Antonio Silva, da Roche: “Dados podem melhorar decisões médicas, políticas públicas e acesso”
Antonio Silva, da Roche: “Dados podem melhorar decisões médicas, políticas públicas e acesso”
A indústria farmacêutica é reconhecida por desenvolver terapias que revolucionam
A indústria farmacêutica é reconhecida por desenvolver terapias que revolucionam e transformam a vida da sociedade. Ela traz desde o remédio de dor de cabeça, por exemplo, até uma terapia complexa para pacientes com doenças raras. Esse papel ficou ainda mais claro ao longo da pandemia com o trabalho dos cientistas, fomentados pela indústria para desenvolver vacinas e tratamentos. Mas o mundo está se transformando e o papel da indústria também. Esse foi o pano de fundo da conversa com Antonio Silva, diretor de Estratégia e Acesso da Roche, no Futuro Talks.
O executivo possui mais de duas décadas de experiência no mercado de saúde e, ao longo da entrevista no canal do YouTube do Futuro da Saúde, explorou diversas questões que permeiam o setor como um todo e a indústria farmacêutica em si.
Hoje, mais do que todo o investimento em pesquisa e desenvolvimento, é preciso dar o passo adiante: buscar soluções de saúde baseadas em dados, que podem balizar decisões médicas, políticas públicas e até acesso, questão em que ainda há muito que avançar, seja nos novos modelos de negócio, seja na mensuração do benefício aos pacientes.
Confira a entrevista completa:
Nos últimos anos vimos um protagonismo da indústria farmacêutica. Antes, as pessoas entendiam o que fazia a indústria farmacêutica, mas não tinham uma grande profundidade. Qual a importância dessa mudança e desse impacto com a população?
Antonio Silva – Acho que a pandemia, uma crise sanitária sem precedentes, traz à tona qual o benefício que todos os atores de saúde podem trazer para fazer esse enfrentamento. Foi bonito ver todas as indústrias se mobilizando para buscar inovações tecnológicas ou mesmo produtos que poderiam trazer benefício para esses pacientes. Acho que isso ficou muito reforçado e ganhou muito espaço. Nós conversamos muito que durante, em cada casa, nós vimos pessoas discutindo saúde com profundidade, querendo saber, buscando informações e eu acho que esse é o grande passo: chamar toda a população para o jogo de melhorar a saúde. E a indústria farmacêutica mostrou seu papel. Nós vimos vacinas sendo desenvolvidas em tempo recorde, tratamentos efetivos e na parte diagnóstica também. Acho que o papel da indústria foi reforçado e não tem como enfrentar problemas complicados de saúde de forma singular. Todos tiveram que trazer e aportar o seu grãozinho de areia para passarmos por essa crise que foi tão difícil.
Falamos desses últimos anos, mas você já tem mais de duas décadas nesta indústria. Quais foram as grandes transformações ao longo dos últimos 20 anos, não só olhando para a ciência, mas também para o negócio em si.
Antonio Silva – Quando você me convida a pensar nos marcos assim, eu lembro da era em que não tínhamos antibiótico, quando o problema sanitário eram as infecções, quando o problema foi a depressão. E a indústria veio. Quando vimos que o problema era câncer e a indústria também teve um chamado e veio forte. Quando o problema foi a AIDS, a indústria também teve o seu protagonismo de buscar soluções. Então, se olharmos para esse universo dos últimos 20 anos, nós tivemos grandes avanços. Vou falar uma coisa que me marcou muito e mostrou como a ciência dá reviravoltas. Nós vimos que, por exemplo, tinha um caso peculiar que um pesquisador chamado Dennis Slamon, em 1989, foi apresentar um estudo e ninguém acreditou no que ele estava desenvolvendo, que era um anticorpo monoclonal que seria capaz de tratar um tipo específico de câncer de mama. Dez anos depois, esse mesmo pesquisador foi ao maior Congresso de Oncologia apresentar e foi aplaudido de pé por 10 mil pessoas, porque ele conseguiu trazer esperança. E depois veio a cura, 5 anos depois, para um tipo de câncer específico. Eu acho que esses são marcos e existiram diversos avanços como esse, muito ligados à área de câncer, de hepatite virais e hoje olhamos e há cura. A indústria tem buscado trazer esse avanço sempre visando não só o tratamento paliativo ou crônico, mas buscando cura.
