O papel da atenção primária para prevenção, jornada do cuidado e organização do sistema de saúde – Futuro Talks Ed. Especial
O papel da atenção primária para prevenção, jornada do cuidado e organização do sistema de saúde – Futuro Talks Ed. Especial
Em novo episódio especial de Futuro Talks, Rich Withnall e Gustavo Gusso debateram a importância da atenção primária para o futuro da saúde
Em meio às tendências globais de envelhecimento populacional, incremento de tecnologia e aumento de doenças crônicas, a atenção primária é frequentemente apontada como um dos caminhos no sentido da prevenção, com potencial de evitar que os custos da saúde aumentem. Este foi o tema central do novo episódio especial de Futuro Talks, que contou com a participação de Rich Withnall, diretor médico de educação e treinamento internacional do Royal College of General Practitioners, do Reino Unido, e Gustavo Gusso, consultor em avaliação de redes de atenção com foco em Atenção Primária à Saúde e supervisor da residência de medicina de família na USP.
Ao longo da conversa, eles apresentaram um panorama sobre a organização do sistema de saúde, tanto no Reino Unido quanto no Brasil. Segundo os especialistas, para enfrentar os desafios que o National Health Service (NHS) – referência mundial em saúde – enfrenta, é essencial transferir o cuidado dos hospitais para a comunidade. Essa abordagem não apenas beneficia os pacientes, mas também se mostra financeiramente mais viável. Eles argumentam que investir em cuidados comunitários pode gerar melhores resultados de saúde do que a construção de novos hospitais.
Eles ressaltaram ainda que, embora cada sistema de saúde tenha suas especificidades, a abordagem preventiva, colaborativa e multidisciplinar é um consenso. Nesse modelo, profissionais de diferentes áreas, como médicos, farmacêuticos e fisioterapeutas, por exemplo, trabalham em conjunto para proporcionar um cuidado integrado, especialmente a pacientes com doenças crônicas. Essa colaboração fortalece a atenção primária, resultando em um atendimento mais eficaz e eficiente, beneficiando tanto os pacientes quanto o sistema de saúde como um todo.
Com o crescente uso da tecnologia na área da saúde, os entrevistados destacam a importância de incorporar a inteligência artificial na formação médica, além de enfatizar o ensino sobre proteção de dados e a confidencialidade dos pacientes. Durante a conversa eles demonstraram otimismo em relação ao futuro da medicina e acreditam que a rápida evolução tecnológica continuará a influenciar positivamente a prática clínica e a qualidade do atendimento.
Confira a entrevista a seguir:
O NHS é reconhecido como um excelente sistema de saúde, mas atualmente enfrenta uma crise significativa. Dr. Rich, qual é a situação atual do NHS?
Rich Withnall – O NHS está em um momento desafiador. Recentemente, comemoramos nosso 75º aniversário, e é um verdadeiro triunfo da saúde pública e da medicina que as pessoas estejam vivendo cerca de 10 anos a mais agora do que quando o NHS foi fundado, na década de 1940. No entanto, como as pessoas estão vivendo mais, há, evidentemente, mais condições, mais polimorbidade e uma maior necessidade de medicamentos e polifarmácia. Além disso, ainda estamos nos recuperando dos desafios da COVID. Há milhões de consultas ambulatoriais ainda esperando para serem realizadas, e a equipe está trabalhando muito duro para lidar com essas questões, mas isso pressiona a força de trabalho. E, claro, isso custa mais dinheiro, pois precisamos de mais capacidade para tratar essa população que envelhece e o acúmulo de casos da COVID. Essa pressão se aplica tanto aos cuidados hospitalares quanto aos cuidados baseados na comunidade. Portanto, sim, há relatos de que o NHS está sob pressão significativa. Tivemos manchetes nos jornais na Inglaterra dizendo que há um ambiente tóxico dentro do NHS. Pessoalmente, não tenho certeza se concordo com isso; acho que o NHS faz um trabalho incrível. É cheio de pessoas incríveis, mas elas estão sob pressão. Elas estão sob pressão por causa da demanda crescente e, na verdade, seria muito útil ter mais investimentos no NHS para nos dar essa capacidade extra.
