Avanço da telemedicina virá com inteligência artificial e interoperabilidade de dados
Avanço da telemedicina virá com inteligência artificial e interoperabilidade de dados
Edição de 2023 do Global Summit debateu os desafios para o avanços da telemedicina no Brasil e qual o balanço da solução nos últimos anos
Durante a pandemia de Covid-19, a telemedicina surgiu como uma solução para o acesso da população a serviços de saúde, mantendo o isolamento e sem precisar se deslocar a pronto-socorro e hospitais, onde havia um maior risco de infecção. Passada a crise sanitária, foi vista como importante ferramenta para reduzir os vazios assistenciais e diminuir custos para o sistema, através de hospitais, planos de saúde e até farmácias. Contudo, um ano após a regulamentação, o setor espera que um novo passo seja dado para potencializar a telessaúde no Brasil. Esse avanço da telemedicina passa pela interoperabilidade dos dados, tanto na saúde suplementar quanto pública, uma integração de serviços com inteligência artificial, para que a ferramenta se torne ainda mais efetiva, e uma análise mais detalhada sobre quando e como os serviços de tele podem e devem funcionar.
Apesar de algumas operadoras de planos de saúde apontarem que a utilização da telemedicina não tem evitado que beneficiários busquem, após as teleconsultas, o pronto-socorro presencial, especialistas avaliam que é preciso entender os melhores locais onde de fato os serviços remotos podem ser mais efetivos, assim como estruturar equipes para se tornarem mais resolutivas. Ainda, discute-se quando é necessário adotar o phygital, integrando os dois diferentes modelos de atendimento.
Do ponto de vista de mercado, empresas e startups têm buscado oferecer serviços que vão além da teleconsulta, agregando valor aos produtos oferecidos ao setor. A automatização de algumas etapas do processo tem sido uma das propostas para tornar o modelo de negócio mais atrativo e rentável.
Esses temas foram abordados durante o Global Summit 2023, evento realizado pela Associação Paulista de Medicina (APM) sobre saúde digital, que ocorreu em São Paulo entre 20 e 22 de novembro. Além deles, inovação, uso de IA, transformação digital, cases, dados e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) foram pautas durante o congresso, que contou com a participação de gestores, executivos e médicos do Brasil e do mundo.
“Cada vez mais vemos secretarias municipais de saúde interessadas, o próprio Conasems está sendo nosso parceiro no Global Summit e quer levar esse tipo de informação aos municípios. Já existe um caminho que vai se expandir. Temos no Brasil quase 6 mil municípios, então tem muita coisa para ser feita ainda, mas há a necessidade da cultura, da decisão política e conhecimento”, afirma Jefferson Fernandes, presidente do Global Summit Telemedicine & Digital Health APM.
Balanço
O Brasil tem realizado cada vez mais atendimentos via telessaúde. Mesmo antes da regulamentação definitiva, entre 2020 e 2021, foram realizados mais de 7,5 milhões de atendimentos, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital.
O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS) também tem sido uma das grandes políticas públicas que incentivaram o uso da ferramenta. O TeleAMES, por exemplo, realizado pelo Hospital Israelita Albert Einstein, realizou mais de 124 mil consultas com médicos especialistas nas regiões Norte e Centro-Oeste.
“A saúde pública entendeu muito bem a necessidade de capilarizar através de serviços remotos. Se a gente tem um vazio dentro da saúde suplementar, temos também um vazio dos usuários da rede pública. As teles são grandes ferramentas para conseguir melhorar e fazer parte do processo de sustentabilidade do sistema de saúde”, afirma Renata Albaladejo, gerente de operações da telemedicina do Einstein.
Em outubro, o Ministério da Saúde anunciou as diretrizes que irão embasar os programas SUS Digital Brasil e SUS Digital Brasil Telessaúde, dando um novo passo na direção de utilizar ainda mais a ferramenta no âmbito da saúde pública. Atualmente, mais de 1.400 municípios já possuem atendimento remoto e 950 mil telediagnósticos são previstos para 2023, mas é possível avançar ainda mais nesses serviços.
Apesar de desde 2007 o SUS ter serviços nesse sentido, através do Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes, o tema ganhou força com a chegada da pandemia. Como explica Jefferson Fernandes, do Global Summit, a teleinterconsulta, com um médico presencial e outro remoto trocando experiências e avaliações, e o laudo de exames à distância já eram feitas.