Foi uma soma do avanço da ciência com o apoio da indústria, trazendo essas transformações que mudaram de fato a vida dos pacientes?
Antonio Silva – Sem dúvida. Acho que a indústria busca exatamente esse ponto. Onde há uma necessidade não atendida, é onde está o esforço da ciência, porque é aí que vamos causar o maior impacto e gerar mais vida. Ninguém quer ver as pessoas doentes, todos queremos vê-las sadias e felizes, então esse é um grande caminho que estamos perseguindo e dá muito prazer trabalhar em um setor onde vemos esses avanços. Não são só flores e buscar inovação significa tomar risco. Muitas coisas que nós apostamos não vão funcionar, mas nós temos que acreditar e colocar o esforço, porque sempre pensamos “o que vai vir depois?”. Precisamos buscar incansavelmente esse caminho da inovação.
Para acompanhar esses avanços da ciência e da indústria é preciso também ter a visão de negócios. E a indústria se movimentou e está mudando. Como você enxerga isso e como está a Roche neste contexto?
Antonio Silva – Nós, que estamos em uma indústria de inovação, temos que nos reinventar. Como a ciência traz avanços, nós também temos que mudar o modelo operacional. Nós focamos por muito tempo só no tratamento, então hoje temos uma visão mais aberta, tentando entender como colaboramos com a jornada do paciente. Mas por quê? Nós temos, internamente, uma ambição de que nos próximos 10 anos queremos trazer de 3 a 5 vezes mais em inovação e resultados clínicos para os pacientes, com 50% de redução do impacto para a sociedade em termos de custo. A primeira vez que eu escutei isso eu pensei “uau, isso me conecta”. Vou precisar me transformar em outro, ter um outro pensamento, fazer coisas diferentes, porque o modelo que temos não vai conseguir fazer com que os medicamentos cheguem e com que tenhamos esse impacto positivo no sistema de saúde. O primeiro passo foi pensar na jornada, porque o tratamento, para quem precisa, é super válido, mas é necessário também o monitoramento posterior. Mas também tem uma fase que é da prevenção, do diagnóstico precoce para algumas doenças, que faz toda diferença para o impacto no sistema, porque pacientes que são diagnosticados com algumas doenças na fase inicial têm uma altíssima chance de cura. Pode ser que não use medicamentos da nossa companhia, o que está certo, mas nós demos vida para essa pessoa. Nós demos melhor qualidade de vida, sem onerar o sistema, o qual pode ter alguma economia com esses pacientes e usar isso para tratar quem realmente precisa. Então, é tratar a jornada para além do tratamento em si. Eu acompanho e entendo que isso é o que temos mudado na forma como olhamos o mercado farmacêutico e assim temos um tripé muito forte: ciência, tecnologia e dados.
Mas nesse cenário há um desafio de acesso. Como fazer com que os pacientes tenham, de fato, acesso a um tratamento?
Antonio Silva – Eu sinto isso dentro da empresa e de outros companheiros da saúde: como nós fazemos acesso a quem mais precisa e no momento certo? Ontem eu escutei uma jornada de uma paciente que, em oftalmologia, poderia ser simples, mas a pessoa ficou cega por gargalos do sistema. Então, eu acho que isso é algo que nós temos que abraçar e tratar de forma empática e verdadeiramente com ações concretas. Nós, como empresa, vemos que a colaboração é a parte inicial. Temos que ter diálogos, planos e construir essa relação sólida de buscar alternativas que podem ser tradicionais ou não tradicionais. Hoje nós temos várias evidências de que as alternativas tradicionais funcionam e devem ser bem-vistas para aquele modelo, para quem utiliza isso e que o sistema consegue acomodar. Mas quando o sistema não acomoda, você tem que pensar fora da caixa e trazer modelos que estão funcionando em outros lugares e desenvolver modelos próprios para que consigamos esse acesso. Se há inovação sem chegar no paciente, nós não cumprimos o propósito.
