Arthur Chioro, presidente da Ebserh: “Queremos nos consolidar como a maior empresa hospitalar do país, pública ou privada”

Arthur Chioro, presidente da Ebserh: “Queremos nos consolidar como a maior empresa hospitalar do país, pública ou privada”

Atual presidente da Ebserh, Arthur Chioro traz sua visão do histórico da instituição, atual cenário e os caminhos para os próximos anos

By Published On: 10/06/2024
Arthur Chioro, presidente da Ebserh, em solenidade na plenária da Câmara. Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Arthur Chioro, presidente da Ebserh, em solenidade na plenária da Câmara. Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

As instituições hospitalares universitárias são conhecidas pela alta complexidade, pois abrangem uma ampla variedade de serviços de apoio à assistência em saúde, além de contar com diversos recursos e especialidades profissionais. Para contribuir na modernização na gestão estratégica e operacional em saúde, foi criada a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), em 2011. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), tem como objetivo fortalecer a oferta pública dos serviços de saúde, por meio dos hospitais universitários. Ao longo dos anos, a Ebserh se transformou em uma das maiores empresas públicas do Brasil e a maior empresa na área da administração hospitalar: são 45 hospitais universitários, 8.600 leitos espalhados pelo Brasil. Em março de 2023, Arthur Chioro foi empossado como novo presidente da Ebserh. Ele recebeu a equipe do Futuro da Saúde em Brasília para uma entrevista exclusiva.

Chioro foi Ministro da Saúde entre 2014 e 2015 e tem amplo conhecimento na área de gestão. À convite do Ministro da Educação, Camilo Santana, aceitou o desafio de aprofundar essa integração dos hospitais para que eles cumpram alguns papeis que consideram fundamentais: assistência, ensino e pesquisa. Chioro já foi presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems-SP) por três mandatos. 

Durante a entrevista, Chioro falou sobre a transformação do sistema de saúde brasileiro, a ampliação do número de hospitais pela Ebserh, planos de estratégia, inteligência de dados, o avanço da pesquisa clínica, parceria com a indústria farmacêutica e saúde digital.

A conversa faz parte de uma série de entrevistas realizadas pelo time do Futuro da Saúde em visita recente à Brasília. O link com todos os materiais pode ser acessado aqui.

Confira os principais trechos da entrevista:

A Ebserh, responsável por 45 hospitais, possui uma visão ampla de capilaridade e abrangência. Como ela pode se tornar uma catalisadora da transformação para o sistema de saúde brasileiro?

Arthur Chioro – A Ebserh foi criada há cerca de 12 ou 13 anos e efetivamente entrou em operação há 11 anos, após um período de formação. Sua criação visava desempenhar um papel estratégico para o SUS. Uma de suas principais missões era resolver um problema crônico das universidades, que enfrentavam sérios endividamentos em suas fundações de apoio devido à contratação de pessoal. Essas universidades utilizavam recursos do SUS para pagar salários e adquirir suprimentos, enfrentando uma crise prolongada. Assim, em certo momento, surgiu a ideia de estabelecer uma empresa pública, uma estatal, para gerir nacionalmente essa rede de hospitais. 

Além disso, havia um compromisso sólido com a melhoria da qualificação nesse processo, o resgate de algo que já foi essencial no passado do país, mas que está presente em qualquer país desenvolvido que conseguiu elevar seu sistema de saúde a um patamar mais elevado: o forte investimento nos hospitais universitários, especialmente em relação à assistência de média e alta complexidade. Ou seja, desempenha um papel estratégico na assistência e na formação dos recursos humanos para a saúde. Não me refiro apenas à graduação, mas também aos quase 60 mil alunos de pós-graduação que passam pela nossa rede. Falo sobre a formação, que é considerada o padrão ouro na especialização, como a residência médica e a residência multiprofissional, além da pós-graduação. Seja pelos mestrados e, agora, os doutorados profissionalizantes e acadêmicos, têm um papel fundamental na produção de conhecimento.

Com o objetivo também de produzir pesquisa e inovação qualificada, isso?

Arthur Chioro – Os hospitais universitários almejavam voltar a ser ilhas de eficiência tecnológica e científica, além de serem centros de formação. Para isso, precisavam cumprir um papel estratégico no SUS. A missão de ensinar, pesquisar e inovar não pode ser cumprida sem um forte compromisso com a assistência. Para ser mais claro, não é possível formar cirurgiões ou enfermeiras sem um hospital vibrante e pulsante, que tenha volume e compromisso com os principais problemas de saúde da população. Por exemplo, no Norte do país, além de ser referência para doenças crônico-degenerativas e atendimento de urgências e emergências, como traumas e câncer, é necessário possuir expertise em doenças tropicais e infecciosas, algo que não é encontrado em outras unidades hospitalares. Por outro lado, no Sul do país, onde as doenças cardiovasculares e o câncer são as principais causas de morte, é essencial ter uma concentração de serviços adequada para tratar essas condições.

Ao mesmo tempo, a intenção era consolidar uma rede capaz de gerar eficiência na gestão e escala. Escala desempenha um papel fundamental tanto na administração pública quanto na privada. Quando observamos o setor privado realizando fusões, concentração de redes, entre outras estratégias, estão buscando justamente vantagens em termos de escala. Além disso, buscava-se estabelecer parcerias na produção de conhecimento e pesquisa. Entretanto, a implementação da Ebserh teve início em 2013, com a assinatura dos primeiros contratos, e três anos depois, ocorreu uma mudança significativa na direção das políticas nacionais. Essas mudanças afetaram diversos aspectos, desde a política econômica até a saúde, a educação, o ensino e a pesquisa, além da ciência e tecnologia do país, refletindo-se diretamente na Ebserh.

Como tem sido a ampliação do número de hospitais pela Ebserh?

Arthur Chioro – O processo de ampliação do número de hospitais pela Ebserh tem sido gradual, embora mais discreto desde 2016. No governo Bolsonaro, apenas duas unidades aderiram. Em Uberlândia, a adesão ocorreu praticamente devido a uma exigência do Ministério Público, por causa de uma série de situações jurídicas complexas. Este hospital, junto com outro, estava entre os mais endividados quando a Ebserh foi criada e foi um dos últimos a aderir. No Amapá, a adesão ocorreu por razões políticas peculiares, incluindo a presença de um presidente do Senado do estado e uma série de outros fatores políticos, governamentais e legislativos.