Como a resolução desse problema está sendo abordada e qual é, na sua visão, o papel do cuidado primário nesse processo?
Rich Withnall – O que estamos tentando fazer é mover o máximo do atendimento dos hospitais para a comunidade. Há várias razões para isso e, na verdade, é melhor para os pacientes. É muito mais fácil ser tratado perto de onde você mora, e isso é super importante quando se tem uma população envelhecida que pode não ser capaz de viajar para os hospitais locais. Do ponto de vista financeiro, sabemos que é muito mais barato oferecer cuidados nas comunidades. Então, temos conversado no Reino Unido sobre uma nova iniciativa do governo para novos hospitais. O plano era construir 40 novos hospitais. Talvez precisemos deles, porque precisamos da capacidade hospitalar também, mas se você pegasse essa mesma quantia de dinheiro e investisse em cuidados baseados na comunidade, a evidência sugere que, a nível populacional, você teria melhores resultados de saúde.
“Outra coisa que estamos aprendendo é que, assim como no futebol, o cuidado comunitário é um esporte em equipe. Em uma equipe de futebol, há muitas pessoas com papéis diferentes, e quando elas trabalham juntas, a equipe é bem-sucedida. Então, além de mover o atendimento dos hospitais para a comunidade, estamos tentando trabalhar com os colegas na equipe multidisciplinar, capacitando nossos enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas e outros colegas para assumirem mais responsabilidades pelo cuidado do paciente e trabalharem de forma multidisciplinar. E se você fizer as duas coisas ao mesmo tempo, os resultados são muito bons.”
Há evidências de que, em doenças crônicas, se elas forem gerenciadas por enfermeiros especialistas, os resultados são melhores do que se forem gerenciados por médicos. E, como mencionei, é preferível para os pacientes serem tratados perto de casa, em um ambiente comunitário.
Dr. Gustavo, considerando a realidade brasileira, enfrentamos desafios semelhantes aos do NHS. Quero ouvir sua perspectiva sobre o cuidado primário no Brasil, destacando as diferenças entre os setores público e privado. Você poderia comentar sobre isso?
Gustavo Gusso – Acho que temos desafios semelhantes que são, na verdade, os novos recursos. É um desafio em todo o mundo, em qualquer país, encontrar novos recursos para financiar o sistema de saúde, e temos a indústria farmacêutica fazendo muito, tentando empurrar mais coisas para dentro do sistema. Então, com o dinheiro, nós temos o mesmo… nós chamamos isso no Brasil de “pizza”. Temos que lutar pelo orçamento, e eu acho que isso acontece em qualquer lugar. Mas acho que temos que considerar as diferentes crises. A crise do NHS é uma crise que gostaríamos de ter, sabe? Se o Brasil tivesse essa crise, porque eles atendem a todos. O legado do NHS é incrível. Então, eles têm uma crise porque estão comparando com a situação anterior; portanto, não alcançamos essa situação. No nosso sistema, temos o público e o privado, e não organizamos isso muito bem. Não temos o cuidado primário muito forte no setor privado. Muitos dizem que não temos cuidado primário no setor privado. O cuidado primário é acesso, longitudinalidade e integralidade, que é cuidado abrangente, na verdade, e coordenação da saúde. Fazemos isso, mas às vezes fazemos mal; não é algo que não fazemos. Não é um caso de sim ou não. Fazemos em qualquer setor, mesmo no privado, mas não fazemos tão bem. Então, precisamos treinar e aplicar o cuidado primário para chegar ao nível de crise deles.
Você acredita que o setor privado está se tornando mais interessado em investir no cuidado primário? Está ocorrendo algum treinamento ou desenvolvimento nesse sentido?