Recentemente o Futuro da Saúde publicou uma matéria exclusiva sobre o modelo de compartilhamento de risco da Roche com o A.C. Camargo. O que são esses modelos alternativos pensados para ampliar o acesso?
Antonio Silva – Esse primeiro passo no A.C.Camargo foi um modelo muito simples. Quando vemos dados em oncologia, temos curvas e elas são em medianas. Sempre é comparada a terapia inovadora versus o tratamento padrão. E no padrão, muitas vezes nos primeiros ciclos de tratamento, nos primeiros meses, têm pacientes que não respondem mesmo com a terapia inovadora, e aí as curvas não se separam. Então, o valor da terapia não está nesse começo de tratamento, mas conforme vai recebendo ao longo dos meses os tratamentos, o benefício começa a ficar mais pronunciado e visível. O que fizemos? Esse é um modelo de diminuição de incertezas, tanto do paciente, quanto do pagador e do prestador. O A.C.Camargo foi um parceiro que também tem seu objetivo estratégico, quis somar falando que poderiam testar e nós discutimos a base científica, a base de compliance de como fazemos auditorias e garantimos que esse benefício que chegasse no “triplo win”, que é benefício para as duas empresas e para o paciente. Nós conseguimos, de forma simples, chegar em um modelo em que todos falaram “vamos testar e vamos avançar”. Talvez daqui 1 ano façamos ajustes, mas já começamos a ver que a repercussão que houve após a matéria é muito importante porque vários outros players começam a falar “por que não?”.
Você sente que hoje o ecossistema de saúde está mais disposto a dialogar e avançar para ações?
Antonio Silva – Eu creio fortemente que sim. É óbvio que não são todos e nós sempre falamos que há aqueles que são “early adopters”. As empresas, o sistema de saúde dependem de pessoas. Nós sempre caímos nas pessoas. Têm pessoas que querem, precisam e estão vivendo momentos de falar “eu preciso ter um propósito de mudar isso; eu não posso conviver com essa complacência de ver pacientes assim”. Então, nós conseguimos nos conectar muito com várias pessoas que querem fazer a diferença. Os profissionais hoje têm uma abertura para isso. A Covid mostrou que não tem solução única e que para qualquer coisa é necessário que vários players sentem e cheguem em uma solução. Não vai haver consenso, mas vamos testar coisas diferentes para problemas de longo prazo que já sabemos quais são. São pequenos avanços. Começamos a conversar não só sobre o problema – porque esse uns sabem mais, outros menos – mas também sobre quais são os problemas prioritários que vamos abordar e assim discutir quais são os modelos que podemos aplicar para mudar esse cenário. Eu acho que isso está muito em pauta hoje e vejo muita disposição para essas conversas.
Qual a maior dificuldade para fazer essas transformações?
Antonio Silva – Tudo que é novo gera incertezas. Quando você coloca duas pessoas, cada uma pode ter uma visão diferente, então a primeira dificuldade é como convergir no problema. Nós buscamos convergir no problema e entendemos que tinha que ser o “triplo win”. A segunda questão é: qual o nosso sonho conjunto e o que nós definimos como sucesso para isso? E nós sempre usamos uma analogia na metodologia ágil que é “nós queremos a Ferrari”. Nós não pensamos que podemos ir de bicicleta. Temos que trazer todo mundo para falar que “com a bicicleta nós chegamos” e, conforme vamos construindo, nós trocamos por uma motocicleta, depois para um carro, até chegar na Ferrari. Em terceiro lugar tem a questão das bases legais, que respeitem todas as regras. O compliance é inegociável. E aí tem a discussão jurídica de contratos, marcos legais que temos que fazer, o que é outro desafio. Então, demora uns 6 meses.
