Avanços tecnológicos chegam na pediatria com potencial de aprimorar pesquisas, terapias e dispositivos

Avanços tecnológicos chegam na pediatria com potencial de aprimorar pesquisas, terapias e dispositivos

Pediatria está otimista em relação às inovações, como a inteligência artificial, que têm o potencial de impulsionar o desenvolvimento de soluções específicas para a especialidade

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By Published On: 19/07/2023

Os avanços na medicina dispararam nos últimos anos, em conjunto com a transformação digital. Terapias gênicas, nanotecnologia, RNA mensageiro e inteligência artificial são apenas algumas das soluções que despontam como capazes de provocar verdadeiras revoluções na saúde. E a área de pediatria espera se beneficiar dessas inovações.

“O grande foco de desenvolvimento tecnológico hoje na pediatria são as doenças raras, ligadas à genética”, destaca Linus Pauling Fascina, gerente médico do Departamento de Maternidade e pediatria do Einstein.

Só que o ritmo de inovação na especialidade muitas vezes é impactado pelo fato de que, tradicionalmente, o mercado investe mais em novas tecnologias para o tratamento de doenças de adultos. Isso é um desafio, porque crianças possuem particularidades de desenvolvimento e saúde que precisam ser levadas em consideração – elas não são miniadultos e, neste contexto, inovações para adultos tendem a não funcionar na pediatria.

“Investir na área de pediatria não apenas desempenha um papel crucial na saúde e bem-estar das crianças, mas também contribui para a sustentabilidade do sistema a longo prazo” aponta Caroline Kanaan, pediatra e consultora de inovação no Einstein. “O que vemos é um número expressivo de tecnologias sendo desenvolvidas para tratar doenças crônicas que sequer existiriam se tivéssemos cuidado melhor de nossas crianças. Não é mais eficiente investir em inovações dedicadas a promover o cuidado em saúde das crianças ao invés de tentar mudar o comportamento dos adultos?”, questiona.

A boa notícia é que, segundo ela, instituições nos Estados Unidos e Europa vêm mudando esse paradigma, ampliando investimentos em inovação e tecnologia para a área. A pediatria se tornou foco dos fundos de investimento de impacto e também de instituições regulatórias como o FDA, que possui uma linha de incentivo específica para equipamentos médicos pediátricos (pediatric medical devices).

Inteligência artificial e novas terapias

No campo das pesquisas para doenças raras, por exemplo, a inteligência artificial (IA) aparece como uma nova aliada. A baixa amostragem e a dificuldade para encontrar pacientes dificulta a fase de testes, o que atrasa a chegada de novas alternativas de tratamento à população. Mas com o uso da inteligência artificial, é possível criar modelos matemáticos que preveem como a medicação agiria no paciente, através de uma comparação molecular.

Para Fascina, “essa é a grande mágica com a entrada da inteligência artificial nas terapias gênicas, vacinas e doenças como o câncer. Através da criação de modelos matemáticos, essa tecnologia aponta como aquela droga age em um determinado indivíduo, comparando coisas semelhantes, que tenham moléculas parecidas. Com isso, conseguimos prever também efeitos colaterais. É uma alternativa para substituir, também, a própria fase de testes em animais, que envolve grandes discussões éticas”. Como exemplo da importância dos modelos matemáticos, Kanaan cita o Bayesiano, para guiar a escolha de tratamento de doenças corriqueiras, como a pneumonia bacteriana.

Além das pesquisas, condições como cegueira congênita e atrofia muscular espinhal (AME) já se beneficiam de tecnologias existentes, como mRNA, plataforma que foi utilizada por farmacêuticas na produção de vacinas contra a Covid-19. “Temos duas doenças, cegueira congênita retiniana e atrofia muscular espinhal (AME), que já estão recebendo terapias gênicas através do mRNA, levadas por um vetor viral inócuo ao ser humano até a célula alvo, como um cavalo de Tróia. Ao chegar nas células alvo, ele as estimula a produzir a proteína que, até então, o indivíduo não conseguia”, explica o pediatra.

Essas terapias são as chamadas modificadoras de destino e é por isso que têm angariado o status de revolucionárias. De acordo com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), estima-se que atualmente existam 26 mil crianças cegas por doenças oculares que poderiam ter sido evitadas ou tratadas precocemente, de causa majoritariamente genética. Já sobre a AME, o levantamento do Instituto Nacional de Atrofia Muscular Espinhal (Iname) aponta 1.452 pacientes no país.

E a atenção para a inovação em pediatria não se resume aos tratamentos. Já há diversos aplicativos e robôs focados em reabilitação e desenvolvimento cognitivo e socioemocional para pacientes neuro-divergentes. Famílias que têm crianças no espectro autista (TEA), por exemplo, podem utilizar as ferramentas no dia a dia para estimular a expressão de emoções e a compreensão de situações sociais. A facilidade de acesso beneficia especialmente pacientes que estão longe dos grandes centros ou que, por algum outro motivo, não têm acesso ao suporte adequado.