Gustavo Gusso – Sim, mas há altos e baixos. E, hoje em dia, o significado de cuidado primário não é o mesmo de dez anos atrás, quando havia uma empolgação; tudo era cuidado primário. Mas eu acho que, especialmente no sistema privado, às vezes há uma esperança por uma solução mágica. Isso não acontece. O cuidado primário é feito por médicos e enfermeiros. Então, ele existe, mas temos que organizá-lo. E, se não quisermos chamar isso de cuidado primário, não é obrigatório; podemos chamá-lo de qualquer coisa, até criar outro nome. Não é uma questão de nome, mas sim do sistema. O paciente precisa de uma jornada onde possa encontrar o médico certo, no momento e no lugar certos, e o cuidado primário ajuda nisso. O cuidado primário também ajuda a distribuir melhor o dinheiro.
Como o NICE avalia novos tratamentos no NHS, considerando os altos custos envolvidos e a crescente demanda da população?
Rich Withnall – No Reino Unido, existem quatro organizações diferentes do NHS, uma para cada um dos quatro países: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. O NICE é um exemplo, mas há outras entidades que fornecem orientações baseadas em evidências para médicos. Uma equipe profissional analisa as opções disponíveis, considerando vários fatores; a eficácia clínica é priorizada, mas também são levados em conta aspectos como custo. Eles chegam a uma conclusão sobre o que é apropriado ser distribuído pelo NHS e publicam diretrizes para todos os médicos, com critérios que precisam ser atendidos para a implementação de medicamentos, por exemplo. Na Escócia, existem orientações conhecidas como SIGN para medicamentos. Além disso, outros órgãos estão trabalhando para avaliar novas tecnologias, reconhecendo o valor que a tecnologia pode trazer para a tomada de decisões. As diretrizes do NICE, por exemplo, ajudam a orientar os profissionais. Estamos tentando integrar essas abordagens com plataformas eletrônicas que utilizamos para registrar dados; nessas plataformas, o sistema fornece orientações sobre as melhores evidências aprovadas pelo NICE, permitindo que selecionemos opções benéficas para nossos pacientes.
E de que forma isso contribui para a sustentabilidade do sistema?
Rich Withnall – Isso ajuda de duas maneiras: torna o sistema sustentável em termos de atendimento ao paciente, pois compartilha as melhores práticas, tornando-se padronizado. Há ocasiões em que os médicos podem atuar um pouco fora das orientações, se houver uma razão para isso, mas precisam ter um bom motivo para sair da orientação. Além disso, isso também torna o sistema mais sustentável, pois uma das considerações é a efetividade de custo. Quando as coisas são implementadas a nível populacional, a combinação da eficácia clínica e da acessibilidade se junta para tornar o tratamento sustentável.
Dr. Gustavo, de que maneira você acredita que a tecnologia pode nos ajudar a alcançar essa eficácia?
Gustavo Gusso – Acho que a relação que sempre faço com a tecnologia é a daquela solução mágica que às vezes esperamos. No Brasil, somos pessoas muito religiosas e, às vezes, realmente acreditamos que a solução possa vir do céu. Isso é perigoso, pois a tecnologia pode cair nessa área, que é como uma ferramenta. É uma ferramenta; é como uma cadeira: você pode usá-la para sentar ou para jogar na cabeça de alguém. Então, também pode ser perigoso.
“A tecnologia, especialmente a telemedicina e as consultas por vídeo, deve ser colocada no contexto do sistema de saúde e em uma área que podemos integrar com a consulta presencial, por exemplo. Se incluirmos essa tecnologia apenas como um outro acesso, não conectado ao sistema, isso será um problema. Será outro acesso, talvez para o paciente errado, com o médico errado e na hora errada.”
Então, não é uma solução mágica e devemos ter cuidado ao incluirmos isso. Até em nossas vidas, usamos o WhatsApp: às vezes, usamos bem; outras vezes, ele nos deixa muito ansiosos. Isso, às vezes, resulta em uma melhor comunicação, mas pode, em outras ocasiões, piorá-la.
Você acredita que estamos avançando na direção certa em relação ao uso da tecnologia na saúde?
