Ministra da Saúde com mais tempo no cargo nos últimos 10 anos, Nísia Trindade chega à metade do governo Lula
Ministra da Saúde com mais tempo no cargo nos últimos 10 anos, Nísia Trindade chega à metade do governo Lula
Especialistas fazem balanços sobre programas e ações do Ministério da Saúde com Nísia Trindade à frente, completando dois anos de gestão.

Completando dois anos à frente do Ministério da Saúde, Nísia Trindade é a pessoa com mais tempo de cargo nos últimos 10 anos (Foto: Rafael Nascimento/MS)
A ministra Nísia Trindade está próxima de completar dois anos à frente da Saúde. Apesar de pressões e crises envolvendo a pasta, Nísia é o nome que mais teve estabilidade nos últimos 10 anos, alcançando, nesta quinta-feira, 18, 717 dias no governo. O último ministro que permaneceu por mais tempo no cargo foi Alexandre Padilha, atual ministro das Relações Institucionais, com pouco mais de 3 anos como Ministro da Saúde durante o governo Dilma.
Blindada pelo presidente Lula, Nísia foi convocada em sete ocasiões para prestar esclarecimentos em audiências na Câmara dos Deputados. A relação com o Congresso foi marcada por tensões, com disputas por indicações e emendas parlamentares. Contudo, ela sobrevive e segue na liderança da saúde do país.
Em 2024, programas como o SUS Digital e o Mais Acesso a Especialistas foram anunciados e mostraram potencial para resolver questões de acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) indo além da atenção primária. Contudo, existe a expectativa de especialistas e do setor da saúde do acompanhamento da implementação das ações.
Na saúde suplementar, a aproximação do Ministério foi vista pelo setor de forma positiva, tanto em relação à judicialização, quanto na interoperabilidade de dados, mas o setor ainda aguarda resultados práticos. Por outro lado, a falta de debates com a pasta sobre a proposta do país adotar uma agência única e independente de avaliação de tecnologias em saúde é criticada.
No âmbito do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, foram celebradas a publicação dos marcos regulatórios sobre Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) e Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL). O Ministério já recebeu as propostas da indústria, mas o ano se encerra sem o anúncio de quais projetos foram selecionados.
Fontes ouvidas pelo Futuro da Saúde apontam que além da retomada de programas e reestruturação da saúde pública nos dois primeiros anos, o Ministério precisa avançar em políticas iniciadas, já que o governo Lula chega na metade do seu mandato. O terceiro ano será decisivo para demonstrar o caminho que o país deve seguir.
“Ninguém acreditava que a ministra iria permanecer no cargo. Desde o dia 1 diziam que iria cair. Apesar das crises, ela tem conseguido se manter, mesmo não sendo apoiada por todos. É um mérito conseguir se manter. Obviamente, tem um suporte bem grande do Governo. Ela se cercou de secretários, deixando a parte da interface política com quem tem mais experiência”, observa Rita Ragazzi, diretora sênior de Health e Life Sciences para Market Access & Policy Shaping da Prospectiva.
Novos programas e tensões
Ao longo da primeira metade da gestão de Nísia Trindade, a recuperação do Sistema Único de Saúde (SUS) foi uma das principais bandeiras. O tema surgia em discursos frequentes da ministra, e o legado do ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga, que ficou no cargo de 2021 a 2022, era criticado. Em uma das crises enfrentadas em 2024, a gestão atual responsabilizou a anterior pela incineração de 10,9 milhões de vacinas com validade vencida.
“É preciso recuperar a credibilidade, a legitimidade, a funcionalidade e as relações interfederativas. Isso foi feito a partir do primeiro ano. É claro que os impactos da pandemia, pela importância e relevância histórica desse fenômeno, se projetarão por várias gerações. Não é uma coisa que já se resolveu. Mas agora precisa ter um efeito transformador. É preciso ir mais adiante”, avalia Rômulo Paes de Sousa, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Entre os principais passos dados nessa direção em 2024 está o lançamento do programa Mais Acesso a Especialistas. Com potencial de ser um dos principais marcos da gestão Nísia, o programa teve orçamento previsto de R$ 1 bi neste ano. Os planos de ação foram aprovados pelo governo em dezembro e devem entrar na prática em 2025.