Ou seja, estamos falando de dois hospitais, embora Uberlândia seja um hospital de grande porte. Quando assumi a gestão, ele estava funcionando com apenas 12 leitos. Um hospital que tem capacidade para 230 leitos, mas apenas 12 estavam operacionais. O que aconteceu foi que com a emenda do teto de gastos, as restrições orçamentárias afetaram severamente a esfera governamental, e os movimentos de proteção aos orçamentos próprios da educação e da saúde foram implementados, sem considerar a Ebserh e sua rede de hospitais universitários. Os líderes da agência, sem críticas, procuraram proteger essa rede. Então, o General Oswaldo, meu antecessor, tomou medidas quando Henrique Mandetta, então Ministro da Saúde, afirmou: “Não tenho responsabilidade sobre a Ebserh. Ela é do MEC. Resolva lá”. Mandetta cortou completamente os recursos que anteriormente eram repassados, o que gerou atritos com o Ministério da Educação, que por sua vez também não se responsabilizou.

Qual foi a solução?

Arthur Chioro – Ele [General Oswaldo] foi até o Ministério da Economia, onde a Secretaria das Estatais estava vinculada. Na verdade, essa secretaria era responsável pela desestatização e privatização. Portanto, não recebeu apoio. Ele fez questão de proteger a instituição e colocou um adesivo aqui, onde hoje está localizado o Hospital Maternidade, com os dizeres “Ebserh é MEC”, conforme solicitado por mim, porque havia uma narrativa de que a Ebserh pertencia ao Ministério da Educação. Então, nos últimos seis anos aproximadamente, nos quatro anos antes de assumir, a narrativa era de que a Ebserh fazia parte do MEC e estava voltada para o ensino e a pesquisa. Quando examinamos de perto o que era feito nesses aspectos, claro, havia ensino e pesquisa, mas faltava direcionamento, financiamento, estímulo e integração. O SUS não era nossa prioridade. Estou lhe fornecendo esse histórico para contextualizar. Quando assumi, inicialmente, aceitei após muita resistência, pois entrei apenas em março, devido a razões pessoais que ocorreram entre dezembro e fevereiro. O convite veio do Ministro da Educação, Camilo Santana, com forte influência da Ministra Nísia Trindade, que também insistiu bastante para que eu aceitasse, com a proposta de retomar o projeto original da Ebserh: uma empresa pública vinculada ao MEC, mas com um forte compromisso com o Sistema Único de Saúde.

Qual é o plano e estratégia da Ebserh?

Arthur Chioro – O nosso plano e estratégia – todo estatal tem que fazer um mapa estratégico – mudaram, e o nosso propósito, a partir de agora, é saúde, ensino, pesquisa e inovação a serviço da vida e do SUS. E a nossa visão é consolidar-nos como uma rede de hospitais universitários de excelência para o SUS, uma rede que seja do SUS, que funcione para o SUS, que produza assistência de acordo com as necessidades do SUS, que promova a formação da força de trabalho que o SUS precisa. O mercado vai se aproveitar naturalmente; o mercado faz isso muito bem, ele atrai os melhores profissionais e o capital, mas o nosso compromisso é formar para o SUS e produzir conhecimento e pesquisa de acordo com as necessidades do SUS. E, ainda mais, ser de fato um espaço que não apenas avalie tecnologia, mas que possa fazer a incorporação de tecnologia. Então, é de fato um redirecionamento.

A maior estranheza que tive foi na primeira semana. Eu pedi para comprar uma bandeira e colocar ali, trocar o nosso material e o nosso slogan passar a ter a logomarca do SUS. Por quê? Porque estava proibido. A ordem que tinha para os nossos superintendentes dos hospitais era: o SUS não é problema nosso, o SUS é problema do Ministério da Saúde, dos secretários estaduais e secretários municipais. Tanto é verdade que, não por iniciativa das universidades ou hospitais universitários, a entrada da Ebserh no enfrentamento da pandemia é tardia. Vários secretários municipais, estaduais, prefeitos e governadores,  me dizem, “no meu estado, foi o último a entrar”. E tem uns que dizem, “no meu estado não entrou”. Ficou ali, vivendo uma dinâmica interna.

Quando entramos, a primeira coisa que enfrentamos foi a crise Yanomami em Roraima. Em vez de convocar a Força Nacional de Saúde do SUS, o Ministério chamou a Ebserh e perguntou: “Vocês podem nos ajudar?” Mobilizamos pessoas, equipamentos e montamos unidades. A secretária municipal e o prefeito de Boa Vista, quando estive lá recentemente, agradeceram porque não apenas ajudamos, como deixamos a estrutura montada. Houve também uma crise no Amapá com o vírus sincicial, precisando de uma UTI pediátrica. Mobilizamos recursos e levamos pessoal da UFMG. O diretor superintendente, que é pediatra, foi pessoalmente, montou a equipe e passou visita com a IPED e o nosso intensivista de Minas Gerais. Agora, por exemplo, estamos enfrentando outro problema. Assim, a Ebserh passou a ser concebida como uma parceira do Sistema Único de Saúde.

Ela ainda está atrelada ao MEC, mas é parceira do Ministério da Saúde. E o financiamento vem dos dois?

Arthur Chioro – Ela é, por lei, uma estatal dependente vinculada ao MEC. Nosso órgão supervisor é o MEC. Como funciona do ponto de vista do nosso orçamento? Todo o valor gasto com o pessoal, que é o mais caro, é pago pelo Ministério da Educação. Isso inclui tanto os funcionários do regime jurídico único quanto os funcionários celetistas, todos concursados e com uma carreira sólida. O MEC cobre os salários, enquanto o funcionamento cotidiano dos hospitais, incluindo medicamentos, materiais e serviços, é financiado com recursos do SUS, numa proporção de aproximadamente 13 bilhões para 4 bilhões. Ou seja, 13 bilhões do MEC e 4 bilhões do SUS. Houve, portanto, um aumento significativo no orçamento, pois o Ministério da Saúde começou a reconhecer a importância da Ebserh. Recentemente, por exemplo, precisávamos criar uma unidade de saúde indígena em Roraima. A ministra nos solicitou, e estamos assumindo um hospital em Roraima, que será a nossa 45ª unidade, incluindo três da UFRJ que serão incorporadas antes.

Então, foi de 41 para…?