Até que 6 meses não é um tempo tão demorado.
Antonio Silva – Isso é um outro ponto. Nós demoramos 6 meses com esse. Nós acreditamos, porque criamos o que chamamos de biblioteca de soluções, onde estamos registrando esses aprendizados, que no próximo já podemos olhar o que fizemos. Mas devemos lembrar que, como o nosso sistema é fragmentado e cada um pode ter sua necessidade diferente, nós podemos ter nessa primeira fase outras discussões que tomam tempo. Mas estamos confiantes aqui que tem um avanço muito bacana.
E está no radar da Roche fazer outras parcerias nesse sentido?
Antonio Silva – Sim. Quando você olha os analistas estrangeiros, eles falam o seguinte: “os dados são o próximo blockbuster da indústria”. Ou seja, ter resultado baseado em dados e é isso que nós queremos. Nós olhamos para um prazo de dois anos e queremos que ao menos 15% do nosso resultado venha com dados. Você vai falar: “poxa, está sonhando muito alto”. Talvez. Mas nós sonhamos grande e começamos com pequenos projetos. Isso é um ponto importante também. O projeto com o A.C.Camargo tem um potencial altíssimo de ser escalonado a outros lugares.
Qual vai ser o papel dos dados no contexto da indústria farmacêutica e como a indústria e a Roche estão olhando para esse cenário?
Antonio Silva – Informação, dados e insights ajudam para uma melhor decisão médica, uma melhor decisão de saúde pública. Está tudo conectado. Se eu quero mudar uma política pública, eu preciso de dados. Eu posso ter opiniões, mas são os dados que vão gerar a discussão e trazer elementos. Por exemplo, se aquele grupo de pacientes vai ter mais benefício ou não, se eles têm resposta ou não etc. Isso também pode colaborar para compreender se terapias funcionam, se elas têm as respostas esperadas e podem acelerar o acesso ao paciente. Se a gente começa a ter dados gerando esses insights e melhores decisões médicas e políticas públicas, em um futuro nós vamos funcionar como um “Waze” da navegação do paciente, com mais investimentos em prevenção e menos em tratamentos, que consigamos fazer rastreio da população que precisa, por exemplo, fazer a mamografia no período certo etc. O potencial de usar dados para a melhoria da saúde pública, privada e individual ou coletiva é enorme. É aí que estamos apostando.
E onde estamos nesse momento, pensando em dados?
Antonio Silva – Bem no começo. Acho que temos ilhas de soluções e estamos em um pensamento isolado. Vemos que tem ilhas de conhecimento, ilhas de excelência em dados, o que não são muitos, mas precisamos reconhecer que tivemos avanços. É uma beleza ter um DATASUS. Podemos não valorizar e temos muito que melhorar, mas ter um sistema como o DATASUS – que foi feito pensando em reembolso – dá a perspectiva que ali dá para extrair e melhorar esse pensamento. Não tem país com esse nível de detalhe para 200 milhões de habitantes. Ter um Conecte SUS, onde qualquer pessoa consegue ver no seu celular a dose da vacina, onde recebeu dentre mais de 5 mil municípios, qual era a dose, qual era o lote, quem aplicou, é notável. Temos muito o que avançar e estamos longe, mas já temos a base e eu acho que temos essa disponibilidade em querer. Eu acho que é unânime falar “isso é importante”. Nós precisamos começar a discutir como avançamos, sem querer a Ferrari e o perfeccionismo, mas sim como avançamos com o que temos para ir melhorando o passo a passo do sistema, seja público ou privado.
Essa mudança do olhar da indústria em não pensar apenas no tratamento, mas também em modelos personalizáveis para fazer o melhor caminho tanto de acesso quanto no sentido da indústria, do mercado privado e do público, é um novo olhar, não é?
