Antonio Buzaid, diretor médico do Centro Oncológico da BP: “Nutrição deveria ser prioridade para o combate ao câncer”

Antonio Buzaid, diretor médico do Centro Oncológico da BP: “Nutrição deveria ser prioridade para o combate ao câncer”

O Futuro Talks dessa semana recebe Antonio Buzaid, oncologista, diretor […]

By Published On: 10/04/2023
Antonio Buzaid Futuro Talks

O Futuro Talks dessa semana recebe Antonio Buzaid, oncologista, diretor médico do Centro Oncológico da BP – A Beneficência Portuguesa e cofundador do Instituto Vencer o Câncer, para debater os desafios e tendências da oncologia no Brasil. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA) são esperados mais de 704 mil novos casos de câncer no Brasil entre 2023 e 2025, o que por si só já demonstra uma forte preocupação de saúde pública no país. Contudo, com a precarização dos hábitos físicos e alimentares de boa parte da sociedade, aliado ao envelhecimento populacional, o panorama tende a se agravar se nada for feito. 

Para Buzaid, a nutrição é um tema que deveria ser tratado como prioridade pelos governos, que deveria encarar isso como um investimento para médio e longo prazo – afinal, ao melhorar a alimentação da população, que tem uma forte correlação com casos da doença, se evitaria problemas de saúde no futuro e uma consequente pressão nos sistemas de saúde. Neste sentido, o oncologista também acredita que campanhas de conscientização nas escolas e nos meios de comunicação, além de um olhar sobre cobrança de impostos sobre produtos nocivos à saúde – e redução para aqueles que são benéficos – deveriam estar na pauta prioritária também.

Ao longo da conversa, Buzaid ainda abordou o avanço nas terapias, que hoje vão além da cirurgia, radioterapia e quimioterapia para englobar também imunoterapia, hormonioterapia e terapia celular, destacou o papel de vacinas, como a de HPV, que tem potencial para erradicar alguns tipos de cânceres em algumas décadas e comentou a importância da relação médico-paciente.

Segundo o INCA, são esperados 704 mil novos casos de câncer no Brasil para o triênio 2023-2025. Há aumento da incidência do câncer no Brasil e no mundo. Por que isso está acontecendo?

Antonio Buzaid – Com certeza são os hábitos de vida que estão influenciando. E quando eu falo hábitos de vida e fatores ambientais, eu estou me referindo à alimentação, poluição e estilo de vida. Nós estamos criando o próprio problema e vamos fazer, em 5 anos, o câncer ser a causa de morte número 1, provavelmente, no mundo todo. No Brasil, em 5 anos, com certeza. Já há várias cidades do Brasil que câncer já é a causa número 1 de morte. A cardiovascular, que hoje é o número 1, está reduzindo. Nós colocamos stents, damos remédios para abaixar colesterol, educamos a população a fazer mais atividade física e começa a cair a cardiovascular. Só que câncer, nós estamos criando o próprio problema.

Quando você diz criando…

Antonio Buzaid – Vamos falar de nutrição, por exemplo. Há 300 anos, não existia açúcar refinado, não se comia as coisas doces como a gente come hoje, não tinha sucos em geral. Nós pegávamos as coisas da natureza. Então o arroz integral, ele não era modificado quase. Fomos “estragando”. Quando um paciente me pergunta: “Buzaid, qual é a dieta ideal?” Eu falo que é a dieta divina. O que Deus criou deixo você comer, o que Deus não criou está cortado. Por exemplo, Deus não criou o pão francês. Deus criou frutas e vegetais. Não existe árvore de quindins. O que está na natureza, em geral, é fantástico, aí nós inventamos as coisas. Lógico que é gostoso. Mas estamos criando o próprio problema. E o exemplo máximo que eu vejo é, por exemplo, o aumento de câncer de mama em mulheres jovens. Um dos fatores é a chamada dieta inflamatória na adolescência. Refrigerantes, doces em excesso, muito carboidrato…isso aumenta o risco de câncer de mama em jovens. Essas mulheres vêm no consultório hoje falando “Buzaid, eu como saudável”. Eu respondo: “Você come saudável nos últimos 5 anos, olha nos últimos 10-15 para ver como era”. Só que o dano já ocorreu. O mesmo vale para o fumante ou para tomar Sol.

Faz muito sentido tudo isso, mas na prática é um pouco difícil seguir. Existem níveis seguros, por exemplo, do quindim que não nasce na árvore e do refrigerante?