Arthur Chioro – 45. Isso no meu primeiro mandato. Daqui a dois anos, em vez de aumentar duas unidades, estamos aumentando quatro, incluindo a UFRJ. Mas temos ainda mais em andamento. Estamos construindo uma unidade na Universidade Federal de Lavras, um hospital universitário na Unifesp, no extremo sul de São Paulo, e outra unidade em Paulo Afonso, no interior da Bahia. Também estamos construindo novas unidades em Juiz de Fora e em Pelotas, onde atualmente usamos Santas Casas alugadas, que são unidades muito pequenas, então estamos criando duas novas unidades. Além disso, estamos construindo uma unidade em Cariri, na Universidade Federal do Cariri, em Juazeiro do Norte, Ceará. Estamos colocando mais uma unidade lá. No Maranhão ainda não estamos presentes. As que já estão consolidadas estão no PAC e em boas condições. Uma unidade no Acre. Hoje, só não estamos presentes no Acre, em Rondônia e em Roraima. Em Roraima, assinamos recentemente. No Acre, estamos entrando. E estamos negociando Rondônia. Rondônia vai demorar um pouco porque o Ministério considera que já têm hospitais em número suficiente.

Qual é o critério para ser da Ebserh? Pode ser uma aquisição?

Arthur Chioro – Mais de 150 leitos. Ou construir, ou, por exemplo, encampar um hospital estadual. Por exemplo, em Foz do Iguaçu, nós vamos assumir um hospital municipal. Em Roraima, estamos assumindo um hospital estadual e vamos ampliar.

Assumir a gestão significa assumir tudo?

Arthur Chioro – Tudo. Ele tem 130 leitos e vai passar a ter 250 leitos. Entramos para mudar. Hospital novo, nós vamos ter em Pelotas, Foz do Iguaçu e São Paulo, os três do Rio de Janeiro, que já estão agora confirmados. Paulo Afonso, na Bahia, Cariri, um novo hospital para substituir o existente em Fortaleza, que não tinha condição. Ali nós vamos ampliar, mas vamos construir um novo em Fortaleza. O de Roraima, o do Acre, Parnaíba, no Piauí, Divinópolis, em Minas Gerais, em parceria com o governo de Minas. Este é um novo. Acho que são esses que eu já posso anunciar que estão previstos no PAC.

São 14. 

Arthur Chioro – São 14 ao todo nessa primeira leva. O que significa sair de 45 para ir para 55 hospitais universitários. Hoje, nós já somos a maior empresa pública hospitalar do Hemisfério Sul. E isso vai criando talvez um pouco essa mudança. Também há a visibilidade que a minha presença traz. Eu sou um ex-ministro que vem para cá. Tem gente que diz “Ah, agora existe Ebserh”. Não, já é importante há muito tempo. Mas há um grande trabalho sendo feito. Por exemplo, pegamos o Aplicativo de Gestão para Hospitais Universitários (AGHU), desenvolvido há 12 anos nessa rede, consolidado, experimentado, com código aberto, e firmamos uma parceria com o Ministério da Saúde. Agora, os estados e municípios podem oferecer. Já temos 110 adesões formais e não param de chegar pedidos de adesões de grandes prefeituras, governos e estados que entram também com o compromisso de ajudar a desenvolvê-lo. E o que é mais importante: agora, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pela OPAS, que nos convidou para ser centro colaborador em transformação digital. O primeiro centro colaborador de transformação digital da OPAS da OMS no mundo. Com uma decisão técnica e política, naturalmente, de pegar uma ferramenta pública desenvolvida e experimentada numa rede pública universitária e produzir uma inovação para o SUS. Detalhe: uma inovação que inclusive tem a capacidade de fazer a interoperabilidade.

Vai interoperar como prontuário dos municípios?

Arthur Chioro – É que mudou, agora é APS: os Prontuários de Atenção Básica. É o e-SUS APS com os hospitais. Já vai começar a interoperar. No Recife, estamos fazendo isso. E agora estamos acertando com a Secretária de Saúde Digital, Ana Estela Haddad, para podermos, com pouquíssimas adequações técnicas, oferecer para quem está na rede hospitalar acesso às informações dos pacientes na atenção primária. Eu estou falando hoje, sem contar UFRJ e Roraima. Vinte e cinco milhões de brasileiros que têm prontuários nos hospitais da Ebserh. Isso é maior do que praticamente todas as experiências dos grandes países com sistemas universais do mundo, que não têm 25 milhões de habitantes.

Vocês têm o dado de todo mundo dentro do prontuário do AGHU? Esses dados ainda não estão interoperáveis?

Arthur Chioro – Estão interoperáveis entre nós. No Recife já está interoperável.

Utilizam a inteligência desses dados para a tomada de decisão? Alguns exemplos que você pode trazer?

Arthur Chioro – Utilizamos para tudo. Eu sei quanto custa cada leito hospitalar por ano, a média do custo de leito hospitalar. Vou te dar um exemplo concreto. Quem primeiro sacou que no ano passado houve um crescimento dos casos de vírus sincicial, a bronquiolite, foi a Ebserh. Por quê? Porque começamos a perceber isso em São Carlos (SP). Aí nós percebemos em Pelotas, apareceu em Lagarto, no interior de Sergipe. E depois no Amapá. Quando chegou no Amapá, a rede da Ebserh conseguiu ser uma rede sentinela. Primeiro, porque ela está espalhada nacionalmente. Pouquíssimas redes têm essa dimensão nacional como nós temos. E depois, porque ela está interligada num prontuário único. Então, se você quiser informações assistenciais, nós temos informação assistencial. Se eu quero apurar custos.

Da rede inteira? 

Arthur Chioro – Da rede inteira. Eu consigo individualizar. Estoque, na área de comunicação, ele tem o BI dele que puxa todas as informações de comunicação. Na área jurídica, eu tenho todas as questões.

Inclusive dados clínicos? Porcentagem das pessoas entraram aqui e estão assim. Linha de cuidado. 

Arthur Chioro – Sim, porque você tem um sistema de informação na mão. E detalhe: o gestor municipal, gestor estadual, ele consegue customizar para produzir os BIs que ele quiser. E isso tem nos nossos hospitais quando chegamos para visitar e vamos encontrando inovações. A direção local queria ter tal informação que ainda não tem. Ela desenvolve. E ao mesmo tempo isso é muito fácil de ser compartilhado, porque você está usando a mesma base de informação.

O próximo passo disso é ter um aplicativo? 

Arthur Chioro – Já tem. O usuário pode ter todas as questões mais importantes: desde marcação de consultas, agendamentos, reagendamentos, cancelamentos. Mas ele terá também os seus dados clínicos, os dados de exames laboratoriais, as suas receitas – o que é super importante porque as pessoas as perdem – e também os seus atestados. Inclusive, nós já estamos discutindo com a Previdência para que uma parte dos nossos atestados estejam em cima de alguns códigos. Se eu tomar a demanda do INSS, eles podem já gerar a concessão do benefício.