Antonio Silva – Sim. Antigamente, quando você fazia alguns estudos, você pensava em populações gerais. Hoje, cada dia mais nós estamos pensando no que alguns chamam de medicina personalizada, outros de medicina de precisão. Trata-se de buscar o tratamento correto para aquele grupo específico de pacientes. E para isso nós precisamos muito de dados, o que avançamos bem. E na parte diagnóstica, como eu chego nesse diagnóstico, é preciso dar mais acesso, porque esse é um processo genômico, e quanto mais pessoas tiverem acesso a isso, o que temos trabalhado buscando alternativas, vai ser o segundo passo para que tenhamos a medicina personalizada ou de precisão funcionando cada dia melhor. Esse é o caminho que acreditamos que seja o futuro da medicina. Os dados vão nos ajudar muito a chegar nessa personalização do uso das terapias.
A indústria está indo para um caminho mais personalizado, às vezes até olhando mais especificamente para doenças raras, para uma mutação específica. É um caminho natural?
Antonio Silva – Eu acredito que sim. Acho que toda a indústria vai continuar buscando qual é a necessidade não atendida para a população geral. Por exemplo, nós estávamos apostando e investindo no desenvolvimento de uma molécula para Alzheimer, que é uma necessidade não atendida.
Ajudaria muita gente.
Antonio Silva – Sim. Demência, Alzheimer são patologias que ainda têm um espaço para inovação. Infelizmente, não deu certo. E esse é o papel da indústria: apostar, buscar a melhor evidência e às vezes essa evidência não funciona. Nós não desistimos, continuamos buscando alternativas para essas doenças e onde vemos que aquela necessidade ainda não está atendida. Então, vemos muito investimento em terapia gênica, que pode mudar completamente o desfecho dos pacientes. Nós vemos as doenças raras – e não é porque elas são raras que não há um sofrimento com isso -, cânceres que hoje são curáveis e outros que ainda não são… e a ciência vai descobrindo marcadores, biomarcadores, outras terapias mais específicas, porque estamos buscando como melhorar a vida de quem sofre com a doença. Nós tivemos sucesso ao longo dos anos com várias terapias e hoje elas são curativas. Entre priorizar essas que já curaram ou outras doenças que têm uma brecha é onde está todo mundo investindo.
Dentro de toda essa transformação da indústria, a Roche até mesmo “extinguiu” a figura do representante comercial. O quanto isso transforma o negócio e como isso conversa com tudo o que você nos trouxe aqui?
Antonio Silva – Assim, nós temos um modelo de negócio pensando em jornada, então tivemos também que pensar como sair do tradicional. Não que nós não acreditemos no modelo anterior, até porque ele nos trouxe até aqui. Mas para dar esse próximo passo, pensando em jornada, em que queremos gerar acesso às terapias e gerar impacto para sociedade, nós também olhamos e pensamos “poxa, nós precisamos buscar mais empreendedorismo, mais criatividade em coisas diferentes”. Nós convidamos todas as nossas pessoas a pensarem um pouco diferente, onde nós também usamos muito o que chamamos de “Customer Centricity”. Há 10 anos nós falamos “temos que ter foco no cliente”. Fizemos muita pesquisa para perguntar o que seria adicionar valor ao cliente do ecossistema, seja o médico, o hospital, o pagador, a autoridade… e todo mundo opinou de uma forma onde construímos esse novo modelo: um modelo que pensa em empreendedorismo, em ser criativo, em co-criação e em buscar essa visão integral de como contribuo na jornada, não só na terapia.
No passado, quando olhávamos para o Brasil, a indústria sempre dizia que aqui havia uma demora muito grande no avanço das terapias, uma dificuldade de trazer pesquisa. Com essas duas décadas de experiência na indústria, você tem visto mudança nesse sentido? Nós estamos mais rápidos?