Gustavo Gusso – Acho que estamos no caminho de usar a tecnologia. O Brasil é muito diverso, então precisamos analisar cada caso. De forma geral, acho que sim, estamos tentando fazer o melhor, mas isso depende de cada organização local. Se estão conseguindo gerar essa integração entre a tecnologia e o que temos. Estamos enfrentando o desafio de integrar dados de hospitais e do cuidado primário; esse é um desafio em todo o mundo. Agora temos a lei que protege os dados, o que é muito bom, mas isso não é uma barreira. Acho que a maior barreira aqui no Brasil, que é diferente de lá, é o acordo entre as pessoas. Porque todo mundo quer ser o dono dos dados. Aqui no Brasil, há muito do tipo: “os dados são meus”, “os dados são deles.” Então, eles brigam pela propriedade dos dados, o que não é bom. Os dados pertencem ao paciente e devemos usá-los para o benefício dele. Essa é a proposta final da tecnologia. Não podemos ter tantos problemas e discutir sobre quem é dono dos dados; devemos trabalhar para beneficiar o paciente e os profissionais de saúde que estão cuidando dele. Porque, às vezes, aqui no Brasil, se você quiser saber o que aconteceu com o paciente, você tem que ir ao setor financeiro. Eles sabem o que ocorreu, que o paciente foi para aquele hospital ou outro, mas eu, como médico, não sei. Eu não sei se o paciente estava hospitalizado na semana passada. E não é que o paciente não queira falar; eles simplesmente não lembram de tudo. É difícil para eles se lembrarem de todos os exames que fizeram e todas as consultas que realizaram. Portanto, seria muito bom para o paciente se pudéssemos integrar melhor os dados de uma forma que os beneficiasse.
Dr. Rich, poderia compartilhar sua perspectiva sobre a tecnologia, seguido de como vocês estão utilizando os dados?
Rich Withnall – Acho que tecnologia é um termo muito amplo; ela pode ser empoderadora para os pacientes e também informativa e capacitiva para os clínicos. Portanto, procuramos abraçar a tecnologia no Reino Unido, e a expressão que melhor resume isso é “suporte à decisão”. Agora, estamos começando a implementar na comunidade coisas que tradicionalmente exigiriam que enviássemos os pacientes para o hospital. Um bom exemplo seria o monitoramento dos níveis de açúcar no sangue em pacientes com diabete. Anteriormente, eles tinham que consultar seu médico para fazer um exame de sangue e, em seguida, esperar pelos resultados. Agora, temos sensores que as pessoas podem usar para monitorar seus próprios níveis de açúcar no sangue pelo celular. Isso é empoderador, pois elas podem fazer correções quando começam a perceber mudanças. Se a pessoa for mais velha, por exemplo, existem tecnologias de sensores que podemos utilizar para apoiá-las; esses sensores enviarão alarmes se algo der errado ou se o paciente cair. Assim, nesse nível, a tecnologia pode ser muito empoderadora e direcionar decisões, às vezes para ações que os pacientes podem realizar sozinhos e, outras vezes, para alertar os médicos.
Você acredita que o ponto do Gustavo sobre a proteção de dados é muito importante? Estamos lutando por uma solução em que, com as permissões corretas, todos possam acessar os dados certos?
Rich Withnall – E eu gosto da frase do Gustavo sobre colocar o médico certo com o paciente e no momento certos. Na verdade, no Reino Unido, diríamos que é colocar a equipe certa ao redor do paciente, no momento certo. Essa equipe pode incluir um enfermeiro, um médico e até um dentista. Há informações no meu histórico médico que meu dentista precisa saber sobre mim, como se sou alérgico a antibióticos, mas há outras que talvez ele não precise saber. Assim, o ideal é termos uma boa situação em que todos os dados estejam disponíveis e precisos, mas também protegidos, de modo que apenas as pessoas que precisam vê-los possam fazê-lo. Além disso, algo excelente na tecnologia é que agora podemos ter conexões de telemedicina entre cuidados primários e secundários. Se nossos clínicos gerais precisarem de conselhos, por exemplo, sobre uma irritação na pele, eles podem tirar uma foto, enviá-la ao dermatologista no hospital, que, então, pode oferecer conselhos e responder rapidamente. Dessa forma, o paciente não precisa necessariamente esperar para ir ao hospital. E acho que outro ponto importante em que estamos refletindo bastante no Reino Unido atualmente é sobre inteligência artificial: como ela poderia nos ajudar tanto no diagnóstico quanto no aprendizado. Talvez, no futuro, a IA possa até informar as orientações que órgãos como o NICE oferecem. Um excelente estudo de caso foi publicado nos Estados Unidos sobre uma criança com uma condição muito rara. Ela foi consultada por uma série de especialistas em diferentes áreas, mas nada realmente se encaixava, e nenhum especialista conseguiu fazer o diagnóstico completo. Quando todos os dados foram processados por um algoritmo de IA, o sistema conseguiu reunir as partes relevantes e chegou a um diagnóstico.