Então, essa é uma sofisticação que é a integração das bases de dados. Recentemente aprovamos inclusive a contratação de uma base de dados do Governo Federal que entrega todos esses dados. Por que isso é fundamental? Porque com isso conseguimos integrar os sistemas e utilizar cada vez mais. E é claro que agora lançamos mão também da Inteligência Artificial, que é o próximo passo que nós estamos agora começando a desenvolver nas primeiras experiências. Por quê? Porque uma das coisas que não se percebia é que esses 25 milhões de prontuários talvez tenham a mais importante e consistente base de dados que o país tem, com essa distribuição continental que preserva uma coisa fundamental em pesquisa clínica, por exemplo, que é a diversidade étnica genética racial.

Eu tenho conversado, particularmente, com os laboratórios, as empresas que têm vindo. Eles dizem assim: “Agora vemos uma perspectiva muito interessante de fazer pesquisa clínica no Brasil”. Porque você tem centros especializados, centros de pesquisa clínicos instalados em praticamente todos os nossos hospitais, com uma capacidade imensa, mas que não aproveitava essa perspectiva de rede.

Você acha que há espaço, pensando agora na pesquisa clínica e considerando até mesmo a discussão do PL aprovado, para entender como isso se transformará nessa relação? Você vê a possibilidade de a Ebserh ter esse protagonismo quando se fala em pesquisa clínica?

Arthur Chioro – Eu acho que pode, embora não seja garantido que ocorrerá. No entanto, a Ebserh está caminhando para assumir esse protagonismo, pois já o possui em certa medida. Se considerarmos que temos instituições como a UFMG, a Universidade Federal do Paraná, a UFRJ, a Universidade Federal de Goiás, do Ceará, do Maranhão, entre outras, com uma base sólida em pesquisa clínica, podemos perceber o potencial. Se soubermos aproveitar e fortalecer essa cultura de colaboração em rede, será imbatível. Por exemplo, o grande desafio das doenças raras é a escassez de dados.

É achar as pessoas.

Arthur Chioro – Você precisa de um grande N. Por exemplo, em um determinado estado com uma certa predominância genética devido a processos históricos de povoamento, etc., você encontra uma diversidade étnica limitada. A Rede Ebserh, por outro lado, possui essa diversidade. Assim, posso identificar pacientes ou casos e controles em diferentes regiões: Amazônia, sertão, semiárido, Minas Gerais, São Paulo, Sul e em áreas com alta concentração populacional. Por exemplo, na Grande Dourado, onde temos a maior concentração indígena, e em Roraima, que em breve terá nossa presença. Temos essas duas áreas como referência para povos indígenas, com nossos hospitais universitários, como em Manaus, ligado à Universidade Federal do Amazonas.

É a principal referência.

Arthur Chioro – Para os negros, para a população quilombola, estão os nossos hospitais. Então, imagine a potência disso. Essa oportunidade nunca foi devidamente explorada. Ainda temos aquele grupo de pesquisa excelente, liderado por um professor dedicado. Ao invés de dizer: “Ah, tenho um professor excelente em Goiânia, outro em Santa Catarina com um laboratório incrível”, estamos agora buscando estabelecer uma rede de pesquisa clínica colaborativa. É claro que esses professores continuam liderando suas áreas, mas agora estão buscando parcerias internacionais e outros recursos, enquanto temos tudo o que precisamos aqui, nos mesmos registros médicos, na mesma base de dados.

Há espaço para ter uma parceria mais com a indústria farmacêutica?

Arthur Chioro – Total! Primeiro, porque a Ebserh já faz isso. Nossos centros de pesquisa clínica têm uma série de estudos patrocinados, tanto por órgãos de fomento quanto por fundações de apoio estaduais, como CNPQ, CAPES e FINEP. Os docentes participam de todas as linhas de financiamento, pois isso faz parte de sua produção acadêmica. Nossos funcionários – médicos, enfermeiros, fisioterapeutas – não são contratados apenas para prestar assistência; eles sabem que estão ingressando em uma empresa que também se dedica ao ensino e à pesquisa. Os hospitais servem como um campo de prática e pesquisa para a estrutura acadêmica da universidade, envolvendo professores, pesquisadores, pós-graduandos e técnicos administrativos.

Nosso objetivo é oferecer uma estrutura em rede. Naturalmente, nossos centros de pesquisa clínica estão em estágios de maturidade distintos. Alguns já eram polos de pesquisa importantes, e o centro de pesquisa clínica impulsionou-os ainda mais, tornando-os maduros. Outros estão apenas começando, onde a pesquisa clínica verdadeiramente relevante começa com a implantação do centro. Em outras palavras, eles estão em estágios mais heterogêneos, com alguns professores e pesquisadores mais experientes e outros iniciando agora. No entanto, é exatamente a perspectiva de trabalhar em rede que potencializa isso. Isso permite que um centro participe como suporte, contribua para a pesquisa e, no próximo edital, possa até mesmo liderar, que é exatamente o que almejamos.

Como adotar uma abordagem que valorize a diversidade de esforços quando se trabalha em rede, evitando a duplicação de esforços?

Arthur Chioro – Devemos focar na construção progressiva. Lembra quando mencionei as ilhas de eficiência tecnológica, inovação e produção científica? Estamos definindo os papéis distintos que cada hospital universitário, seja no Maranhão ou em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, desempenhará. Cada um desenvolverá suas próprias áreas de competência. Para facilitar isso, não estamos apenas fornecendo financiamento, mas também implementando iniciativas interessantes. Por exemplo, recentemente, me reuni com a Capes para estabelecer uma linha de financiamento específica para nossos hospitais universitários.

E então, não vamos simplesmente replicar as mesmas linhas de pesquisa para as quais conseguimos recursos de laboratórios privados nacionais, internacionais ou dos órgãos de fomento. Em vez disso, vamos explorar outras áreas de financiamento, como gestão hospitalar, humanização do cuidado, processos de qualificação e aprimoramento da formação de trabalhadores, educação e saúde. Reconheceremos uma diversidade de temas, incluindo questões como racismo institucional e humanização do parto. Embora laboratórios possam não fornecer recursos para financiar pesquisa, há uma necessidade evidente no SUS de produzir conhecimento. Como podemos, então, administrar melhor um hospital? Quais práticas de gestão do cuidado são mais eficazes? Como podemos integrar o hospital à rede de saúde? E, por fim, como podemos promover a desospitalização? Nesse sentido, a Ebserh está mais receptiva a essas abordagens atualmente, ao mesmo tempo em que continua fortemente orientada pelas demandas do SUS e do Ministério da Saúde, como, por exemplo, a política de atenção especializada.