Antonio Silva – Assim, eu amo meu país, acho que temos um sistema de saúde e acho que melhoramos. Se você olhar o que havia lá atrás, comparado com hoje, você vê que nós avançamos muito. Estamos no ideal? Não. Podemos avançar? Sim. Então, em relação às pesquisas, hoje nós conseguimos ser competitivos. Geralmente nas nossas casas multinacionais, os estudos são multicêntricos. Quando se abre um estudo falando com um grupo específico de pacientes, antigamente nós mal conseguíamos colocar o Brasil no radar, porque os outros países tinham mais agilidade regulatória para aprovação. Hoje isso acabou. Hoje nós conseguimos ser competitivos. Nós temos mais ou menos 1.300 pacientes envolvidos em estudos multicêntricos. Além disso, infelizmente com a guerra da Rússia e Ucrânia, que eram dois centros também que tinham muita participação de pacientes nos estudos clínicos e fecharam, para não parar os estudos, o convite foi para que o Brasil cobrisse esses pacientes. Nós, de forma ágil, conseguimos cobrir com a ajuda da agência regulatória, com os hospitais e pesquisadores. Quando olhamos para a incorporação de tecnologias, temos avanços. É perfeito? Não é. Mas uma agência como a CONITEC, que dá clareza, discute limiar… assim, podemos discutir se é o ideal ou não, mas nós saímos daquela incerteza para ter mais certezas. Eu vejo um movimento muito positivo de todas as tecnologias. A nossa indústria, em geral, tem feito submissões à CONITEC, a qual tem avaliado de forma transparente e dado voz às consultas públicas, incluindo o paciente. Existem avanços.
Mas a CONITEC recebe muitas críticas.
Antonio Silva – O que nós temos visto é transparência às decisões técnicas. Provavelmente existem ajustes a serem feitos, mas avançamos e temos um caminho. Podemos dizer que se continuarmos com esse movimento, vamos ser referência para outros países abraçarem isso.
Há uma pauta que permeia relacionada à indústria farmacêutica que tem a ver com o custo. Recentemente participei de um debate em que foi discutido, junto com um grupo de pacientes, o que a indústria pode fazer em termos de baixar custos e fazer com que os medicamentos tenham preços mais acessíveis para a população. Como está esse cenário?
Antonio Silva – Esse é um dos temas mais caloroso quando discutimos em qualquer fórum. Eu acho que há um foco grande no contexto do valor, onde o valor é A + B + C e o preço faz parte do componente do valor. O que nós olhamos em geral é: “Qual é o benefício? O que nós estamos adicionando valor tanto para o paciente quanto para a sociedade?”. E isso reflete no preço. Por exemplo, se a pessoa tinha que ir ao centro receber X transfusões mensais e isso não vai acontecer mais, se eu vou proporcionar que uma pessoa se ressocialize e consiga entrar na sua vida produtiva etc. Há vários outros pontos que nós queremos transformar em valor e não na discussão de preço. Mas entendemos que esse é um tema que sempre vai estar na mesa, porque os sistemas estão sobrecarregados, não são sustentáveis. Se conseguimos fazer um grande chamado a olhar e tratar só realmente quem precisa, acho que esse é um primeiro ponto. Tratar aquele que necessita, diminuindo as ineficiências do sistema. Quando eu falo de ineficiência, não estou falando de desperdício, mas sim de fazer com que o paciente chegue no momento certo, ou seja, que ele não chegue em uma fase mais avançada após o diagnóstico. Assim, nós já conseguimos prover acesso para que ele não tenha deterioração da sua saúde. Esse custo que é indireto, que o sistema não vê e que para nós quando olhamos, fazemos todos os cálculos e acaba não entrando nessa conta, acho que é um passo importante que temos que dar para que todos tenham clareza do que estamos falando. É por isso que se criam os novos modelos. A discussão é “poxa, será que esse medicamento mais caro do mundo vai trazer benefício?”. É preciso sentar, sair dessa discussão e ver qual é realmente o benefício. Se o benefício são 3 anos ou mais, se eu consegui a cura para alguém, se isso teve um impacto… talvez ele não seja o mais caro do mundo.
E como mudar essa mentalidade das pessoas?
