Banco genômico brasileiro é passo essencial para o avanço da medicina de precisão

Banco genômico brasileiro é passo essencial para o avanço da medicina de precisão

A formação de um banco genômico brasileiro teria papel chave

By Published On: 20/04/2022
Banco de genomas pode contribuir com o diagnóstico de doenças raras.

A formação de um banco genômico brasileiro teria papel chave no avanço da medicina de precisão. Com base em características genéticas, é possível identificar nossas especificidades, como o risco do surgimento de doenças ao longo da vida ou até para determinar o melhor tratamento para cada patologia.

O geneticista Salmo Raskin, CEO do Genetika Laboratórios, exemplifica dessa forma: “Você tem dor de cabeça e toma um medicamento, em 15 minutos ele funciona perfeitamente. Uma outra pessoa toma o mesmo medicamento e é a mesma coisa que não tivesse tomado nada. E uma terceira, toma o mesmo medicamento e piora a dor de cabeça. Por que para um é um milagre, para outro é água e para outro é um veneno? Boa parte da resposta está na nossa genética. Isso é parte da medicina de precisão dos próximos anos”.

Para investigar a fundo, o ideal é realizar um mapeamento do genoma, que mostra todas as informações genéticas de um indivíduo, o que gera a possibilidade de rastrear principalmente o risco de desenvolver determinadas doenças. “Por mais que não tenhamos casos de câncer de pulmão na família, por exemplo, nós podemos saber se nossa genética é mais parecida com aquelas pessoas que desenvolvem ou não o câncer. Podemos fazer um teste não para saber se vamos ter o câncer, mas para avaliar se estamos em um grupo de alto ou baixo risco. Isto é medicina de precisão, porque daí os nossos cuidados de saúde podem ser diferentes para a mesma patologia”, explica Raskin.

O resultado do mapeamento de cada indivíduo é então comparado em bancos genômicos, a fim de identificar e criar paralelos entre as variantes genéticas que possam estar associadas a determinadas doenças, levando em consideração as características da população local, já que existem diversos fatores que interferem na genética de cada nação, como ancestralidade, clima, alimentação, entre outros.

O processo existe, mas falta ao Brasil um banco genômico robusto que represente nossas particularidades. “Usando as bases de dados que temos hoje, ainda não conseguimos fazer uma boa medicina de precisão para doenças mais comuns. Mas isso vai acontecer e não tem volta, e não é daqui 50 anos”, analisa o geneticista. O benefício de criar um banco genômico seria não só para cada paciente que fosse atrás das suas informações genéticas, mas principalmente para as políticas públicas em saúde.

Iniciativas para um banco genômico

Considerando esse caminho da medicina de precisão, a necessidade de um banco genômico com os dados da população brasileira é inquestionável. Hoje, é possível dizer que estamos avançando para um cenário mais ideal, já que várias iniciativas estão em andamento. Uma delas foi realizada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), que fizeram o maior sequenciamento de genomas do país e criaram o primeiro banco genômico de idosos da América Latina. Foram sequenciadas 1171 pessoas idosas de São Paulo, com o intuito de entender o genoma de um envelhecimento saudável. Encontraram e catalogaram 76 milhões de variantes genéticas diferentes, sendo que 2 milhões não foram encontradas até então nos bancos de dados genômicos internacionais.

“Se a gente tem genomas africanos aqui de várias partes da África, genomas indígenas de várias partes da América, genomas europeus da península ibérica, que são diferentes geneticamente dos europeus que ocuparam os Estados Unidos, nós temos um mar de mutações que são comuns aqui e que não constam nos bancos de dados lá de fora. Nós queremos montar um banco compatível com a nossa população e ancestralidade”, explica Michel Naslavsky, professor do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e primeiro autor do estudo.

Uma pesquisa australiana que sequenciou o genoma de mais de 2 mil pessoas idosas em 2020, quase o dobro do estudo da USP, encontrou a mesma quantidade de variantes genéticas fora dos bancos de dados. Como o Brasil tem uma grande população nativa, sofreu um processo de colonização, teve um longo período de escravidão e grandes fluxos migratórios, a miscigenação não está representada apenas na pele, mas em todo o nosso DNA.

Os desafios para o banco genômico nacional

O banco brasileiro passa a ser uma referência necessária para o diagnóstico de doenças genéticas, já que apesar de modesto, é a primeira experiência completa publicada. Os dados das variantes e incidência já podem ser consultados no Arquivo Brasileiro Online de Mutações (AbraOM) e grande parte dos laboratórios brasileiros já utilizam o sistema. Já os dados individualizados estão em um repositório europeu, e somente pesquisadores credenciados têm acesso.

O trabalho dos mais de 26 cientistas começou em 2010. Eles acompanharam os participantes do SABE (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento), um estudo longitudinal realizado pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Com apenas uma amostra de sangue já é possível realizar o sequenciamento do genoma. A dificuldade, no entanto, é o custo e a velocidade desse processo.

O UK Biobank, banco genômico do Reino Unido, pretende ter ao menos 500 mil genomas sequenciados até 2024. O banco americano, promete 1 milhão de genomas. Essa expectativa, porém, é muito distante da realidade brasileira.

“A gente gostaria de ter pelo menos 100 mil brasileiros sequenciados, mas o sequenciamento de um genoma completo custa mil dólares. Precisaria ser um grande consórcio público-privado, com uma coleta uniforme nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). É muito difícil convencer os financiadores porque é um retorno a longo prazo, apesar de garantido”, afirma Naslavsky.