Como está a situação da atenção especializada, considerando as filas complicadas pela pandemia, apesar das ações e da parceria da Ebserh com o SUS?

Arthur Chioro – Olha, nós não apenas ajudamos; fomos chamados pela Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES) para participar do processo de discussão, sugerir, etc. Eles contam muito com a nossa participação, que varia de estado para estado. Hoje, em São Paulo, estamos presentes apenas em São Carlos.

Dá pra ter mais?

Arthur Chioro – Vai ter na capital, porque sempre são universidades federais. O critério é ter faculdade de medicina e enfermagem, mais um curso na área da saúde, ter no mínimo 100 alunos de graduação em medicina, no mínimo 150 leitos operacionais ou capacidade para isso, ser 100% SUS e ser de uma universidade federal. Temos recebido pedidos, inclusive, de universidades estaduais muito famosas, que querem fazer parte da Ebserh. Universidade federal. Acho que isso delimita um pouco o espectro de atuação da Ebserh. Por exemplo, para o Piauí, nós somos a principal referência de média e alta complexidade. Aquilo que acontece na atenção especializada acontece conosco. No Amapá, a mesma coisa. No Maranhão, nem se fala. Cerca de 80% do que fazemos é de alta complexidade. Você realiza no nosso hospital, que é um grande centro médico. Ao olharmos para os estados, o grau de participação será diferenciado. Mas se olharmos para o Rio de Janeiro, temos Niterói, a Unirio, Gaffrée e Guinle, e agora os três hospitais da UFRJ. Desempenham um papel importantíssimo. Portanto, o Ministério conta muito conosco. Isso se reflete não apenas em recursos financeiros, mas na responsabilidade que temos.

Vou dar outro exemplo: o Ministério está revisando o Plano Nacional de Câncer. É uma determinação prioritária, porque o câncer está se tornando cada vez mais um grande problema para a sociedade brasileira. Conforme melhoramos a atenção primária e básica, controlando melhor o diabetes, a hipertensão, a população está envelhecendo e o câncer se torna um desafio ainda maior. Hábitos alimentares, uso de agrotóxicos, poluição, tabagismo – todos esses fatores colocam o câncer como a grande demanda do Brasil nos próximos anos. Já tínhamos 22 unidades das 41 que atuavam no câncer, excluindo aquelas que são apenas maternidades, mas a participação era tímida.

Há toda uma previsão e um planejamento de expansão da participação da Ebserh no enfrentamento do câncer, seja do ponto de vista da cirurgia oncológica, seja da montagem de unidades de quimioterapia ou de radioterapia. Por exemplo, no programa nacional conduzido pelo Ministério, prevendo novos aceleradores lineares, estamos contemplados em várias unidades. Não é uma expansão que se faz da noite para o dia; tem que ser totalmente programada.

Como você operacionaliza isso?

Arthur Chioro – No processo de estabelecimento do contrato de gestão, é conduzido um extenso estudo e diagnóstico situacional abrangendo aspectos assistenciais, estrutura física, recursos humanos, equipamentos, entre outros. No que diz respeito aos recursos humanos, submetemos ao Ministério da Gestão e Inovação a aprovação do nosso quadro assistencial. Eles, então, nos concedem a autorização para contratação de funcionários, de acordo com o perfil do hospital. A média, em termos gerais, é de seis funcionários por leito. No entanto, se houver mais unidades ambulatoriais ou mais hospitais-dia, o perfil pode variar. De toda forma, possuímos um plano aprovado.

Para as unidades onde já prevíamos a existência de serviços de atendimento oncológico, isso já estava previsto. Onde não os temos, simultaneamente, estamos negociando para solicitar a ampliação ou o remanejamento. Vou dar um exemplo concreto, algo bastante clássico. Aliás, as entidades médicas adoram criticar isso, embora saibam que é uma realidade, mas o fazem apenas por fazer. Um hospital de 40 ou 30 anos atrás possuía enfermarias imensas de pediatria e cirurgia geral. O que ocorreu desde então? A implantação da atenção básica, vacinação, incentivo ao aleitamento materno, reidratação oral e outras medidas básicas, aliadas principalmente à atenção primária, levou a uma redução absurda na necessidade de internação de crianças.

O que mais interna hoje? 

Arthur Chioro – Oncologia, pediatria, trauma e algumas cirurgias pediátricas, que geralmente são muito rápidas, com exceção dos bebês que nascem com uma formação congênita, que são um pouco mais complicados, e durante o inverno, doenças respiratórias, que são sazonais. Então, a enfermaria de pediatria diminuiu consideravelmente e passou boa parte do ano vazia, felizmente. Em relação à cirurgia geral, vou te dar outro exemplo. Quando eu era interno recém-formado, operamos um paciente com uma colecistectomia, removendo a vesícula biliar. Se o paciente não se complicasse, ficaria internado por sete dias. O médico operava e, a partir do primeiro dia, o residente ou interno ia lá todos os dias para puxar um centímetro do dreno e trocar o curativo. Se houvesse complicações, o tempo de internação poderia se estender por quatro semanas. Então, em média, cada leito de cirurgia ficava ocupado por sete dias. Hoje, com a laparoscopia, o paciente pode ir para casa no mesmo dia ou ficar apenas dois dias internado. Assim, o mesmo leito pode internar cinco a seis vezes mais pacientes.

O hospital moderno é cada vez mais complexo e tecnológico, exceto pelas enfermarias clínicas voltadas para idosos e casos de AVC, onde, mesmo assim, a média de permanência é reduzida. Porém, nas áreas cirúrgica e pediátrica, houve mudanças significativas. Um hospital projetado há dez anos, por exemplo, tem seus primeiros contratos vencendo agora, e o perfil de pessoal que antes era adequado já não corresponde mais às necessidades atuais, pois o hospital evoluiu. Mesmo mantendo o mesmo número de funcionários, é possível reorganizar e implementar novos modelos assistenciais, muitas vezes sem a necessidade de aumentar o quadro de pessoal. No entanto, não é mais necessário negociar com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, pois estamos dentro de nossa margem. Portanto, é crucial acompanhar a dinâmica evolutiva. O hospital é um ambiente no qual aqueles que ficam para trás não conseguem compreender as mudanças e inovações, pois estas vão além das máquinas; envolvem também a maneira como cuidamos das pessoas.