Antonio Silva – Vai ser com dados, com novos modelos, com essa geração de confiança. Eu não gosto de usar o termo “compartilhamento de risco”, mas são novos modelos para que avalie se isso está funcionando naquela população específica ou não. Em um ambiente controlado de estudo clínico, quando discutimos com as autoridades ou pagadores, eles falam “ah, mas aquilo é um ambiente controlado”. Nós temos que traduzir e garantir que isso funcione em vida real. Acho que gerar esses espaços – e temos visto que tem acontecido – é um passo importante para chegarmos e diminuirmos essa tensão sem olhar o benefício e o valor que ele está trazendo. Não tem solução fácil, mas há conversas que são necessárias.
Caminhando para o final da nossa conversa, eu queria a sua visão sobre os caminhos da Roche para 2023 e uma análise sobre os caminhos do Brasil. O que o Brasil precisa fazer como país tanto no mercado privado como no setor público para avançarmos nessas questões?
Antonio Silva – Na Roche, como empresa de inovação, teremos alguns lançamentos em áreas que já atuamos e em áreas terapêuticas que estamos entrando, sempre com esse olhar de “como eu construo, como eu olho e gero ciência, tecnologia e dados para dar o acesso mais rápido etc”. Estamos totalmente focados em conseguir projetos que sejam “triple win” e que também estejam focados em moldar o ecossistema. Temos projetos em ter dados de interoperabilidade entre assistência primária e secundária para que as pacientes com câncer de mama consigam ter uma preferência seja na biópsia, seja nas suspeitas. Temos um projeto no sul de Minas com isso e aqui em Cotia, com parceiros. Nós nunca estamos sozinhos, porque sozinhos nós sabemos que não vamos conseguir. Temos um projeto de mobilidade, porque vemos que quando a mulher com câncer de mama, por exemplo, sai da assistência secundária para ir para a especializada terciária, muitas vezes está longe do seu centro. Então estamos com parcerias, por exemplo, com empresas de mobilidade para fazer esse transporte. Terapia em casa para pessoas da comunidade, por exemplo. Estamos olhando para esse pilar de serviços. Nós queremos mais modelos, mais gente discutindo e assim conseguindo nutrir, avançar e melhorar o que temos. É um ano focado em mudar o ecossistema, buscar os “triple wins” e desenvolver nossos talentos para que as nossas pessoas sejam cada vez mais empreendedoras, cada vez mais buscando o nosso propósito, coisas diferentes e tendo essa abertura para a colaboração.
E agora, a pergunta que eu faço para todos os meus convidados: quais pautas nós temos que ficar de olho na saúde em 2023?
Antonio Silva – Eu acho que a grande discussão é sobre o que foi feito bem que devemos continuar, o que não foi feito e devemos começar e aquilo que devemos parar. Nós escutamos muito que no próximo governo temos a grande oportunidade de reativar o complexo industrial da saúde e fazer diferente, não só repaginar, porque aí podemos trazer inovação, ciência e tecnologia muito forte para Brasil, para tratar doenças específicas. Devemos fortalecer a CONITEC. O radar também vai no sentido de como fortalecemos a questão de financiamento em saúde. Vai ser um ano desafiador, mas que a saúde entre em pauta para pelo menos olharmos e definirmos de forma clara quais são as prioridades que queremos mover em 2023. Não vai ter dinheiro para tudo, nós sabemos. Mas é importante isso se definir e quanto mais envolver a sociedade civil e os atores, é uma grande pauta. Em saúde, infelizmente, nós somos complacentes. E isso não depende do governo, depende de nós como cidadãos. Nós podemos ter uma atuação muito forte nisso, porque é cômodo às vezes aceitarmos que para alguém ter uma consulta, ela precisa chegar 4 horas da manhã no posto de saúde. Nós somos complacentes quando se fala que uma cirurgia demora 6 meses, 8 meses, um ano. Se a saúde é prioridade, como discutimos e debatemos isso para que essa complacência não fique tão marcada na nossa vida dia a dia?
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.