver novas ações. A ideia de que esses serviços sejam um “benefício” aos funcionários pode levar a não atingir os objetivos, como a prevenção de doenças e transtornos e a redução de custos.
Ele explica que casos semelhantes ocorrem com programas de atividades físicas, que só são utilizados por aqueles colaboradores que já tem uma vida ativa. Por isso, é preciso criar mecanismos que mostrem a importância de se utilizar tais serviços e estimulem as pessoas. Os próprios serviços de saúde têm colaborado com esse incentivo.
“De nada adianta para nós as pessoas não utilizarem, porque o produto não é visto de uma forma positiva. Nosso trabalho paralelo é a psicoeducação. A gente precisa falar sobre e fazer palestras. A premissa do sucesso é começar sempre com as lideranças. Se o líder não comprar ideia de que a questão da saúde mental é importante, o funcionário tem medo de fazer terapia e virar chacota, de não ser bem entendido ou até não falar sobre”, explica Fabio Camilo, da Vittude.
Ele ainda explica que a questão financeira também pode estar atrelada à dificuldade dos beneficiários em utilizar os serviços, já que em alguns casos há uma coparticipação entre funcionários e empresa. Ele afirma que retirar a barreira econômica, custeando 100% da psicoterapia, é uma das formas que tem estimulado o uso.
Justiça
Existem cerca de 8.118 processos ativos ou arquivados relacionados à síndrome de Burnout no Brasil, desde 2014, de acordo com o levantamento da Trench Rossi Watanabe por meio da plataforma Data Lawyer. O pico foi em 2021, auge da pandemia, com mais de 1.500 processos. O valor médio das causas gira em torno de 300 mil reais. Não existe um entendimento único da Justiça sobre o tema, visto que existem diferentes causas e características.
Para Tricia Oliveira, sócia da área trabalhista do escritório, o aumento nos últimos anos está diretamente ligado ao home office. Por isso, as questões da desconexão e dos limites de horários precisam ser bem regrados, estando na política da empresa e sendo seguida pelos gestores. A advogada ainda defende que seria importante o Brasil ter uma legislação nesse sentido.
Segundo ela, é possível observar uma tendência no mercado em relação a saúde mental: “Vemos um movimento maior das empresas buscando entender como é seu ambiente de trabalho, o que elas podem fazer para evitar que o empregado venha a desenvolver um Burnout e para ser uma empresa livre de assédio”. Ela observa que as ações trabalhistas devem ter impactos ainda maiores nas mudanças das empresas nos próximos anos.
A coordenadora de psicologia da Docway, Karen Valeria da Silva, reforça a importância das empresas entenderem e tomarem iniciativas para criar um ambiente de trabalho adequado, para que o trabalho desenvolvido pelos serviços de terapia não sejam em vão. “O funcionário passa oito horas do seu dia naquele clima e 40 minutos na terapia ou consulta médica uma vez por mês. É querer apagar um incêndio com uma gota d’água”, lamenta.
A questão do ambiente profissional também pode ser uma ferramenta importante para as empresas evitarem processos. Tricia Oliveira explica que nem sempre os funcionários levam aos empregadores que estão passando por questões de saúde mental, e que somente na demissão ou no processo judicial as empresas ficam sabendo. Ter um diálogo aberto e tratar o assunto com normalidade pode contribuir com esse cenário.
A Vittude desenvolveu uma ferramenta que pode contribuir com as empresas, analisando em uma escala os índices de estresse e a propensão à síndrome de Burnout, podendo identificar áreas ou grupos específicos e reforçar as ações de prevenção e acompanhamento. Fabio Camilo, head de psicologia da Vittude, explica que “se Burnout é consequência de um estresse não bem administrado, se eu tiver um resultado muito alto de estresse para uma pessoa e ela não trabalhar isso, a tendência é que aquilo vira uma síndrome de Burnout”.
Serviços de terapias
A prevenção de Burnout é um dos principais objetivos das empresas ao contratarem serviços de saúde como os da Docway ou da Vittude. Contudo, é preciso levar em consideração que existem diferentes transtornos que podem fazer parte dos históricos dos colaboradores e o empregador não pode fechar os olhos para isso. Por isso, a saúde mental como um todo deve ser observada.
Fabio, da Vittude, explica que “investir em saúde mental diminui custos oriundos do adoecimento e de tudo que traz de prejuízos, para a pessoa e para a organização, que prejudicam o ambiente de trabalho. Se você for substituir essa pessoa você vai ter ali todo um tempo e um preço, fora o quanto isso traz de outros prejuízos jurídicos e se enquadra em qualquer doença do trabalho. Começou-se a olhar mais para prevenção do que antes”.
Ele também aponta que a pandemia “democratizou” os problemas relacionados à saúde mental, afetando todas as áreas das empresas, o que pode ter incentivado os gestores a olharem de forma mais sensível para o tema.
Para Karen Valeria da Silva, da Docway, há uma demanda dos próprios funcionários em estar em empresas que de fato estejam preocupadas com a saúde mental dos colaboradoras. Por outro lado, também aponta que existe um interesse corporativo por parte das companhias: “Uma vez que a gente tem o Burnout agora instituído como uma doença ocupacional, gera prejuízo financeiro para as empresas, e a conta vai chegar para quem não atuar na prevenção e no cuidado”.
Ambas as empresas tiveram um crescimento na busca desses serviços desde o início da pandemia, mas com o impacto do reconhecimento da síndrome de Burnout como doença ocupacional pode vir a aumentar ainda mais a cartela de clientes empresarias. A Vittude atualmente atende mais de 200 empresas e 600 mil pessoas, entre colaboradores e familiares.
Em 2022, a Docway teve um aumento de 1290% nos atendimentos relacionadas à saúde mental, com profissionais de psicologia e psiquiatria. Atualmente, a área representa cerca de 4% dos atendimentos totais realizados. Além de atender empresas, a startup de telessaúde também atua com planos de saúde, como a SulAmérica.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.