E o próprio hospital define se vai ser federal ou estadual?

Arthur Chioro – Recentemente recebi uma notícia interessante. O reitor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), em Marabá, veio me visitar. Eles receberam autorização para iniciar um curso de medicina pública no próximo ano, e ele veio discutir isso conosco. É uma universidade federal, pública e tudo mais. Autorizado pelo MEC, processo de autorização. Muito provavelmente, ele vai conseguir fazer o primeiro vestibular no ano que vem. Ou no final do ano, já para começar, ou no meio do ano, para começar em agosto. Mas ele está iniciando uma faculdade de medicina. Ele veio ao mesmo tempo me procurar. Para quê? Para viabilizar a construção de um hospital universitário. Por quê? Porque quando ele entregou para o MEC a proposta de curso, ele entregou como um hospital do estado, um hospital regional. Mas ele já antevê que ele gostaria de ter um hospital universitário.

Então, ele inicia o processo de negociação. Vamos pegar o exemplo de Catalão, que fica aqui pertinho, a apenas 300 quilômetros de Goiás. É uma cidade rica onde foi criada uma das supernovas, aquelas universidades que foram estabelecidas no final do governo da Dilma. Um pouco antes disso, na verdade. Foram criadas seis universidades novas, inclusive com faculdades de medicina, que utilizavam a rede hospitalar local. A prefeitura de Catalão está construindo um hospital de 250 leitos e, posteriormente, planeja construir um módulo exclusivamente dedicado à oncologia. O que ela fez? Ela negociou com o governo federal para doar um hospital que será inaugurado no começo do ano que vem para que a universidade federal e a Ebserh possam administrar. Esta é uma segunda possibilidade. 

Vou te apresentar uma terceira possibilidade. Em Foz do Iguaçu, há um hospital de 260 leitos mantido pela prefeitura, que já está em funcionamento, incluindo programas de residência. A Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), localizada na tríplice fronteira, não possui um hospital universitário próprio. Por isso, utiliza este hospital, que pertence à Itaipu, mas não tem uma abordagem acadêmica, sendo apenas um hospital municipal. Assim, eles estão negociando com a prefeitura para que esta doe o hospital para a universidade, e a Ebserh assuma sua administração.

Agora, vou te dar outro exemplo, desta vez de São Paulo, mais especificamente da Unifesp, localizada na zona sul da cidade. Apesar de São Paulo ser uma cidade rica, a demanda por leitos na zona sul é significativa. A Unifesp, uma universidade consolidada há 90 anos, com sua faculdade de medicina, está completando seu nonagésimo aniversário, da qual eu faço parte como professor. Ela planeja construir um novo hospital com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Portanto, existem vários modelos possíveis em diferentes localidades.

E fazer a gestão direta de um hospital estadual ou municipal você não pode como Ebserh?

Arthur Chioro – A lei determina que o hospital seja doado para uma universidade federal, que então estabelece um contrato de gestão com a Ebserh, normalmente com duração de 10 a 20 anos. Atualmente, a maioria dos contratos é de 20 anos, embora no início fossem de 10 anos. Dessa forma, passamos a administrar o hospital para a universidade. Tanto é assim que a direção do hospital, incluindo o superintendente, é indicada pelo reitor, de acordo com um conjunto de regras que garantem a manutenção da vinculação acadêmica. O hospital segue esse perfil. A lei de criação permite que criemos uma subsidiária para administrar outros hospitais. Por isso, de vez em quando surge a ideia: “Ah, a Ebserh pode ser uma solução para os hospitais federais do Rio de Janeiro”. Eu rejeito isso de forma muito clara neste momento. Por quê? Porque temos uma tarefa não consolidada. Atualmente, já temos 14 hospitais definidos pelo Ministro da Educação que vamos assumir. Os quatro primeiros já começaram a ser administrados. Temos mais 10 para assumir. Não é pouca coisa. Além disso, recebemos 30 pedidos de universidades federais para terem hospitais. Ontem, foi o 38º pedido. Dos 38, já estamos atendendo 14. 

Uma avenida de crescimento.

Arthur Chioro – Acho que será inevitável com a consolidação da Ebserh. Nós vamos atender tudo isso num prazo de, sei lá, 10, 15, 20 anos. Vamos chegar a ter 70, 75 hospitais depois de ampliar. Veja bem, estou no Rio de Janeiro. Estou comprando para cinco hospitais lá: Unirio, Niterói e os três da UFRJ. Isso vai me dando escala. Juiz de Fora está ali do ladinho. As coisas mais simples podemos comprar para seis hospitais. Se eu comprar seis, eu compro mais barato, mesmo que sejam os produtos mais simples, como dipirona e material de enfermagem. Tem coisas que podemos comprar regionalmente e tem coisas que vamos comprar centralmente. Vou comprar um acelerador linear. Se eu adquirir 14 aceleradores e 10 tomógrafos, eu ganho em escala. Tenho capacidade de negociação com o laboratório, que remove o distribuidor do meio do caminho. Há uma garantia de que receberemos. É uma compra centralizada. Assim, essa potência poderá, no futuro, estar prevista na lei. Mas, por exemplo, quando começou a discussão sobre a crise no Rio de Janeiro, fui o primeiro a dizer: “Não contem conosco”, pois precisaríamos de tempo para implantar uma subsidiária e fazê-la corretamente para poder assumir e responder à crise e à emergência. Seria uma questão de responsabilidade.

Contando equipamento, medicamento? 

Arthur Chioro – Isso. Basicamente medicamentos. Tem um pouco de compra de equipamentos, mas foi a primeira. Agora estamos acertando os regimentos. É muito interessante. Os hospitais universitários da mesma rede compravam a mesma coisa em processos separados e pagavam preços diferentes. Eu vou ficar comprando coisa que é muito fina de uso cotidiano? Vou dar um exemplo concreto que para o hospital é estratégico: alimento para fazer as refeições. Não temos que comprar isso aqui de Brasília. Vamos comprar da agricultura familiar. Vamos comprar da produção local. Isso inclusive gera emprego e renda na região. Agora, eu tenho lá um quimioterápico. Eu tenho três laboratórios que produzem no mundo. Vou deixar cada hospital nosso entrar em concorrência? Não faz sentido. Então a Ebserh não usava isso.

Com base na sua experiência passada como Ministro da Saúde, você acredita que há mais oportunidades de movimentação e inovação hoje, considerando o cenário atual?