“Do ponto de vista técnico a proposta está bem costurada e organizada. Agora, a implementação disso é um grande desafio. Agora vamos ter mais detalhes de como vai fazer a implementação, ou seja, qual é a sua estratégia”, afirma Sousa. Para ele, entre os desafios está a centralização de médicos especialistas nas capitais e regiões metropolitanas.
Por outro lado, a relação com o Congresso foi um desafio para a ministra, que viu seu cargo ameaçado ao longo dos últimos dois anos. Com a queda de dois secretários, Helvécio Miranda Magalhães Júnior e Nésio Fernandes, Nísia Trindade contou com o apoio de Lula para permanecer no cargo, principalmente frente à crise dos hospitais federais do Rio de Janeiro e das vacinas vencidas.
“Há uma desorganização da política. Há uma contestação que permanece dentro dos espaços institucionais, de contestação de regras, de trazer temas polêmicos, de polemizar questões do campo da saúde para uma busca de ganho de capital político. Dentre eles, a própria vacina, a dengue, as drogas e o aborto são temas que vão tensionando constantemente o campo e questionando, inclusive, os direitos sociais”, observa Carmem Leitão, vice-presidente da Abrasco.
Saúde pública
A resposta do Ministério à dengue foi uma das questões que mais recebeu críticas, principalmente pelo número de pessoas infectadas e óbitos recordes. Mais de 6,6 milhões de casos prováveis foram registrados no país, e 5.922 mortes. Com vacinas escassas no mercado, as ações do governo se mostram insuficientes.
“Faltou um melhor esclarecimento sobre a gravidade do quadro que se aproximava. Ainda que haja problemas de cooperação, novamente vamos começar um ciclo em relação à questão da dengue. É preciso uma comunicação muito efetiva e que dê a dramaticidade do quadro, para que as prefeituras estejam devidamente próximas. Vamos ver o quanto nós aprendemos em relação a isso”, afirma o presidente da Abrasco.
A retomada de índices vacinais foi colocada como um dos carros-chefes do governo Lula. O resultado foi alcançado, com o país saindo da lista dos 20 países com mais crianças não vacinadas do mundo, de acordo com relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
“Quando se consegue reverter isso, colocar como prioridade, negociar e pactuar isso com os outros entes federados, mostra uma potência e uma direcionalidade do Ministério da Saúde para retomar o básico de saúde pública, que é a imunização. Com relação às vacinas, sabemos que houve problemas logísticos e na distribuição. Porém, acreditamos que o governo redirecionou essa política hoje no Brasil”, observa Carmem Leitão.
A questão da saúde das populações indígenas Yanomami também foi levantada como bandeira do governo. Em dezembro, o Ministério da Saúde divulgou que entregou sete novos polos de saúde, atingindo a capacidade máxima de atendimento. Segundo a pasta, 5,2 mil indígenas passaram a ser atendidos na região, “reduzindo significativamente o vazio assistencial”. Ainda que haja melhorias pontuais, para o presidente da Abrasco, enquanto o país não solucionar o desmatamento e o garimpo ilegal em terras indígenas, os problemas relacionados á saúde ainda serão uma questão para essas populações. É preciso que haja um fortalecimento dentro de uma política interministerial para resolvê-los de vez.
Para a continuidade da gestão, no âmbito da saúde pública, a atenção às mudanças climáticas deve estar cada vez mais presente. De acordo com o presidente da Abrasco, mais conhecimento, capacidade de enfrentamento das emergências de saúde, vigilância e capacidade de reação precisam entrar nessa agenda.