“Assim, acredito que é inevitável que a inteligência artificial exerça uma influência crescente na medicina. Nosso desafio, como médicos, junto a nossos gestores e outros colegas, é garantir que ela seja usada de maneira apropriada.”
Vocês já estão aplicando inteligência artificial no setor de saúde no Reino Unido?
Rich Withnall – Sim, estamos. Já existem alguns exemplos em que, na verdade, a inteligência artificial é melhor do que o olho humano para ler exames como mamografias, já que os raios-X de mama fazem parte do nosso programa nacional de triagem. Para observar lesões de pele, como melanomas, as evidências também sugerem que o algoritmo de inteligência artificial supera o olhar humano na interpretação desses casos. Acredito que, com o tempo, encontraremos mais exemplos como esse.
Dr. Gustavo, como você avalia o uso de inteligência artificial no Brasil? Você acredita que estamos à frente em relação a outros países?
Gustavo Gusso – Estamos tentando o mesmo. Por exemplo, no diagnóstico de câncer de mama, esse tipo de coisa, acho que é uma realidade no Brasil também. Mas, em todos os lugares, estamos tentando entender qual é a melhor forma de usá-la. Eu uso a inteligência artificial nas minhas consultas, por exemplo, para auxiliar na dieta. Alguns pacientes têm uma dieta especial no caso de doenças específicas. Às vezes, usamos a IA para consultar algo, mas podemos utilizar maneiras muito diferentes. Estive em uma reunião no mês passado na Espanha sobre comunicação na saúde, e um estudo foi apresentado em que eles estão usando IA para dar feedback aos médicos sobre como se comunicam com os pacientes. Assim, em vez de esperar que a IA tenha mais empatia do que o médico, podemos usá-la para ajudar o médico a ter mais empatia, pois a comunicação não verbal é importante. Portanto, esse não é um bom caminho para substituir totalmente o profissional de saúde, mas podemos usar a IA para nos tornarmos melhores profissionais. Por exemplo, eu não preciso mais saber de tudo; posso consultar a IA às vezes, o que é muito bom.
“Deveríamos realmente usar a IA para nosso benefício e para o benefício do paciente, substituindo algumas de nossas tarefas, melhorando nossa vida e economizando tempo. Podemos, por exemplo, utilizar a IA nos registros eletrônicos de saúde. Estamos aprendendo como usá-la, e, como disse antes, ela é uma ferramenta.”
Acredito que pode ser perigosa também, é claro, especialmente para os pacientes, se eles a utilizarem sem orientação ou se as referências estiverem incorretas. Portanto, temos que aprender. Acho que todo mundo está fazendo isso, e que teremos sucesso não apenas como médicos, mas como seres humanos.
E, pensando no futuro, não apenas em relação à IA, mas em todo o contexto da saúde, como a formação médica evoluiu? Como podemos preparar esses novos médicos para esse futuro, Dr. Rich?