Arthur Chioro – Eu acho. Nós vivemos uma situação absolutamente diferente do ponto de vista do financiamento. É a primeira vez que o SUS conta com recursos estáveis e permanentes, com uma regra definida. A Emenda Constitucional 86 trouxe o financiamento para um novo patamar, com um presidente que considera os recursos utilizados em saúde e educação como investimento e não como gasto. Ainda que a área econômica possa reclamar, faz parte. Mas acho que há uma orientação de prioridade para resolver os problemas de saúde. Há um ambiente completamente diferente.

A pandemia trouxe algumas lições dolorosas – sofrimento, perdas irreparáveis de vidas – das quais jamais podemos subestimar a gravidade. No entanto, entre os escombros do desastre, emergiu um reconhecimento renovado da importância do SUS e dos sistemas universais de saúde, em especial do SUS. Isso reposiciona o debate sobre o uso dos recursos em um novo patamar.

Hoje, enfrentamos um congresso mais complexo do que na minha época. Se já foi desafiador o suficiente para mim viver o processo de impeachment, acredito que os desafios atuais são ainda mais sérios. As emendas parlamentares agora assumem um contorno que nunca tiveram em minha época. O volume de recursos destinados a elas hoje supera em muito o que eu testemunhei durante meu mandato como ministro, apesar de já ter presenciado um aumento durante meu período no cargo.

Quais os complicadores disso?

Arthur Chioro – Foi a própria Emenda Constitucional 86 que estabeleceu inicialmente a obrigação de destinar 50% dos recursos das emendas para a área da saúde, porém, naquela época, o montante era consideravelmente menor. Estávamos longe de vivenciar a situação atual. Ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro, enfrentamos um desinvestimento significativo no SUS. Isso representou uma ruptura do princípio fundamental de coordenação do Sistema Único de Saúde, afinal, ele é denominado “único” por uma razão. O resultado foi o agravamento das condições de saúde da população, em parte devido à falta de assistência e ao subfinanciamento, mas também em grande medida devido à ausência de coordenação e à falta de elaboração de planos de contingência para lidar com os efeitos do não tratamento e do subdiagnóstico durante a pandemia.

Os médicos, os enfermeiros, e todos aqueles que cuidam dos diferentes serviços em todo o Brasil, afirmam que há muito tempo não recebiam pacientes com estadiamentos de câncer tão graves. Nestes casos, onde os recursos são mais escassos, o sofrimento das pessoas é mais intenso e a chance de sobrevivência é menor, ainda não conseguimos compensar o atraso. Além disso, há diabéticos e hipertensos que deixaram de se tratar, os transtornos mentais que aumentaram exponencialmente e a rede de atenção psicossocial não recebeu o investimento necessário. Penso que a situação deste lado é mais desafiadora e grave, porém, as condições para agir são melhores, especialmente agora que o Ministério conta com a Ebserh, o que não acontecia anteriormente. Além disso, considero o Conas e o Conasems como parceiros extremamente importantes.

Vocês ganharam protagonismo também.

Arthur Chioro – A primeira coisa que eu fiz, além de naturalmente falar com os ministros e etc., foi ir na assembleia do Conass, que fica no mesmo prédio do Conasems. Eu pedi audiência e disse: ‘Olha gente, mudou’. Eu vou te dar um exemplo: um secretário estadual que esteve comigo há umas três semanas, e que está negociando — hoje o gestor do nosso contrato é a Secretaria Municipal, sendo uma capital — e em comum acordo, eles estão negociando a transferência do contrato para o gestor estadual, reconhecendo que o hospital tem um importante papel de atendimento para a capital, mas é a única referência especializada em várias áreas para o interior do estado inteirinho. 

Então, é ótimo porque é em comum acordo. O hospital é o espaço da micropolítica. O poder dos professores, dos médicos, da enfermagem, o poder de todo mundo. É um lugar muito complexo. Então, assim, o gestor está o tempo inteiro nos avaliando, nos controlando, dando retorno. Por exemplo, a UFMG fez uma avaliação de 10 anos do contrato com a Ebserh. A reitora ainda não nos apresentou, mas eu pedi para ela. Eu quero marcar uma apresentação para toda a minha equipe. Por quê? Porque precisamos botar uma cultura avaliativa. Nós estamos entregando para a população aquilo que está sendo investido?

Quais são os próximos passos? Onde estão os seus olhares?

Arthur Chioro – São muitos. Eu acho que consolidar as adesões e consolidar a Ebserh como a principal, a maior empresa hospitalar do país, pública ou privada, e a mais importante para o SUS. Eu acho que temos um objetivo que é contribuir fortemente na formação, tanto da área médica como da área multiprofissional, e portanto, a participação nossa na Comissão Nacional de Residência Médica, que vai começar a ter agora, ela é muito importante. Nós executamos o Exame Nacional de Residência (Enare). Eu acho que transformar o Enare no SISU em residência médica e multiprofissional é um desafio. Nós não podemos obrigar ninguém, mas queremos cada vez mais trazer o maior volume de programas de residência médica e multiprofissional para ter um único, por uma série de motivos: democratização, diminuição do peso econômico, facilitar o preenchimento das vagas em âmbito nacional, poder facilitar a vida dos hospitais que ficam lá tendo que fazer prova, facilitar a vida dos candidatos, porque uma única prova nacional, podem escolher o programa.

Essa prova já substituiu todas as outras, ou não?

Arthur Chioro – Não substitui todas as outras, porque ela depende da adesão. Nós começamos pequenininhos; no ano passado já foram 110 programas, com 5 mil vagas, e nós queremos continuar ampliando. Fortalecimento do MEC, então, este ano, por exemplo, Instituto Nacional do Câncer, programas da Bahia, do Ceará, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul, que não estavam, estão vindo. A prefeitura do Rio, nós estamos em negociação, temos até junho para consolidar, para fazer a maior prova de residência, porque eu acho que isso é muito importante. E aí eu te falo, inclusive, como professor e pai, meu filho está no quinto ano de medicina, meu caçula. Já há algum tempo, observamos, e você pode perguntar para qualquer professor de medicina, chega no quarto, quinto ano, os meninos já começam mais a querer ir para a faculdade, para o internato, para fazer os cursinhos particulares. Preparatório para a prova de residência. Então, precisa acabar com isso.

O que mais está no radar?