Antonio Buzaid – Eu não tenho dúvida que não é fácil. Teoricamente, a dieta mais saudável do mundo é a do Mediterrâneo, que não tem nada disso. Lá as pessoas moram em ilhas, pescam, colhem o que plantam. Longevidade fantástica. Em um estudo recente avaliando qual é a melhor dieta para imunoterapia, a do Mediterrâneo foi fantástica. A dieta rica em fibras também vai bem. Já a dieta rica em carboidrato livre, carne vermelha e carne processada foi péssimo. Imagine, eu reduzo a chance de cura de alguém com imunoterapia, porque ele come porcaria. O ponto é que a população esquece que essas decisões na alimentação impactam. E por que que impacta? Porque muda a flora intestinal e a flora – que hoje é chamada de microbioma intestinal – estimula o sistema imune. O microbioma é tão forte no sistema imune, que se uma pessoa toma antibiótico antes de tomar imunoterapia, já reduz as chances de cura. A gente não deixa de jeito nenhum.

Porque o antibiótico mata também as bactérias boas…

Antonio Buzaid – Mata bactérias boas e estraga o sistema imune. Quando eu trato pacientes e está sob meu comando, a primeira frase que eu falo é: “Eu sou o piloto do avião, ninguém mexe no painel, ninguém prescreve nada sem o meu ok”. Parece arrogante, mas com um avião no ar, se alguém mexer no painel, o avião cai. Então, em pacientes que têm 2 ou 3 médicos é muito comum um prescrever antibiótico, outro dar remédio que tira a acidez do estômago. Se tira a acidez do estômago, mexe com o microbioma, estraga o sistema imune. Nós temos que atentar à nutrição.

O microbioma está ligado a uma incidência maior em câncer de intestino, mas também em outros, certo?

Antonio Buzaid – Sim, de tudo, porque a dieta mexe com microbioma e com o sistema imune. Claramente tem a ver, inclusive com doenças não oncológicas, como retocolite ulcerativa, Doença de Crohn. Não é raro pessoas que falam que têm gases demais e, quando você estuda o microbioma dessas pessoas – hoje tem técnica para fazer isso – vê que as bactérias estão todas erradas. A gente sabe quais bactérias são saudáveis e quais não são. É possível, com a educação alimentar adequada, inclusive modificar favoravelmente. A população precisa entender esse aspecto e governantes também. Porque escolas públicas servem dietas muito ruins, e isso aumenta doenças na população.

Onde eu investiria eu fosse imperador do Brasil? Primeira coisa: nutrição em escola. Só nutrição divina, só o que Deus deu, só o que Deus provê para nós. Tem que ter saladas, frutas. E não jogar porcaria que é barata, fácil de dar, mas a gente paga o preço depois. A conta sempre vai ser checada depois. É igual tomar Sol sem protetor. É uma beleza, mas pode escrever: em 20, 30 anos, vai ter câncer de pele.

Qual o impacto da atividade física nesse contexto de prevenção? Tem o mesmo peso da dieta?

Antonio Buzaid – Ele tem, por que mantém o sistema imune mais ativo, reduz a obesidade, que também está associado a vários tipos de câncer. Nós criamos o sedentarismo e pagamos a conta também. Então, a nutrição e a atividade física são elementos que, se a gente incorporar na população precocemente, vão reduzir o risco de câncer no futuro, sem sombra de dúvida, e isso tem que começar nas escolas. Eles fazem atividade física, mas a nutrição não é apropriada. Vou dar um exemplo: não tenho dúvida que vai ter salsicha numa escola por aí, com molho. Salsicha é uma carne processada diretamente associada ao risco de câncer colorretal, inequívoca correlação. Ela é considerada de categoria 1 pela Organização Mundial da Saúde, como é o fumo em relação ao câncer de pulmão.

De tudo isso que você está trazendo, a questão de longo prazo, de que uma ação agora vai ter impacto lá na frente, é fundamental. Como colocar isso na cabeça das pessoas?