Rich Withnall – Nossos estudantes de hoje são os médicos de amanhã, e nós, como médicos, todos somos pacientes também. Acho que é inevitável e acredito que o futuro será brilhante. A geração de estudantes que está entrando no Reino Unido cresceu com a tecnologia; eles são muito melhores do que a minha geração era. Conseguem manter conversas paralelas em dois celulares diferentes ao mesmo tempo e já estão acostumados a usar tecnologia para apoiar suas escolhas. Acredito que eles talvez estejam menos assustados com a tecnologia do que algumas pessoas mais velhas. Mas o Gustavo acabou de tocar em um ponto bastante interessante: a quantidade de dados e de plataformas disponíveis para nossos estudantes, que estão chegando agora, aumentou exponencialmente. As coisas entram e saem de moda muito rápido. Então, acho que temos que estar atentos ao embasamento de evidências por trás dessas coisas, apenas para repetir seu ponto. Ao usar inteligência artificial, os estudantes precisam estar cientes de que essa IA depende da qualidade das informações de onde ela retira os dados na internet, e isso nem sempre está correto. Acredito que os estudantes de hoje ainda precisam das habilidades clínicas que sempre tiveram, mas se beneficiarão com o suporte de decisão da tecnologia. Outra coisa que eu acrescentaria, e que estamos pensando seriamente na avaliação de licenciamento de medicina da família, é que não acho que possamos evitar a inteligência artificial; ela vai acontecer. Os estudantes irão usá-la, e isso traz desafios nas provas para garantir que todos estejam sendo justos uns com os outros. Mas, em vez de tentar impedir os estudantes de usar a inteligência artificial nas respostas, devemos abraçá-la. Estamos refletindo bastante sobre como a inteligência artificial pode nos ajudar a elaborar boas perguntas para essas provas sobre as coisas que são importantes. Estou muito empolgado com o futuro; acho que, em 10 ou 20 anos, as coisas que estamos discutindo hoje estarão muito ultrapassadas, serão obsoletas, porque as coisas estão avançando tão rapidamente. Então, precisamos abraçar isso e utilizar nossos estudantes, por assim dizer, para nos ajudar, como médicos de hoje, a decidir quais tecnologias são realmente boas e onde precisamos ter cuidado com a tecnologia. Meu ponto final é, exatamente como o Gustavo disse, que precisamos ensinar nossos estudantes sobre proteção de dados e quem pode ver quais informações, para garantir que tenhamos a confidencialidade profissional que nossos pacientes merecem em relação aos seus registros de saúde.
Dr. Gustavo, para finalizar, como você enxerga o futuro da assistência médica e quais tendências devemos observar com mais atenção?
Gustavo Gusso – Estou otimista sobre o futuro e, às vezes, aqui no Brasil, estamos melhorando cada vez mais. Deveríamos ir mais rápido em direção ao futuro; esse é o nosso problema, mas sou muito otimista. Eu só quero estabelecer uma relação entre a tecnologia e o cuidado primário, porque temos uma situação muito difícil. Às vezes, nosso sistema não é organizado e não temos uma clara divisão entre cuidado primário, secundário e terciário para o paciente. Às vezes, eles utilizam o sistema de maneira caótica. E, às vezes, esperamos demais da tecnologia e dizemos: “Ah, agora que temos tecnologia e inteligência artificial, não precisamos nos preocupar, não precisamos organizar o cuidado primário, porque ela irá substituí-lo.” Esse não é o caminho a seguir. Então, precisamos ter cuidado com isso. Devemos manter os princípios do sistema muito claros e inserir a tecnologia nisso: princípios que são focados no paciente, na equipe multidisciplinar e tudo isso. Devemos treinar os estudantes, porque esse é o futuro, mas é algo que devemos tentar agora. Às vezes, eu não acho que o futuro será algo muito diferente. Acho que, no futuro, teremos coisas que gostaríamos de ter agora.
Dr. Rich, como você enxerga o futuro do cuidado primário?
Rich Withnall – Sim, eu acho que o cuidado primário vai crescer; acho que precisa crescer porque há restrições de capacidade no cuidado secundário. E eu acho que a interface – coisas como usar tecnologia para testes próximos ao paciente – é uma solução interessante, pois você não precisa enviar amostras para laboratórios que estão distantes. Você tem técnicas para fazer isso no cuidado primário e obter resultados imediatamente. Acho que isso será algo bastante empolgante sobre o futuro. Portanto, a nossa próxima geração – nossos estudantes que estão chegando agora – pode precisar de habilidades que não tivemos, porque fizemos as coisas de maneira diferente. Eu acho que o futuro será muito brilhante e que devemos abraçar a tecnologia; e acho que isso ajudará os pacientes.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.