Saúde Suplementar
“Normalmente o Ministério da Saúde não tem um envolvimento muito grande com a área de saúde suplementar. Acha que saúde suplementar é uma questão apenas de financiamento da assistência à saúde. Dialogava com a ANS, obviamente, mas sem uma política muito clara, bem definida, em relação à saúde suplementar dentro do Ministério. A ministra passou a participar de eventos e é um bom sinal. No mínimo, para sentir um pouco as angústias e as dores que o setor está passando”, observa José Cechin, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).
O segundo ano da gestão foi marcado por essa aproximação, muito motivada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS. O tema impacta não só a saúde pública, mas também a saúde privada, o que fez com que os ministros buscassem criar esse diálogo entre o Ministério e a ANS, assim como outros representantes do setor.
No entanto, para Cechin, faltou espaço dentro do Ministério para discutir uma das propostas que ressurgiram durante as conversas e que, se consolidada, promete trazer mudanças substanciais ao setor da saúde: a agência única e independente de avaliação de tecnologias em saúde. Em diferentes oportunidades, Nísia Trindade e o secretário Carlos Gadelha reforçaram a posição da pasta pelo fortalecimento da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). “O Ministério deve ter seus argumentos para isso, mas seria um passo importante. Não pode temer confronto de ideias. É desse confronto de ideias que deverá sair a melhor solução”, argumenta Cechin.
Por outro lado, o Ministério demonstra interesse na discussão sobre a interoperabilidade de dados e prontuário único, se aproximando de hospitais, laboratórios e ANS. Mas a velocidade com que essas pautas andaram ao longo dos últimos dois anos ainda recebe críticas do setor.
Caso temas como a revisão dos planos ambulatoriais e a regulação dos cartões de desconto avancem, beneficiários e clientes desses serviços acabarão no SUS para realizar parte dos procedimentos não cobertos. Por isso, ter uma maior conexão entre sistemas é essencial para garantir a continuidade do cuidado.
“O setor privado, com muito boa vontade, consegue juntar alguns players e fazer um prontuário entre eles. Não que não devia se tentar esse caminho também, mas é muito mais difícil. Esse é um bem coletivo, e tem que ser tratado pelo setor público”, avalia Cechin.
CEIS e saúde digital
A publicação das regras para PDP e PDIL foram aguardadas com expectativa. O Ministério recebeu 322 propostas de projetos para ambos os programas. Contudo, não houve, até o momento, aprovação de quais deverão ser firmados entre indústrias farmacêuticas ou de dispositivos médicos, junto a laboratórios públicos e o governo.
“O ministério começou uma estruturação, teve a definição da política de PDP, mas estamos um pouco atrasados nisso. O timing tem sido um pouco demorado. Estamos entrando no terceiro ano de governo e o fato é que ele vai ter dificuldade de entregar alguma coisa”, observa Rita Ragazzi, da Prospectiva.
Com uma meta de produzir 70% das necessidades do SUS nos próximos 10 anos, em medicamentos, equipamentos, vacinas e outros componentes de saúde, a política de fortalecimento do Complexo passa por esses programas. Sem ter parcerias firmadas e indicativo de quantas serão aprovadas, o Ministério tem um desafio pela frente.
“Uma das preocupações é o legado. Se não estabelece e não executa, existe um risco muito grande de isso ser deixado de lado se o governo mudar. Caso não se eleja um sucessor, ou pelo menos da mesma linha política, o risco é perder muitas coisas que não estão completamente estruturadas”, avalia a diretora sênior de Health e Life Sciences para Market Access & Policy Shaping.
A saúde digital recebe críticas semelhantes. Apesar de passar por um processo de estruturação e governança, a avaliação é de que entrando no terceiro ano de governo é preciso avançar de forma prática, trazendo soluções para a população, com ampliação de acessos e equidade. Muitos palpites, no entanto, pendem para o lado negativo. “Se for olhar a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2025, tem uma destinação muito pequena carimbada que vai ser destinada para a parte de saúde digital. Em 2024, cerca de R$ 0,5 bi foram destinados para os estados e municípios para a implementação e estruturação do fluxo digital”, observa Ragazzi.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.
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