Antonio Buzaid – Eu acho que a melhor maneira é através dos governos. Quando você educa uma criança a comer saudável, ela passa a ter o hábito de comer saudável. Dou um exemplo. Na minha casa não tem refrigerante, mas tem frutas. E as crianças comem o que tem. Se não tiver comida prejudicial, ninguém vai comer. Esse hábito força o conceito de dieta saudável e força também a entender que se ele come saudável, ele vai ficar saudável por mais tempo, menor risco de doenças, de problemas. Claramente funciona. Meus filhos vão em festa, não tomam refrigerante, tomam água. É o hábito. Há exceções, mas o ponto é que eles foram educados para saber que algo não é bom, que aquele carboidrato livre não é bem-vindo, ele inflama o corpo e que inflamar, aumenta o risco de doenças. Esse conceito é que a população precisa receber, e eu acho que isso tem que vir dos governos. Na escola do meu filho, que é uma das escolas inglesas no Brasil, a dieta era péssima. Aí a Inglaterra lançou um programa de dieta saudável nas escolas e todas as escolas inglesas do mundo foram permeadas por essa política, inclusive a que meus filhos estavam. E foi fantástico, finalmente alguém trouxe bom senso aqui dentro, porque tinha de tudo. Vale a pena a gente arriscar por esse prazer? Essa é a pergunta que cada um vai fazer para si, mas eu acho que ficar saudável é melhor. Acho que a gente consegue outros prazeres da vida mantendo boa saúde.

Em que pé que está essa visão do nosso governo em relação a isso?

Antonio Buzaid – Eles não veem isso como um investimento, porque a dieta, óbvio, que é servida nas escolas públicas, em geral, é uma dieta barata. Mas eu acho que alguém tem que se sentar à mesa e fazer a matemática direito, porque uma geração depois, a gente vai diminuir doenças e o gasto público. Falta essa visão de médio e longo prazo. Nem é só longo, é médio mesmo. Precisa ter um ministro da saúde que fale “vamos arrumar isso”.

Cobrindo oncologia há muito tempo, sempre ouvi dos médicos a importância do diagnóstico precoce. Hoje dá para dizer que existem sinais ou coisas que ela pode fazer no sentido de procurar o médico, como uma perda de peso, por exemplo?

Antonio Buzaid – É que a perda de peso está mais associada a um câncer mais avançado. Se a pessoa perder o peso, em geral, é porque a doença é mais grave. Mas, vamos colocar algumas regras gerais. Vamos falar dos exames de rastreamento.

Por que rastrear? Achar bandido pequeno é muito melhor do que achar bandido grande, onde as chances de cura vão ser seriamente abaladas.

No câncer de mama, por exemplo, a mamografia na mulher é feita para pegar um câncer pequeno, porque quanto menor o câncer, maior a taxa de cura. Um tumor de 10 mm tem cerca de 90% de chance de cura, enquanto em um tumor de 50 mm já cai bastante. Então, como conceito, bandido pequeno é melhor que bandido grande. Isso vale para todos os cânceres curáveis, sem exceção. A colonoscopia é o único exame de rastreamento que não é para pegar câncer pequeno, é para pegar um pré-câncer, o pólipo. 99% dos cânceres de intestino nascem no pólipo. Então, se eu pego um pólipo, que é um pré-câncer, retiro e evito que a pessoa desenvolva um câncer de intestino grosso. Ninguém gosta de fazer colonoscopia, mas faz um sentido absurdo. E se eu pegar um pólipo, descubro que sou um formador de pólipo e vou fazer com mais frequência.

Qual frequência?

Antonio Buzaid – Se não tem pólipo, eu posso fazer até em 10 anos, se tiver pólipo – chamado displasia de baixo grau – 3 anos depois está adequado. Displasia de alto grau, em geral, um a 2 anos repete. E é importante a pessoa não esquecer desse componente. Muita gente que tem tudo para ir bem, não faz porque o exame é chato, e ele é mesmo primitivo, mas hoje ainda é a melhor opção. Melhor do que ter câncer de intestino grosso. A população deve incutir o conhecimento do que é importante no rastreamento. Temos o PSA também para o câncer de mama do homem. Obviamente, o ginecológico, o câncer do colo do útero, o Papanicolau. E no Brasil, certas áreas, como o Nordeste, o câncer do colo do útero é de alta prevalência. E aí entra a tal da vacina para HPV. Se todo mundo fosse vacinado no Brasil, logo nos 13 anos de idade, provavelmente sumiria. Não existiria mais câncer de colo de útero, de vulva, de pênis e de orofaringe. Simplesmente seria extinto da humanidade.

Ainda tem que convencer as pessoas a tomarem a vacina, não é?

Antonio Buzaid – Exato, nem me fala, porque aí eu fico até bravo.

E o câncer de pulmão, tem rastreio?

Antonio Buzaid – Tem. Para fumantes de carga tabágica moderada ou elevada, deve-se fazer uma tomografia de tórax anualmente. Também cai na categoria da mamografia, é para pegar câncer de pulmão pequeno. E pega mesmo, inclusive esses casos detectados pela tomografia cura mais de 90%. A Ana Maria Braga mesmo teve vários cânceres de pulmão, ela já falou isso no programa dela. Eu peguei todos com tomografia anual e ela é disciplinada.