“Para que a saúde digital possa crescer no nosso país, a parceria público-privada se torna essencial. As startups podem ser também utilizadas como soluções dentro do sistema público de saúde”, afirma o presidente do congresso, que aponta que já há um grande interesse das secretarias municipais e que gradualmente estão avançando nesse sentido.
Avanço da telemedicina
Além da ampliação dos serviços na saúde suplementar e pública, existe uma análise do setor de que é preciso avançar em outras esferas que estão diretamente ligadas à saúde digital e podem alavancar ainda mais a capacidade que os serviços de telessaúde podem ter.
“A telemedicina não chegou nem perto da onde poderia chegar. Pode ser que uma parte desse potencial não tenha sido atingido porque tem uma lição prévia de tirar o gap tecnológico, que as unidades do sistema público e privado tenham uma infraestrutura mínima para isso acontecer, e outra parte se deve a falta de um padrão estabelecido para troca dessas informações”, explica Renata Rothbarth, partner de Life Sciences, Digital Health & Healthcare da Machado Meyer Advogados.
Os padrões mencionados são para que haja uma maior interoperabilidade dos dados entre os serviços, prestadores e SUS. Com um histórico de saúde do paciente sendo utilizado em diferentes níveis do sistema, é possível ter uma maior resolutividade. O tema também faz com que se discuta e amadureça questões de privacidade e segurança das informações.
“Não dá mais para você prover serviço de saúde digital sem pensar nisso. Integração já acontece, mas interoperabilidade ainda falta bastante e daqui para frente vai ser necessária, importante e deve ser um tema bastante em foco, assim como a utilização dos melhores padrões internacionais”, afirma Albaladejo.
O avanço da inteligência artificial na saúde também é vista como a próxima fase na utilização das teles. É preciso investir em ferramentas que auxiliem o dia a dia das instituições e dos profissionais de saúde, assim como buscar soluções que se encaixem nos serviços remotos. A ideia é que haja não apenas um ganho de eficiência em relação a tempo e custos, mas também uma melhor assistência aos pacientes. Programas de suporte à decisão médica, por exemplo, podem tornar a telessaúde ainda mais importante para atender populações de áreas remotas.
Todos esses temas também envolvem uma discussão sobre a formação dos médicos e letramento dos pacientes sobre a saúde digital. “É preciso contratar pessoas com uma boa formação e boa experiência no mundo físico, para fazer essa transição para o mundo digital. Para isso, também precisa ter uma experiência digital mínima. Às vezes é um profissional super experiente no físico, mas ele não consegue ser tão efetivo no mundo digital. Tem particularidades nos dois mundos e precisam ser respeitadas”, explica a gerente do Einstein.
Mercado
A telemedicina não é nem deve ser vista com a solução para todos os problemas. Apesar do seu potencial para atingir diferentes objetivos, a ferramenta não funciona de forma isolada. Por isso, é preciso avaliar onde e quando ela é importante, seja para diminuir custos assistenciais ou para levar atendimento a lugares distantes dos serviços de saúde.
“Você não pode criar uma demanda que não existe, tem que enxergar a oportunidade na demanda que existe e onde vai colocar a peça correta. É uma ferramenta bastante poderosa, mas precisa ser bem aplicada, porque senão você pode até adicionar um custo”, explica Albaladejo.
Por isso, muita coisa tem sido feita no setor através da tentativa e erro. Jefferson Fernandes, do Global Summit, aponta que esse é o caminho para atingir a maturidade do serviço. Com o avanço das empresas e gestores e do entendimento sobre o potencial de cada item, a saúde avança gradualmente rumo aos próximos passos.
De acordo com Renata Rothbarth, ainda se investe em empresas e produtos de telessaúde no Brasil, mas que é preciso ir além das consultas. “Não é o principal dentro de modelos de negócios. Pelo que vemos de empresas no Brasil e no mundo, fazer só telemedicina não vai ser economicamente sustentável. Temos trabalhado com os clientes para encontrar caminhos de colocar teles como feature, mas a proposta de valor tem que ir além”, explica.
A sócia da Machado Meyer Advogados aponta que, na maioria das vezes, os produtos têm envolvido softwares que automatizam em alguma medida partes do processo de assistência à saúde, seja na triagem, suporte à decisão clínica, prevenção e diagnóstico. Ainda, explica que em alguns casos, o custo de horas médicas é alto e acaba inviabilizando o serviço, e empresas têm desenvolvido serviços com outros profissionais da saúde, como enfermeiro, fisioterapeuta, nutrólogo ou psicólogo.
Recebar nossa Newsletter
NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.