Em audiência pública, associações cobram implementação mais ágil da nova política nacional do câncer
Em audiência pública, associações cobram implementação mais ágil da nova política nacional do câncer
Durante audiência pública debatedores questionam orçamento repassado para a doença e implementação da Política Nacional.
Em dezembro de 2023, foi aprovada a Lei 14.758/23, que institui a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC) no Sistema Único de Saúde (SUS). A lei tem como objetivo melhorar a luta contra o câncer no país e entrou em vigor em junho deste ano. No entanto, mesmo após quase um ano de aprovação a política ainda não foi regulamentada e implementada completamente. Em audiência pública realizada no fim de outubro na Câmara dos Deputados, entidades de defesa de pacientes e autoridades discutiram a jornada do paciente, as métricas de prevenção, diagnóstico e monitoramento, a incorporação de tecnologias e, principalmente, os aspectos financeiros envolvidos.
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que surgem cerca de 704 mil novos casos de câncer por ano no Brasil, e mais de 50% são diagnosticados nas fases tardias. Além de medidas para melhorar o atendimento de pacientes, capacitação de profissionais e educação para prevenção e rastreamento da doença, a PNPCC também tem como objetivo aumentar o investimento na regulação, ampliar o financiamento dos Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacons) e Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacons), além de estabelecer recursos financeiros para a implementação das políticas públicas relacionadas ao câncer.
No entanto, em 2023, a oncologia recebeu apenas 1,17% do orçamento federal destinado à saúde. O levantamento inédito realizado pelo Instituto Lado a Lado pela Vida aponta que o montante do SUS naquele ano foi de R$194,2 bilhões — destes, R$4,75 bilhões foram repassados para o tratamento do câncer. Segundo o Instituto, o remanejamento da destinação de recursos possibilitaria ampliar o financiamento da área oncológica para R$13 bilhões anuais, um aumento de 197%. “O investimento atual é totalmente insuficiente, não há equidade nenhuma na distribuição desses recursos e não temos equilíbrio nos gastos com oncologia”, afirma a representante da instituição, Hérika Rodrigues.
Diante dos números e da demora para implementação da PNPCC, entidades relatam que o câncer não é uma prioridade e está na “fila de espera” da gestão. “A regulação do câncer não é transparente e não é ágil. Precisamos de mais recursos e precisamos melhorar a gestão para colocar de fato o câncer como uma prioridade no orçamento. A doença precisa ser tratada de forma prioritária pelo governo”, afirma a presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz.
Regulamentação da nova política nacional do câncer
Durante a audiência, o representante do Conselho Nacional de Secretaria Municipais de Saúde (Conasems), Rodrigo Lacerda, adiantou que as normas que regulamentam a PNPCC estão praticamente prontas e não trazem dificuldades de implementação. Atualmente, o Conasems, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Ministério da Saúde trabalham em quatro minutas de portarias para: operacionalizar a política na rede de atenção à saúde, organizar o acesso dos pacientes ao diagnóstico, instituir o programa de navegação do paciente no sistema e criar a assistência farmacêutica oncológica. “É um desafio fazer a implementação dessa política na prática e essa discussão está acontecendo de forma tripartite. Estamos bem debruçados e bem empenhados para que a gente consiga dar uma resposta que atenda as necessidades da população de uma forma oportuna”, afirma Lacerda.
O representante destaca que o processo de regulamentação da PNPCC está levando tempo, pois envolve todas as secretarias do Ministério da Saúde e que ainda é preciso monitorar, avaliar e instituir um processo de regulação transparente para que se tenha, de fato, condições de garantir o acesso. Além disso, Lacerda afirma que os municípios não devem validar as propostas enquanto não ficarem claras as diretrizes de algumas obrigações impostas à ponta, visto que grande parte das responsabilidades das portarias caem sobre a Atenção Básica dos municípios.
“O cobertor é curto e temos que ter muito mais dinheiro. Os municípios estão investindo 24% do seu recurso próprio em saúde, onde deveria por lei ser 15%. A Atenção Básica tem que ser fortalecida, na prática temos uma demanda reprimida enorme e não damos conta de fazer o básico. Temos que sair da lógica de só pensar no tratamento de alta complexidade e não investir no cuidado básico. Não vamos pactuar as portarias enquanto não enxergarmos o plano operativo a curto, médio e longo prazo de forma efetiva”, complementa.
Ações do Ministério da Saúde
Na ocasião, o Ministério também apresentou as medidas implementadas pela pasta para o combate e controle da doença, bem como os esforços para implementação da política. O coordenador-geral da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer do Ministério da Saúde, José Barreto Campello Carvalheira, destacou a importância do Programa de Mais Acesso a Especialistas para reduzir o tempo de diagnóstico dos pacientes para 30 dias e que o protocolo de acesso às ofertas de cuidados integrados na Atenção Especializada em Oncologia está na fase final de editoração.
Além disso, dentre as medidas previstas pelo governo, está a criação de 50 policlínicas equipadas para realizar praticamente todos os exames para detecção do câncer. Barreto também ressaltou que o Ministério tem investido nos tratamentos e que entre 2022 e 2024 aumentou em 23% o número de cirurgias oncológicas.
No entanto, o maior gargalo identificado pela pasta no tratamento é a falta de acesso a radioterapia — para isso, o Plano de Expansão da Radioterapia no SUS (PERSUS) prevê a criação de 34 novos serviços a serem inaugurados, 23 deles já em obras. “Os pilares que trabalhamos hoje para equilibrar e pensar a política estão na lógica de cura, então sabemos que precisamos melhorar os vazios assistenciais de Cacons e Unacons. Também temos vazios em relação a radioterapia em praticamente todos os lugares, fora São Paulo, e estamos na luta e na missão de fazer chegar essa assistência em mais locais. Também estamos trabalhando em um novo programa de expansão para aumentar ainda mais o acesso”, salienta o coordenador.
Durante o evento, Barreto também anunciou que um Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para o câncer de colo de útero deve ser apresentado na próxima reunião da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e o Tribunal de Contas da União (TCU) informou que prepara dois relatórios sobre a aplicação da política de combate ao câncer no Brasil.
A deputada Flávia Morais (PDT/GO), responsável pela convocação da audiência e presidente da Subcomissão Especial de Combate ao Câncer da Câmara dos Deputados, avalia que a reunião foi dura e que a subcomissão vai continuar a cobrança no Ministério para regulamentar a política. “As ações do Ministério são a longo prazo e não correspondem à demanda que temos hoje. Apesar de já ter sido protocolado várias vezes com a pasta, nós temos aqui na Câmara quatro projetos que vão ajudar no financiamento do câncer e não tivemos nenhuma resposta do Ministério sobre isso. Então vamos continuar cobrando fortemente”, afirma.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.