Antes algumas pessoas encaravam o câncer como uma sentença de morte. Hoje, com o avanço nos tratamentos, mudou essa relação do paciente que recebe, por exemplo, um diagnóstico de metástase?

Antonio Buzaid – Mudou, mas a metástase sempre é grave. Tem casos de metástase que nós curamos. Conseguimos curar, por exemplo, um melanoma metastático com imunoterapia. Uma parcela, não é 100%, mas bem mais alta do que era antes. Conseguimos curar também uma parcela de pacientes com câncer de pulmão metastático, câncer de rim, com imunoterapia. A imunoterapia cura cânceres e é a modalidade que mais consegue curar e erradicar.

E curar significa…

Antonio Buzaid – Erradicar. Eu dei alta agora para um rapaz que foi me ver com 30 e poucos anos de idade. Agora ele está há 8 anos sem melanoma metastático e dei alta para ele. Ele chorou, óbvio, um grandalhão, está com 40 e poucos anos. Falei “querido, você não precisa me ver mais. Espero nunca mais vê-lo como oncologista. Vejo você por aí, no shopping, mas não como paciente. Você está de alta da oncologia, suas chances de cura excedem 99%. Você está 8 anos bem”. E a imunoterapia já havia sido parada há 6 anos. Ela é dada quando está indo bem, no máximo por 2 anos. A gente cura muita gente hoje que nunca curava antes.

Mas só uma parcela.

Antonio Buzaid – É uma parcela. Ainda tem cânceres, por exemplo, câncer de mama. Talvez seja possível curar o HER2 positivo. Mas quando ele é avançado é muito difícil curar, é mais controle. Controla por muito tempo, às vezes, dependendo do subtipo. Mas a irradicação muito mais difícil.

Aquela ideia de câncer como doença crônica, ela faz sentido?

Antonio Buzaid – Ela faz em alguns subtipos, mas não em todos. Há cânceres que você consegue controlar por muito tempo, com ótima qualidade de vida. Se você entrar no site do Instituto Vencer o Câncer, tem uma paciente minha que nós começamos a tratá-la em 2015, ela está agora há 8 anos. E depois de 4 anos e pouco com o primeiro tratamento, aí a doença escapou. Ela veio já com metástase no fígado. E aí tive que mudar mesmo assim para um tratamento ainda bem brando, com boa qualidade de vida para ela. Então, a gente consegue ir tocando e eu tenho mais um milhão de armas para ela. Ela sabe que não é o fim do mundo, que é possível rever as armas. E isso é uma postura que nem todo mundo tem.

A ciência evoluiu muito e novos tratamentos estão surgindo. Fizemos até recentemente uma matéria que falava sobre a combinação de tratamentos. Para onde estamos indo? Vai ter vacina contra o câncer de mama?

Antonio Buzaid – Vamos falar das armas. Um é a cirurgia, a mais antiga de todas. Melhoraram as tecnologias, ficou menos mutilante. A radioterapia ficou muito mais sofisticada, mas certamente usada na rotina no dia a dia. A quimioterapia é da década de 40 e pouco. Com o gás mostarda, quando na Segunda Guerra Mundial foi observado essas aplasias dos linfócitos. Em uma década, por volta de 1950 e pouco começou a quimioterapia. As três estratégias permanecem. Imunoterapia não é nova, é que não se sabia o que era imunoterapia quando o William Coley começou a produzir aquelas infecções na pele em cima dos tumores e observou que, quem desenvolveu essas infecções, algumas pessoas se curaram. E na realidade, quando você tem uma infecção, há um grande estímulo no sistema imune. Isso provavelmente resultou na cura de pacientes, mas ele não sabia o que estava acontecendo, ele só observou o fenômeno.

Mas hoje a imunoterapia está bem mais moderna, certo?

Antonio Buzaid – Hoje nós temos imunoterapia bem moderna, muito mais eficaz. Imunoterapia, a meu ver, é a modalidade que mais vai levar a cura. Por quê?

Todos os cânceres, sem exceção, têm uma característica comum: eles existem porque escaparam ao sistema imune, ponto final.

Não tem o que inventar. Então, se eu desenvolvo um câncer de pâncreas, é porque essas células não foram vistas pelo sistema imune ou o sistema imune viu, mas não conseguiu destruir, e aí o tumor aparece. Isso vale para qualquer câncer, sem exceção. Por isso que transplantados de órgãos como rim etc. tem muito mais câncer do que outros, porque o sistema imune deles é suprimido para não rejeitar o órgão. Nós estamos aprendendo como o câncer escapa do ataque do sistema imune. Um dos mecanismos é produzir substâncias que paralisam os soldados do sistema imune. Então o soldado vem atacar, é como se jogasse um gás paralisante e o soldado paralisa e o câncer continua crescendo. Então essa é uma área muito importante.

