Autocuidado é aposta de centro de pesquisa do Imperial College de Londres pioneiro no estudo do tema

Autocuidado é aposta de centro de pesquisa do Imperial College de Londres pioneiro no estudo do tema

Com diversos contornos e benefícios para a economia de sistemas de saúde, a prática coloca o indivíduo como responsável por administrar sua própria saúde

By Published On: 17/01/2025
práticas de autocuidado são destaque em centro de pesquisa de Londres

Foto: Adobe Stock Image

Cuidar da alimentação, ter uma prática de exercícios físicos, monitorar a glicemia, tomar medicamentos quando se está doente. Essas são algumas medidas de uma rotina de autocuidado, em que o indivíduo se torna responsável por administrar sua própria saúde. Esse tipo de conduta pode ajudar na prevenção de doenças relacionadas ao estilo de vida. Por isso, ela começa a ganhar cada vez mais espaço na sociedade, com mais pesquisas sobre o tema e inovações tecnológicas, como os dispositivos vestíveis de monitoramento de condições de saúde.

O estudo de mecanismos que estão por trás do autocuidado e de como potencializar seus efeitos é o foco da Unidade de Pesquisa Acadêmica em Autocuidado (SCARU), do Imperial College de Londres, a primeira unidade dedicada ao tema no mundo. Fundada em 2017, sua criação parte do reconhecimento de que diversas doenças e condições que se tornaram problema de saúde pública nas últimas décadas como obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão estão atreladas ao estilo de vida. “A boa notícia é que conhecemos os fatores de risco que podem ser modificáveis, como pressão alta, níveis elevados de glicose e gordura no sangue, inatividade. Por meio do autocuidado, podemos prevenir, retardar ou mudar a trajetória dessas doenças”, comenta o diretor da SCARU Austen El-Osta.

Essa lógica foi aplicada pelo governo do Reino Unido durante a pandemia de covid-19. Um programa do NHS promoveu o autocuidado distribuindo aparelhos para pacientes hipertensos monitorarem a sua pressão arterial em casa, junto com orientações. “É um exemplo de autocuidado por meio da redistribuição ou compartilhamento de tarefas, onde você capacita o paciente a fazer o autocuidado sozinho, mesmo estando doente”, diz El-Osta. A ação, segundo conta, foi capaz em diminuir incidentes clínicos ligados a essa condição de saúde.

A depender do contexto, o autocuidado ganha diversos contornos, podendo ser aplicado tanto por pessoas saudáveis quanto aquelas com condições de saúde prévias. Para uma pessoa sem comorbidades, a prática pode ser o consumo de alimentos saudáveis e a realização de atividades físicas. Para outra, com hipertensão, seria a checagem da pressão arterial. Todos os casos têm em comum um olhar ampliado para questões relacionadas à saúde e o controle do próprio bem-estar pelo indivíduo.

Para que isso funcione, o conhecimento e a alfabetização em saúde são essenciais, pois podem capacitar a pessoa a realizar decisões mais apropriadas e saudáveis. Eles são, inclusive, um dos sete pilares de autocuidado citados pela International Self-Care Fundation, colaboradora do centro de pesquisa do Imperial College. Além dele, aparecem também o bem-estar mental, atividade física, alimentação saudável, boa higiene, uso racional de produtos e serviços de saúde, como medicamentos, e mitigação de riscos, como cigarro e bebidas alcóolicas.

“Seria ótimo trabalhar esses pilares desde jovem, incorporando esses comportamentos desde cedo. Quando somos muito jovens, precisamos olhar para a higiene, a alfabetização em saúde. Na universidade, podemos precisar de mais informações sobre alfabetização financeira, saúde sexual. Mais tarde, quando somos adultos e ingressamos no mercado de trabalho, podemos precisar aprender sobre gestão de estresse, enfrentamento de doenças não transmissíveis”, comenta o diretor da SCARU.  

O autocuidado nas pesquisas 

Nos últimos anos, o autocuidado tem crescido como um tema de discussão na comunidade acadêmica e, também, entre tomadores de decisão de governos de diversos países. Representantes de políticas públicas se focam na economia que a prática pode representar para o setor de saúde, evitando gastos com tratamentos desnecessários.

Um estudo da Asociación Latinoamericana de Autocuidado Responsable (ILAR) traz dados nessa direção ao analisar os gastos em saúde da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México com quatro condições não graves: diarreia, candidíase, dor lombar e resfriado. Se metade dos casos fossem tratados com medicamentos de venda livre, se poderia economizar US$1,3 bilhões anuais para esses sistemas de saúde que gastam, hoje, aproximadamente US$2,7 bilhões atendendo essas condições. No Brasil, isso significaria reduzir 68% dos atendimentos ao ano.