Arthur Chioro – É preciso democratizar o acesso, facilitar esse acesso, e acho que essa é uma tarefa bem legal. Consolidar essa integração, essa oferta do AGHU como um sistema público, e agora não mais nacional, agora em escala internacional, apoiar a Organização Pan-Americana. Acho que isso é uma tarefa muito importante. Eu acho que consolidar a eficiência na gestão hospitalar. E aí temos sido chamados, o ministro Fernando Haddad nos deu uma tarefa importante, que estamos tentando construir com alguma dificuldade, não da nossa parte, mas de algumas outras partes que faltam fechar, mas auxiliamos as Santas Casas também com o nosso sistema de compra. Criar um sistema de compra compartilhada. Esperamos poder usar muita inteligência artificial, muita inovação. Queremos formar bem os futuros profissionais de saúde, produzir pesquisa e atender bem a população, ou seja, participar da solução do acesso especializado no país – e aí me refiro não apenas ao câncer, mas às cirurgias eletivas, a tudo aquilo que hoje afeta a vida dos brasileiros. Fila vamos ter sempre, de alguma maneira. Fila é uma coisa, é organização. Mas que possamos ter as pessoas sendo cuidadas no tempo oportuno. Se um caso é classificado como de risco, de urgência, ele tem que ter, seja por uma cirurgia de urgência, seja por um diagnóstico de câncer e por início do tratamento de uma doença, o tempo adequado, o acesso adequado. Se precisar de uma coisa que é eletiva, que ele possa não ser abandonado numa fila. Porque muitas vezes os gestores tiram da fila e põem a fila pra dentro do hospital universitário. Encontrei um hospital nosso com 12 mil. Os sistemas não se falam. Então, eu acho que podemos fazer muita coisa bacana e continuar sendo um grande instrumento de apoio pro MEC, na área de ensino, pesquisa, e pro Ministério da Saúde e pro SUS na área da assistência.

Você acha que o ambiente está mais propício a ser mais colaborativo? Até em estados e municípios?

Arthur Chioro – Total. É outra história porque nós nos portamos de uma outra maneira. Se você perguntar para alguns secretários estaduais ou municipais, eles estão muito insatisfeitos. Você não muda a cultura de um hospital da noite pro dia. Tem muitos secretários, muitos gestores que também não querem muito o hospital universitário porque seus projetos políticos, etc., passam por priorizar outros. E aí vamos encontrando o espaço do diálogo. Fica difícil oferecer uma rede que tem excelência, que tem qualidade, que tem capacidade de entregar e dizer ‘não vou contratar’. Nós vivemos agora; a secretária de Santa Catarina vive brigando comigo. Ela acha que o hospital universitário de Santa Catarina não entrega aquilo que ela precisa. E eu concordo com ela, não está entregando.

Até porque está dois meses em greve e piorou mais ainda as dificuldades que já tinham. Tem outros secretários que dizem pra mim assim: ‘olha, se o hospital universitário não tivesse aqui, eu não sei o que seria. Vocês são fundamentais. E eu quero mais. Se você puder me oferecer mais, eu quero mais’. Agora estou no meu limite de capacidade. Não dá. Vamos ver como é que vamos fazer. Então acho que assim, o Brasil é isso. O Brasil é marcado pela heterogeneidade. A nossa atuação é pela heterogeneidade. Agora, nós não conseguimos fazer todas as mudanças que queríamos em um ano e alguns meses que estamos aqui. Mas eu acho que conseguimos produzir muitas mudanças, potencializar muitas coisas boas que tinham sido construídas aqui. Vou dar o exemplo do AGHU e do Enare. São duas ideias que eu não criei. Foram administrações e gestões anteriores.

Mas quem fez essa conexão com a saúde digital provavelmente foi você.

Arthur Chioro – Sim. Ou, por exemplo, sair ligando pra todo secretário estadual, municipal, ligar pra todo mundo. Eu faço isso. Ligar para todos os meus reitores, fazer uma indução financeira, dizer que quem entra no Enare vai ganhar um pouquinho mais de dinheiro pro seu centro de pesquisa, para informação. Estratégias de condição. Se tem uma coisa que eu e a minha equipe temos é jamais parar um programa, uma ação, uma atividade, porque foi o outro que criou. Jamais. Quando eu assumi, eu peguei o Mais Médicos, o Padilha tinha criado o Mais Médicos. Padilha é o pai do Mais Médicos. Mas quando eu entrei, tinha seis meses, eu que botei o Mais Médicos para funcionar. Mudei muita no meio do percurso, porque a implementação de política é assim. Eu vi duas excelentes ideias: a AGHU e Enare. Não tive dúvida nenhuma. Elevei pra prioridades na minha gestão e não tenho nenhum problema com marca, não precisa ser minha. Se entregar melhor do que recebemos e contribuindo mais, tarefa contínua. O SAMU foi a mesma coisa. Foi o Humberto que era o ministro. Peguei ali na unha, fui pra França, aprendi, montei isso, defini cor, defini a marca, a regra do jogo, negociar com as Conass, Conasems, etc. Tenho o maior orgulho porque virou uma política de Estado. Muda o governo, o SAMU segue como política de Estado. Se eu sair daqui e aí observar uma baita empresa pública, funcionando, eficiente, será uma contribuição bacana.

E hoje há essa visão mais de estado e unificada?

Arthur Chioro – Eu consigo ligar pro Berge, falar com Adriano Massuda, com a ministra Nísia. Do mesmo jeito que ela liga pra mim. Nós somos o mesmo governo. Antigamente, tinha uma certa guerra. Guerra da Ebserh com o MEC, com o Ministério da Saúde, com a Secretaria de Estado. Mas, olha, apesar de tudo, a empresa não estava tão arrebentada, como eu vi o Ministério da Saúde e da Educação. Tem gente muito boa, o corpo de funcionários é de altíssimo nível. Tem pessoas da direita e da esquerda, como tem na família, na vida. Mas, de maneira geral, ano passado fechamos um acordo coletivo de trabalho. Foi a primeira vez que não judicializou. Muito benéfico para os trabalhadores, para a empresa. Apesar de eles terem feito uma greve, houve muito mais disputa de base eleitoral. O sindicato está numa fase agora difícil, mas conseguimos novamente fechar um ACT, válido por dois anos. Recomposição de pedras, muitas cláusulas sociais muito importantes. Estamos dialogando muito com os reitores. Eu cheguei aqui, o clima com os reitores era de guerra. Guerra porque diziam que não eram atendidos, porque tentou colocar um regimento à força e tal. Hoje conversamos. Os reitores são os donos da Ebserh com o MEC, porque os hospitais pertencem às universidades. Eles são os representantes.

Natalia Cuminale

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, com as reportagens, na newsletter, com uma curadoria semanal, e nas nossas redes sociais, com conteúdos no YouTube.

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