Há também a terapia-alvo.

Antonio Buzaid – Sim, há a terapia alvo. Nós estudamos também os genes do tumor, porque a célula cancerosa tem 2 grandes características: proliferar sem parar, sem freio, ela é imortal, na realidade. Se você mantiver oxigênio e nutrientes, a célula cancerosa nunca morre, ela é eterna. Dois: capacidade de dar metástase. Essa é a definição de câncer: uma proliferação anormal, não controlada e que tem a capacidade de se espalhar. E como é que elas ficam proliferando assim? Através dos genes que estão alterados. Então, eu tento entender os genes, que funcionam como um motor, para tentar frear o bandido. Tudo bem, vai bem, só que normalmente elas não conseguem matar 100%. Freiam por um tempo, mas o bandido acha caminhos alternativos. É como se eu soubesse que os bandidos estão pela marginal, encho de policial na marginal e eles saem pelas ruas do lado. Pode demorar um pouco, posso atrasar o bandido, mas não vou eliminá-lo. Então essa é a terapia-alvo, modalidade hiper importante.

E há as combinações também.

Antonio Buzaid – Eu posso misturar coisas: quimio com imunoterapia, terapia alvo com imunoterapia. Tudo isso é usado em certos contextos clínicos. Na terapia-alvo nós temos uma modalidade nova, que são os anticorpos conjugados a droga, com avanços fantásticos. O que é isso? Você cria uma molécula que se liga à célula cancerosa, e ela leva um veneno com ela e libera o veneno dentro da célula cancerosa. Só que esses novos anticorpos conjugados a droga – que é uma forma de terapia-alvo – além de matar o bandido que tem o alvo, pega o bandido do lado. Então, eles ficaram muito mais eficazes. Saíram remédios novos que alteram a história do paciente. Há casos de pacientes morrendo, a gente usa um desses, e o paciente sai andando. Eu vi uma senhora que, 4 meses atrás, estava na cadeira de roda, mal se mexia morrendo de dor, tinha semanas de vida. Entrou um dos remédios novos que nós recomendamos e a mulher vem me encontrar andando. Fantástico o efeito. Então essas moléculas mudam, eu não vou curá-la, mas eu consigo certamente prolongar a vida. Eu mitiguei o sofrimento, melhorei a qualidade de vida da paciente, o que é bastante recompensador. E tem hormonioterapia.

Como funciona a hormonioterapia?

Antonio Buzaid – A hormonioterapia é bem antiga, a primeira publicação é de 1896. Foi um cirurgião do exército inglês, que retirou o ovário de mulher com câncer de mama jovem e o câncer regrediu por um tempo. Foi o primeiro relato de hormonioterapia. Se suspeitava que o ovário produzia alguma coisa que mantinha o câncer crescendo. Isso é usado até hoje. Nós temos hormonioterapias mais chiques, mas o conceito é absolutamente o mesmo. E na década de 40, se reportou que a testosterona estimulava o câncer de próstata, aí foi feita a castração no homem, quando o câncer é avançado. A gente não faz cirúrgico quase hoje, mas é igualzinho: usamos remédios que fazem a mesma estratégia. Então, essas modalidades todas são usadas na oncologia, e a gente dá uma misturada. Mas na imuno tem uma coisa nova, essa é bem nova, está para começar no Brasil agora de uma maneira mais intensa. É a terapia celular. Ela não é nova totalmente, mas esse tipo é. Por volta de 1988, se publicou pela primeira vez que se eu extraísse do tumor as células imunes que estavam dentro dele, mas não conseguiam matá-lo, expandisse no laboratório e desse de volta em grande quantidade, conseguia matar o câncer. Não 100% dos casos, mas curava, em melanoma, uns 25% dos casos, quando na época não tinha quase nada que fazia isso. Hoje a gente tem cura muito mais altas, com a imuno comum. Hoje, esse chamado TILL (tumor infiltrating lymphocytes) está para aprovar nos Estados Unidos, ainda não aprovou, mas vai – a estratégia é muito antiga ela foi melhorada.

Mas é personalizado?

