AVC: acesso desigual ainda é desafio para avanços no tratamento e prevenção

AVC: acesso desigual ainda é desafio para avanços no tratamento e prevenção

Evento Pautada por Elas, realizado em Brasília, DF, debateu o panorama do AVC no Brasil e apontou caminhos para ampliar o acesso

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By Published On: 26/11/2024
Evento “Pautadas por Elas”, em Brasília (DF), debateu desafios no acesso e tratamento do AVC

Evento “Pautadas por Elas”, em Brasília (DF), debateu desafios no acesso e tratamento do AVC (Foto: Divulgação)

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é um grave problema de saúde pública mundial e uma das principais causas de incapacidade, internação e morte no Brasil. Com grandes impactos clínicos, a doença impacta drasticamente a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias. Conforme dados levantados pela Firjan Sesi, entre 2017 e 2023, cerca de 1,4 milhão de pessoas foram internadas no Sistema Único de Saúde (SUS) por AVC, com uma taxa de mortalidade de 16,18%, o que implica cerca de 32 mil mortes hospitalares por ano.

O levantamento foi apresentado no evento “Pautadas por Elas”, uma iniciativa da farmacêutica Boehringer Ingelheim, que reuniu em Brasília, DF, entidades e autoridades de saúde para discutir a condição e propor caminhos. Na ocasião, foi destacado como a doença também gera grandes impactos econômicos para o sistema de saúde e para o país: segundo o levantamento, estima-se que, em internações e serviços hospitalares, sejam dispendidos custos que podem chegar a R$ 280 milhões por ano – durante todo o período de análise a soma estimada pode chegar a R$1,9 bilhão. Além disso, o estudo em parceria com a Firjan apontou que cerca de 40% das internações por AVC isquêmico ocorreram em uma faixa economicamente ativa da população.

Durante o encontro, a Rede Brasil AVC fez um apelo para que as entidades e autoridades se comprometam com a Declaração Global sobre compromissos para enfrentar o AVC, publicada em setembro de 2023 pela World Stroke Organization. Assinada por gestores de saúde do mundo inteiro, o documento aponta 15 objetivos a serem seguidos para melhorar o tratamento de acidentes vasculares.

“É um problema de saúde mundial, cerca de 41% dos países não possuem acesso a tratamentos medicamentosos essenciais. É uma questão muito importante que precisa de uma aliança global para enfrentamento”, ressaltou Sheila Martins, médica neurologista, presidente da Rede Brasil AVC e ex-presidente da World Stroke Organization, uma das debatedoras do evento.

Os tipos de AVC e as disparidade no acesso

Existem dois tipos de acidente vascular: o hemorrágico e o isquêmico. De acordo com o Ministério da Saúde, o AVC hemorrágico ocorre quando o rompimento de um vaso provoca hemorragia e, apesar de ser responsável por 15% dos casos da doença, é grande causador de mortes. Já o isquêmico é o tipo mais comum da doença e ocorre quando há obstrução de uma artéria por trombose ou embolia, o que impede a passagem de sangue e oxigênio para as células cerebrais. Ambos os casos provocam a paralisia da área cerebral por falta de circulação de sangue.

Os principais sinais de alerta para qualquer tipo de AVC são fraqueza ou formigamento, confusão mental, alteração da fala, da visão ou do equilíbrio e dor de cabeça súbita, intensa e sem causa aparente. Os sintomas podem ser identificados em um passo a passo sumarizado pela sigla “SAMU”: o S refere-se a sorriso (ao pedir para a pessoa dar um sorriso, é possível avaliar a musculatura da face); o A, de abraço, é para avaliar se a pessoa consegue levantar os braços; o M é de música (ao cantar é possível avaliar a fala); e U de urgência, caso os sintomas anteriores se demonstrem positivos.

Apesar da sua alta gravidade, segundo a Rede Brasil AVC, o acidente vascular cerebral pode ser prevenido em até 90% dos casos, por isso o cuidado deve começar de forma individual. Existem diversos fatores que aumentam a probabilidade de ocorrência de um AVC como idade avançada e histórico familiar. No entanto, outros fatores podem ser controlados como tabagismo, alcoolismo, sedentarismo, obesidade, hipertensão, estresse, diabetes tipo 2 e colesterol alto.

“Depende de a pessoa reconhecer e tratar os seus fatores de risco para evitar ou pelo menos diminuir o seu risco de ter”, destacou Martins. “Por exemplo, se eu tratar e controlar a pressão, eu reduzo 50% dos casos de AVC. Além disso, é fundamental que as pessoas conheçam a doença para buscar atendimento hospitalar rapidamente.”

Um dos principais desafios para o tratamento do acidente vascular é o acesso. Apesar de seu alto índice de mortalidade, o AVC ainda é considerado uma doença negligenciada no Brasil devido à disparidade do acesso da população aos serviços de saúde, sendo a população de baixa renda a mais afetada.

Segundo a Rede Brasil AVC, 77% dos centros de cuidado de acidente vascular estão no Sul e no Sudeste. O estudo da Firjan, em complemento, mostrou que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste tiveram, de fato, menor número de internações, o que está relacionado com uma maior incidência de óbitos. Por exemplo, o levantamento aponta que o Acre possui 38 internações e 28 óbitos a cada 100 mil habitantes, enquanto o Rio Grande do Sul possui 104 internações e cerca de um óbito.