O trabalho do genoma de idosos só foi possível graças a uma parceria com Craig Venter, o geneticista que realizou o primeiro sequenciamento do genoma humano. Craig é responsável pelo Human Longevity, Inc, instituto que custeou o sequenciamento de todos os genomas em troca do compartilhamento dos dados, mas desistiu de recebê-los ao longo do processo. Foi preciso, então, mandar todas as amostras de DNA para os Estados Unidos. Não fosse isso, o projeto custaria no mínimo 5 milhões de reais

Além da captação de parceiros, a demora na divulgação dos dados ainda inclui a montagem do banco de DNA, o próprio sequenciamento, a análise das informações e a publicação em um periódico científico. “A gente mandou esse paper em novembro de 2020. Teve um experimento grande que foi solicitado pelos revisores e feito por nós, mas a maior demora se deu pela pandemia. Está muito difícil achar revisores que aceitem. Teve um aumento no número de publicações, mas principalmente as pessoas não estavam com cabeça para fazer essas revisões. É um período difícil”, explica o professor do Instituto de Biociências.

A esperança do pesquisador é que para os próximos anos o Brasil possa criar uma coleta sistematizada de DNA em todo o país para, quem sabe, aumentar as expectativas quanto a um banco genômico, junto a uma conscientização sobre a importância desse trabalho científico. As iniciativas atuais muitas vezes são pequenas e focadas em doenças específicas, e não seguem um mesmo padrão de qualidade e informação.

“Daqui a 10 anos, quando a gente tiver 100 mil DNAs em laboratórios, o sequenciamento genômico poderá ser mais barato”, acredita.

Projeto DNA do Brasil

Outro trabalho de sequenciamento genômico que está em desenvolvimento é o Projeto DNA do Brasil, que pretende sequenciar 15 mil genomas dos brasileiros. Em parceria com a Dasa, é o maior trabalho do tipo no país e gera grande expectativa entre os médicos e cientistas. A meta para 2022 é atingir 4,5 mil sequenciamentos, concluindo o trabalho nos próximos 4 anos.

O projeto tem dois objetivos principais: mapear as variações genéticas da população brasileira e verificar a nossa história evolutiva. “Não existe nenhum estudo que consiga abranger todas as regiões do país, pois de uma região para outra o universo é outro. Tem toda histórica demográfica da população. Essa diversidade impacta questões clínicas e médicas, como a frequência mais alta ou mais baixa de algumas enfermidades, o quanto vai ter variantes novas que podem levar a doenças comuns, como diabetes e pressão alta, ou a doenças mais raras como síndromes e doenças genéticas. A ideia é dar esse panorama”, explica Tábita Hünemeier, professora do Instituto de Biociências da USP e líder do Projeto DNA, ao lado da pesquisadora Lygia da Veiga Pereira.

Populações indígenas de toda América possuem uma alteração genética que favorece a obesidade e o diabetes, sendo identificada do México ao Brasil em determinados grupos. Apesar de torná-las mais vulneráveis a tais doenças, os indícios são de que essas mutações ajudaram na sobrevivência desses povos ao longo da história. O Projeto DNA do Brasil pode identificar alterações do mesmo tipo na nossa população e alterar a forma que os tratamentos são realizados.

“A gente está engatinhando para entender a Covid-19, por exemplo. Se a variabilidade faz diferença ou não. Se é específico da população ou não. Se é de indivíduo para indivíduo. Quando você tem um banco genômico bem formado, a primeira coisa que você vai fazer quando começa uma pandemia dessas é chamar os participantes para verificar se eles já tiveram a doença e fazer exames”, exemplifica a pesquisadora.

Iniciativa pública

No final de 2020, o Ministério da Saúde anunciou o Programa Genomas Brasil, com o intuito de criar um banco nacional de 100 mil genomas dos brasileiros com doenças raras, cardíacas, câncer e infectocontagiosas, com investimento inicial previsto de R$ 600 milhões para os 4 primeiros anos. Três hubs de sequenciamento foram instalados até o momento, no Hospital Israelita Albert Einstein, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e no Laboratório de Biologia Molecular Prof. Dr. Fernando Eugênio Santos Cruz Filho, do Instituto Nacional de Cardiologia (INC).

O principal objetivo do programa é trabalhar a medicina de precisão, contribuindo com a prevenção de doenças evitáveis e o tratamento individualizado. Tanto o projeto de genomas de idosos e o Projeto DNA do Brasil não foram beneficiados pelo programa, mesmo sendo duas das maiores iniciativas do país.

A Dasa investiu cerca de 6 milhões de reais nos laboratórios de sequenciamento e forneceu 3 mil testes sem custos para o Projeto DNA do Brasil. Apesar da parceria, o apoio veio em troca de ser a empresa responsável de sequenciar os 12 mil restantes, mas com custo abaixo do mercado, menos de 650 dólares por genoma sequenciado.

“O ideal seria que o DNA do Brasil sequenciasse 200 mil. A gente pode fazer isso. Fazer 5 mil, 15 mil ou 200 mil, dá no mesmo [o trabalho], o que falta é investimento. É uma pena. E eu vejo isso muito longínquo. Não existe um plano de Estado. Mas é um primeiro passo e passa por uma conscientização da importância da ciência. E de que ciência é investimento, mas também dá lucro”, afirma Hünemeier.

O investimento, no caso, estaria bem longe de ser um desperdício. Ao contrário. A estimativa é que cada dólar investido em pesquisa genômica gere um lucro de 141 dólares, de acordo com levantamentos sobre o Projeto Genoma Humano, iniciativa que ocorreu entre 1988 e 2003 liderada pelo governo americano, que envolveu cientistas de todo mundo com o foco de mapear todos os genes humanos.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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