Antonio Buzaid – Personalizado. Tem que tirar o tumor da pessoa, isolar e ainda quando isola, isola os melhores soldados. Tem agora uma nova modalidade chamado CAR-T. Todo mundo já ouviu, saiu muita matéria sobre isso. E “CAR” significa chimeric antigen receptor, que é um receptor que é colocado com um vírus dentro do soldado do linfócito- T, que é o soldado do sistema imune. E esse vírus faz produzir na superfície do linfócito esse receptor que reconhece um alvo na célula cancerosa. Não funciona para todos os cânceres, tem que ter um alvo específico, mas em leucemia aguda, em linfoide, em mieloma, em certos tipos de linfoma, ele claramente funciona. É um tratamento único, você faz uma vez só, absurdamente caro, algo como USD 500.000 nos Estados Unidos. No Brasil tem essa briga de quanto vai custar, mas ele cura também uma fração quando a quimio já falhou, por exemplo.

Então, na imunoterapia, além das moléculas que nós usamos, tem agora a terapia celular crescendo cada vez mais e óbvio, misturar os dois: os remédios que manipulam o sistema imune e a terapia celular.

E vacina? Porque muito se fala que com esses avanços da Covid e a tecnologia de RNA mensageiro, isso poderia ajudar no desenvolvimento de vacinas para o câncer. É difícil?

Antonio Buzaid – Não é. Mas não é vacina para evitar câncer, como a gente faz com infecções, é para ajudar a tratar o câncer. Isso não é novo, eu mesmo, quando estava na universidade Yale, em 1988, participei de um programa de vacina. Qual é a ideia? É o mesmo que você pegar a roupa do bandido, mostrar para o cachorro, “pega, acha, mata!”. A vacina é desenhada para chamar o sistema imune, mostrar como é o bandido, para o sistema imune achar e matar. Só que antes a gente pensava que isso era simples, só que a gente esqueceu que, no lugar onde está o tumor, o tumor produz substâncias que paralisam o sistema imune, ele tem técnicas de camuflagem.

Ele bagunça o sistema imune.

Antonio Buzaid – Exatamente, a gente não sabia disso. Em 1988, a gente achava que bastava estimular o sistema imune e achar e matar. Mas hoje, com as técnicas de RNA mensageiro usadas nas vacinas de Covid, a mesma estratégia está sendo agora estendida ao câncer. Como funciona isso? Você pega o RNA mensageiro que faz produzir uma proteína. Essa proteína faz o sistema imune ser estimulado e ver o bandido. Mas ela sozinha com certeza não vai fazer nada, mas em combinação com as drogas que estimulam o sistema imune pode ser realmente interessante. Estudos estão em andamento, ainda não vi nenhum promissor, mas a ideia é antiga, só que agora com tecnologia muito mais sofisticada.

Queria entrar um pouco na questão da relação médico-paciente. Como está hoje essa relação médico-paciente e como está a vida do oncologista nesse mundo mais tecnológico?

Antonio Buzaid – Relação médico-paciente é provavelmente uma das partes mais importantes da medicina. Senão bastaria entrar alguma forma de inteligência e algoritmo e para resolver os problemas sem falar com o médico. Mas é incrível como a conversa é que vai desvendando as coisas. Por isso eu não acredito que a inteligência artificial vai, com tanta facilidade assim, substituir o profissional. Exemplo: entra em um consultório uma moça toda esculpida de atividade física, com 60 e poucos anos. Primeira coisa que vai pensar: reposição hormonal, quase com certeza, em doses elevadas e impróprias. Por isso ela tem cara de 40 com 61 anos de idade. E o computador não sei se ia conseguir pegar isso na primeira. Hoje, na reunião multidisciplinar, apresentaram uma mulher parecida, muito musculosa. E a mulher desenvolveu um câncer de mama, estava fazendo essas reposições com os implantes. O primeiro oncologista que viu não percebeu, deu hormonioterapia convencional, sem saber que ela fazia a reposição. Só que o que ele fez não funcionaria de jeito nenhum em quem está com o hormônio vindo dos implantes. E ela tinha colocado implante há 1 ano e meio, quase 2, mas quando foram medidos hormônios, estavam absurdamente altos. O colega errou porque não percebeu e o biotipo dela indicava. Então, só para exemplificar, como que um computador conseguiria com tanta facilidade perceber isso, entendeu? A pergunta tem que ser formulada, e essas impressões resultam no estímulo da pergunta. Eu não acho que a gente vai ser substituído tão rapidamente assim. Algoritmos ajudam.

Os algoritmos ajudam a dar uma ideia de caminhos?