Evolução dos dispositivos médicos para pediatria

Outro campo da pediatria que tem evoluído a passos largos graças aos avanços tecnológicos é o de equipamentos de substituição de funções vitais para crianças em estado grave. Antes, a maior dificuldade era adaptar equipamentos de adultos para bebês prematuros, o que causava um desgaste logístico e limitava o potencial das Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) neonatais.

“Hoje, temos equipamentos que permitem deixar o pulmão e o coração completamente paralisados, e realizam a troca de gases – tanto a eliminação do CO2, quanto a absorção do oxigênio – por períodos longos, de 10 a 30 dias, através de uma máquina que a gente chama de circulação extracorpórea. Antes, ela era utilizada apenas para cirurgias cardíacas por períodos curtos. E a qualidade delas só irá melhorar, graças à nanotecnologia, permitindo que elas sejam utilizadas em bebês de até 700 gramas”, lembra Fascina.

Dispositivos de monitoramento também passam por um dilema semelhante. Nas UTIs neonatais, é comum medir a oxigenação em bebês prematuros em estado grave. Atualmente, a oximetria de pulso é o método mais utilizado, por se adaptar melhor à estrutura dos neonatos, mas ainda não é o ideal – como já apontou estudo publicado no periódico Acta Paediatrica. Outro ponto crítico é o monitoramento da glicemia de recém-nascidos de alto risco, cujo procedimento ainda segue o modelo tradicional de adultos, causando além de lesões na pele dos bebês, estresse pela manipulação excessiva.

Neste contexto, a conexão entre medicina e outras áreas do saber, como engenharia e administração, tem aberto novas fronteiras. Um exemplo é uma descoberta recente, feita pelo time de inovação do Einstein, de uma tecnologia já disponível na medicina veterinária, que utiliza um pequeno sensor para identificar elementos do sangue em animais muito pequenos. A ideia, agora, é adaptá-la para a pediatria, como indica Fascina: “Essa tecnologia foi desenvolvida na veterinária, para ajuste de alimentação. Mas a gente não tinha incorporadores para fins médicos. Será preciso realizar adaptações, mas é assim que esse raciocínio de criação funciona”.

Outro exemplo dessa ligação entre diferentes áreas de conhecimento acontece na formação, como lembra Kanaan: “Hoje temos no Einstein uma especialização em Biodesign, em parceria com a Universidade de Stanford, onde os alunos aprendem a metodologia de inovação através de imersões clínicas. Um dos grupos de alunos está atuando na pediatria e a escolha da área veio para acompanhar esse movimento global de incentivo à produção de novas tecnologias. A própria Universidade de Stanford tem um programa com esse foco, chamado IMPACT1”. O objetivo, segundo ela, é corrigir o gap de dispositivos pediátricos, sempre levando em consideração critérios de segurança e custo-efetividade.

Tecnologia não substitui relação médico-paciente

Mas como a pediatria tem como principal foco o crescimento e desenvolvimento humano, a tecnologia não substitui a relação interpessoal com o paciente – e, também, com a família. É o que aponta o presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Clóvis Francisco Constantino:

“A tecnologia em si não vai ser responsável por esse acompanhamento, elas dão um suporte. Mas o responsável é o médico e suas habilidades interpessoais. A produção acadêmica está sempre revisitando isso, estabelecendo novos parâmetros para esse acompanhamento. Tudo é feito com base na ética e na ciência”.

Linus Fascina vai além ao afirmar que o trato diário com as famílias exige treinamento, humildade e, principalmente, empatia por parte dos profissionais: “Não basta dizer que a criança está doente. A família precisa fazer parte da decisão e dos caminhos que o médico vai traçar. É preciso discutir tratamentos e compartilhar também as incertezas que o profissional tem, explicar as terapias disponíveis e os riscos, e pedir ajuda aos responsáveis pela criança nessa tomada de decisão. Toda a sociedade tem muito a ganhar quando conseguirmos de fato chegar a um diálogo construtivo entre médicos e famílias”.

Até porque, com a transformação digital e as inovações tecnológicas, a relação da população com a própria saúde também mudou, aumentando a responsabilidade desse diálogo. Se por um lado o acesso à informação, permite que as pessoas se sintam mais confiantes ao chegar no consultório e conversar com um especialista, por outro esse mesmo acesso pode possibilitar um aumento de desinformação. “Precisamos relembrar a importância da ciência e fugir, a todo custo, da pasteurização dos conteúdos médicos”, salienta Kanaan.

“Alguns pseudocientistas, através das redes sociais, questionaram os imunizantes – cuja tecnologia já existia há anos – durante a pandemia. Isso levou as pessoas a ficarem inseguras e a hesitarem em se vacinar, mesmo no Brasil, um país que tem uma cultura vacinal de 50 anos. Isso está fazendo com que nós, pediatras conscientes, tenhamos que adotar novas estratégias de comunicação. Esse é o caminho, comunicação”, afirma Constantino, da SBP.

Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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