“Sem tratamento, 70% dos pacientes não voltam ao trabalho, 50% ficam dependentes de outra pessoa para as atividades diárias e 30% desenvolvem demência. Se esses pacientes chegam rápido a um hospital que está pronto, preparado para o atendimento, essa história pode ser completamente diferente”, afirma Martins.

Implementação de linhas de cuidado para o AVC

Durante o evento, autoridades em saúde destacaram também a importância da manutenção das linhas de cuidado para garantir um tratamento eficaz apesar das desigualdades de acesso. Aprovada em 2012 por meio da Portaria 665/2012, a linha de cuidado tem como objetivo reduzir a mortalidade do acidente vascular através de parâmetros que devem ser seguidos nas Redes de Atenção às Urgências e Emergências.

A secretária de saúde do Rio Grande do Norte e representante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), Lyane Cortes, defende que, apesar da importância inquestionável da linha, ela ainda é muito cara para ser implementada integralmente em todos os Estados. “O Brasil é muito desigual economicamente e, infelizmente, nem todo Estado consegue acompanhar os avanços no tratamento do AVC. Esse é um desafio que estamos tentando endereçar, mas que ainda ocorre de forma muito heterogênea”, relatou.

O evento também contou com a participação da diretora do Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de Urgência do Ministério, Aline de Oliveira Costa, que enfatizou que apesar dos gargalos, é fundamental que os Estados se baseiem na linha de cuidado: “O tratamento do AVC está presente em todas as redes de atenção porque transita entre elas. A linha tece o cuidado e a trajetória do usuário no SUS, então temos que ter muita atenção com ela”, comenta.

Em relação ao aumento do acesso, Costa salientou ainda que a pasta financia diversos dispositivos para melhorar a distribuição do tratamento, como o investimento em Unidades de Pronto Atendimento, a Política de Financiamento de Salas de Estabilização em locais de vazio assistencial e no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).

O Ministério alertou ainda a necessidade de melhorar os dados para se pensar na criação de uma política nacional. “O AVC está pulverizado pelo país e o acesso a dados claros e consistentes ainda é um desafio. Estamos buscando via telessaúde um prontuário digital consolidado para termos acesso melhor a esses dados e decidirmos se as ações precisam ser mais nacionais ou estaduais, por exemplo”, explica Costa.

A diretora também diz que é preciso endereçar outros problemas, como o fomento de campanhas de prevenção para estimular o autocuidado e a construção de mais estratégias de promoção da saúde, mas garante que a doença é uma prioridade do órgão. Para a presidente da Rede Brasil AVC, os programas atuais e os recursos investidos já estão à disposição dos hospitais, mas precisam ser melhor geridos.

Tendências de tratamento

Durante o evento, outras entidades expressaram a falta de acesso a terapia de trombectomia mecânica, indicado para casos de AVCs mais graves, mas que precisa ser aplicado em uma janela de tempo. A solução já está incorporada ao SUS, mas ainda não disponível em todas as localidades. “A inércia é um desafio, muitas vezes o recurso já está ali, mas falta a iniciativa para utilizá-los amplamente”, enfatiza Martins.

Dentre outras tendências no campo do tratamento, o encontro destacou a necessidade de investir em telemedicina e sua importância na linha de cuidado. Para as entidades presentes, a telessaúde é essencial para melhorar o acesso e deve ser o futuro das urgências, como apontou a presidente da Sociedade Brasileira de AVC, Maramélia Miranda.

Segundo ela, o aumento da telemedicina é uma tendência e uma necessidade para os pacientes de acidente vascular. No entanto, para que o Brasil possa utilizar amplamente essa ferramenta

é preciso combater alguns problemas como, acesso à internet, falta de médicos especialistas e principalmente financiamento. “Temos boas experiências com a telemedicina em Estados que têm redes mais maduras. O problema é a questão do financiamento, não temos código para a telemedicina no SUS, fica a critério do governo estadual destinar recursos e isso é um entrave para lugares que não possuem tantas condições”, relata Miranda.

Nesse sentido, a diretora do Ministério da Saúde afirma que o governo tem trabalhado para isso. “A saúde é prioridade e estamos investindo nisso. Estamos destinando recursos para estratégias em telessaúde, bem como para o Programa de Aceleração do Crescimento da Saúde, novos hospitais, policlínicas que forneçam atendimento mais próximo dos usuários. Estamos buscando utilizar melhor os recursos que temos”, conclui Costa.

Rebeca Kroll
Rebeca Kroll

Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Maria. Foi trainee do programa "Jornalismo na Prática" do Correio Braziliense, voltado para a cobertura de saúde. Premiada na categoria de reportagem em texto na 2ª edição do Prêmio de Comunicação de Saúde na Primeira Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

About the Author: Rebeca Kroll

Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Maria. Foi trainee do programa "Jornalismo na Prática" do Correio Braziliense, voltado para a cobertura de saúde. Premiada na categoria de reportagem em texto na 2ª edição do Prêmio de Comunicação de Saúde na Primeira Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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