Antonio Buzaid – Exato, mas essas percepções não mostram de jeito nenhum. Aí precisa de treinamento. Os nossos residentes observam, não erram nunca mais, quando veem esses casos de mulheres com 65 anos e cara de 45. “Buzaid, provavelmente está em reposição”. E isso tudo é importante, porque impacta absurdamente no tratamento. Eu acho que algoritmos, inteligência artificial, ajudam o médico. O Google, mesmo, a ferramenta, eu entro todo dia na consulta, eu entro para mostrar para os residentes alguma coisa, um paper etc. Mas ele não conseguiria substituir com tanta facilidade. Ademais, a relação médico paciente, ela se fundamenta na confiança. A pessoa tem que confiar, igual a gente tem que confiar no piloto avião quando a gente entra na aeronave.

Na medicina é mais sério ainda: o paciente ou ele confia, ou é melhor mudar de profissional. Se ele não está confortável, tem que mudar.

Tem que estar confortável que aquele médico está fazendo o que ele julga melhor, no melhor interesse dele de fato, senão não vai funcionar a boa medicina. Obviamente nos apegamos aos nossos pacientes. Se alguma coisa vai mal, a gente fica muito bravo, triste, magoado. Nós somos treinados a chorar por dentro, fazemos isso há 40 anos. Mas médico chora por dentro, sim. Porque ele não quer perder briga, ele não quer que o doente recorra. Não tem nada mais agradável do que dias que todo mundo vai bem, é fantástico.

E, nesse contexto de tendências e da relação da saúde com a tecnologia, como você vê o uso das redes sociais? Eu sei que você é bem low profile, né?

Antonio Buzaid – É, eu sou. Eu não faço nada de redes sociais. Alguns médicos fazem com intensidade maior, isso pode até reverter em maior número de pacientes etc. Mas eu não acho que isso é o espírito clássico da medicina, não. Eu ainda sou meio old fashion, meio tradicional, de o princípio básico da medicina é cuidar. Eu ainda acredito nesses princípios antigos, na época de Hipócrates.

No ano passado, no Congresso da SBOC a sala que se discutia a economia de saúde, acesso, estava lotada. E cobrindo o Congresso já há tempos isso não era muito comum. Qual é o papel do médico nesse contexto, também na hora de avaliar, por exemplo, a indicação ou não de uma terapia?

Antonio Buzaid – O médico está no fogo cruzado. Vamos ver as partes que estão envolvidas nessa equação. Primeiro, nós temos a farmacêutica, que produz um medicamento. Nós temos do outro lado o pagador, ou o governo ou um seguro médico. E no meio está o médico tentando dar ao paciente o melhor cuidado possível, e ele jurou, por Hipócrates, que iria fazer isso. Óbvio que a seguradora quer gastar o mínimo possível e ter o maior lucro. A farma quer vender o seu remédio pelo maior valor para ter o maior lucro. Só que um depende do outro e se essa equação não ficar sustentável, não existe mais nada. Então, a farma não pode esquecer que a seguradora tem que sobreviver bem, o médico tem que entender que todo mundo tem que trabalhar junto. Caso contrário, a sustentabilidade do sistema se extingue. Eu discuto esse tópico com uma relativa frequência e acho que farma e seguradoras conversam pouco. E os governos, a meu ver, estão sendo muito liberais no preço das medicações. Por exemplo, os seguros médicos não subiram na proporção que vários medicamentos subiram. Várias seguradoras de saúde estão passando situações ruins. Se nós não tivermos seguradoras, como a gente vai ficar? Nós temos que ter. Acho que as farmas, as seguradoras, os governos, médicos, todo mundo tem que sentar-se à mesma mesa e entender a importância do equilíbrio financeiro que tem que existir para garantir a sustentabilidade do sistema.

Como está isso hoje?

Antonio Buzaid – Hoje todo mundo faz um braço de ferro puxando por seu lado. Então uma seguradora, que tem uma margem de lucro muito menor do que farma, fica segurando o remédio, não quer aprovar. Eu estou com um doente grave agora, ele precisa começar com relativa urgência. Eles vão pedir 10-14 dias e é um remédio de absurdo alto custo e é a única opção para ele. O remédio não precisaria ser tão caro. Por que remédio com o tempo não baixa o preço? O preço fica imutável? Por que é imutável? Porque a CMED não consegue forçar o preço para baixo de vários medicamentos? Acho que nós temos que repensar a equação. Nós precisamos das farmacêuticas com lucro, com certeza, e lucro bom, porque só assim eles reinvestem em inovação e nós precisamos de inovação. Nós somos gratos às farmas. Não fossem elas, eu não teria tanto paciente curado hoje como eu tenho, eu não tenho nenhuma dúvida disso. Nós somos conselheiros de várias farmas e eles são fantásticos, as pessoas mais inteligentes do mercado estão lá. Só que nós não podemos esquecer, em nenhum momento, a importância do equilíbrio financeiro desta equação. Algumas seguradoras ou áreas de saúde mais verticalizadas põem pressão no médico. Hoje mesmo apresentaram um caso em reunião, que foi impropriamente tratada. Para reduzir o custo, tiraram um remédio de alto custo que é importante, que aumenta a chance dessa paciente viver muito mais. E é lamentável, então se o remédio não fosse tão caro, ele teria sido incorporado. Será que não dá para ganhar na escala? Não dá para revermos essa parte toda? Esse equilíbrio financeiro precisa ocorrer.