O movimento em torno da adoção de intervenções de autocuidado tem sido incentivado, inclusive, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que lançou seu primeiro guia voltado ao tema em 2019. Desde então, o autocuidado vem ganhando maturidade, com maior reconhecimento da prática por parte de outras organizações. Um exemplo recente ocorreu em novembro de 2023, momento em que representantes dos Ministérios da Saúde dos países da América Latina, organizações não governamentais e sociedade civil, membros da Coalizão pelo Autocuidado e setor privado assinaram uma declaração reconhecendo a importância da prática.

Segundo Austen El-Osta, essa movimentação é importante para alicerçar a discussão e promover a adoção de práticas pelos países. O diretor analisa que a própria comunidade acadêmica tem levado o assunto mais a sério, o que se reflete em estudos e evidências científicas que fomentam ainda mais o debate.

No escopo da SCARU, as pesquisas vão desde o eixo teórico, com modelos conceituais que procuram entender e definir melhor o que é autocuidado, até a aplicação prática, com o desenvolvimento de ferramentas para mapear essas ações. Esse é o caso do CAPITAN, ou Self-Care Capability Assessment, ferramenta criada pelo centro de pesquisa que ajuda a entender a capacidade de autocuidado das pessoas. “Isso é muito importante para identificar como podemos ajudar as pessoas a melhorar sua capacidade de autocuidado antes de aplicar intervenções”, explica El-Osta.

Há, ainda, um eixo focado em desenvolver materiais educativos para melhorar o conhecimento das pessoas de diferentes faixas etárias e contextos sobre saúde e autocuidado. A ideia é promover o que El-Osta chama de “microaprendizagem”, rápida e eficiente, diante do contexto de dispersão de atenção das redes sociais.

Outras pesquisas do centro procuram entender como os países estão implementando as diretrizes da OMS sobre intervenções de autocuidado, com foco na Nigéria, Uganda e Quênia. Entender as disparidades culturais do autocuidado também está na mira da SCARU, que deve em breve desenvolver pesquisas etnográficas em colaboração com pesquisadores de outros países, como o Brasil.

Autocuidado tem tecnologia como aliada 

Assim como outras áreas da saúde, o autocuidado experimenta uma revolução tecnológica nos últimos anos com a chegada, por exemplo, dos dispositivos vestíveis. Anéis que monitoram condições como pressão alta e frequência cardíaca e outros dispositivos que acompanham desde a produção hormonal de mulheres até a qualidade do sono alavancam ainda mais a possibilidade das pessoas examinarem e agirem sobre a sua própria saúde.

“As megatendências de soluções digitais, aplicativos, verificadores de sintomas, dispositivos vestíveis, testes de ponto de atendimento e diagnósticos digitais são ferramentas muito poderosas. Elas podem nos ajudar a tomar decisões informadas e inflar a bolha de cuidados primários usando autoquantificação, autoexames e assim por diante”, analisa El-Osta. Para ele, com esse apoio tecnológico, a frequência de idas aos consultórios médicos poderia ser reduzida apenas para situações de saúde necessárias. 

A expectativa é que tecnologias, como impressão 3D, nanotecnologia, engenharia genética e blockchain possam integrar uma nova era do autocuidado.

O diretor da SCARU aposta que um dos conceitos que pode ganhar força até 2030 é o do “Self-Driven Healthcare”, ou cuidado da saúde autodirigido, em tradução livre. A ideia une o registro de informações pessoais de saúde com um feedback personalizado de ideias práticas para promover comportamentos de autocuidado, uma espécie de coaching clínico baseado em inteligência artificial. “Não há garantia de que isso fará você viver mais tempo, mas ajudará você a se interessar mais e ter mais controle sobre sua jornada de saúde ou bem-estar”, comenta.  

Isabella Marin Silva
Isabella Marin

Jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, passou pela área de Comunicação da Braskem e atuou com Jornalismo de Dados na empresa Lagom Data. Integra o time como repórter do Futuro da Saúde, onde atua desde março de 2024.

About the Author: Isabella Marin

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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Jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, passou pela área de Comunicação da Braskem e atuou com Jornalismo de Dados na empresa Lagom Data. Integra o time como repórter do Futuro da Saúde, onde atua desde março de 2024.