Você disse que tem participado dessas discussões. Esses atores que estão nessas mesas estão mais dispostos a conversar?

Antonio Buzaid – Sim. Eu tive uma reunião anteontem com uma das farmas, que falou “Doutor Buzaid, nós estamos interessados em estudar compartilhamento de risco”. Com pagamento baseado em sucesso, então pagamos se a coisa for bem. Isso não é novo, óbvio. No Brasil é mais novo, mas é uma estratégia para tentar reduzir custo. E a primeira coisa que eu falei para essa farma, que é inovadora, inclusive na posição: “Vocês já chegaram a conversar com as seguradoras?” Eles falam: “Eles não quiseram conversar com a gente”. Eu disse: “Então você não apresentou o produto direito. Se você começar a frase do tipo ‘eu tenho uma estratégia para reduzir o custo do seu pagamento’, se ele não ouvir, o mundo está acabando”. Falei que vamos trabalhar na estratégia, vamos chamar nossas mais importantes seguradoras, colocar na mesa e apresentar o projeto.

Porque, eu não tenho dúvida, se nós não fizermos isso, nós vamos afetar a sustentabilidade do sistema.

Para finalizar, o que é prioritário se você tivesse que eleger uma prioridade zero em termos de estratégia de combate ao câncer?

Antonio Buzaid – Nutrição seria o número 1, em escolas. E tentaria fazer, através da televisão, educação da população, para fazer com que entendam que a nutrição é importante a médio e longo prazo. Eu colocaria impostos maiores em alimentos prejudiciais, mesma estratégia usada por cigarro. Qual é a diferença entre o cigarro e a mortadela? A mortadela é categoria 1 para câncer de intestino grosso. Inequívoca correlação. Eu colocaria impostos em tudo que não é saudável para diminuir o acesso. E o contrário, tentaria reduzir um pouco o preço do que é saudável. Ao mesmo tempo, colocaria um elemento educacional: influencers, mídia, TV etc. para tentar, pela alimentação, reduzir o risco de câncer. Esse investimento tem um retorno muito maior do que simplesmente dar remédio para tratar câncer avançado, isso não é a coisa mais esperta. Do mesmo modo que vacinas são uma estratégia importante. Vacina para HPV, para mim, todo brasileiro, homem e mulher adolescente deveria tomar, isso erradicaria o câncer de colo do útero, vulva, pênis orofaringe em 30, 40 anos. Em uma geração você já tira um câncer da equação. Não tem câncer de colo de útero quase nos Estados Unidos, próximo de zero. Onde eu estudei, eu não via câncer de colo de útero. Quando eu voltei ao Brasil, não entendia nada de câncer de colo, porque nos EUA o câncer de colo de útero é uma doença de pessoas de baixíssima renda, imigrantes, incomum na população caucasiana americana. Temos que trabalhar nisso. E o alimento é tão sério, eu vou lhe dar um exemplo histórico: os japoneses, que tem uma baixíssima incidência de câncer de mama e cólon por causa da alimentação, no começo do século imigraram para o Havaí, território americano. Uma geração depois, ultrapassou o risco americano de câncer de cólon. Uma geração já incorporando os hábitos alimentares americanos. Uma, você quer exemplo mais óbvio do que esse? Não tem.

Natalia Cuminale

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, com as reportagens, na newsletter, com uma curadoria semanal, e nas nossas redes sociais, com conteúdos no YouTube.

About the Author: Natalia Cuminale

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, com as reportagens, na newsletter, com uma curadoria semanal, e nas nossas redes sociais, com conteúdos no YouTube.

Leave A Comment

Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

Artigos Relacionados

Natalia Cuminale

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, com as reportagens, na newsletter, com uma curadoria semanal, e nas nossas redes sociais, com conteúdos no YouTube.