ANS vai coordenar diálogo com sociedade para propor soluções utilizando um sandbox regulatório

ANS vai coordenar diálogo com sociedade para propor soluções utilizando um sandbox regulatório

Produto de plano de saúde com coordenação do cuidado é a primeira proposta que deve utilizar sandbox regulatório.

By Published On: 25/10/2023

O diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Rebello, afirmou durante o Congresso Nacional de Hospitais Privados (Conahp) que o órgão irá propor soluções para o setor de planos de saúde utilizando um sandbox regulatório. A ideia é que as medidas sejam testadas por até 2 anos e avaliadas para entender se foram eficazes e alcançaram os objetivos.

O ponto de partida seria criar um produto voltado para a coordenação do cuidado. Tendo como base a atenção primária à saúde e o papel de uma equipe que acompanhe de perto o paciente, realizando o encaminhamento para especialistas e exames quando necessário, o modelo é visto como eficaz para reduzir custos e desperdícios, mas pouco atrativo para a população. A ideia é que o preço seja mais barato, chamando a atenção do público e atraindo clientes.

Para isso, Rebello aponta que o caminho é criar um diálogo com todos os entes que possam ter papel nessa mudança de paradigma: operadoras, prestadores de serviços, laboratórios, Judiciário, entidades de defesa do consumidor, indústria, e até mesmo o Ministério da Saúde. A estratégia é para que, quando uma solução seja proposta dentro do sandbox, todos estejam alinhados e trabalhem em prol da sua efetividade.

“Os planos têm que estar interessados. A desconfiança é geral, mas existe um consenso e a gente precisa evoluir nele. Vamos excluindo o que for problema e vamos focar naquilo que for convergente. O primeiro passo tem que ser dado, apresentar um produto, sugestão ou modelo, para que a gente possa avançar”, afirmou o diretor-presidente, em entrevista ao Futuro da Saúde.

Em um cenário de crise da saúde suplementar, com altos índices de sinistralidade e aumento crescente de custo, a discussão sobre encontrar soluções para melhorar o quadro é recorrente. Por isso, a iniciativa da ANS é vista com bons olhos pelo setor. No entanto, esse diálogo com outras instâncias é visto como essencial para funcionar.

Apesar de não haver uma regulamentação específica dentro da Agência, o tema já vem sendo trabalhado por outros órgãos de regulação, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), com um sandbox tarifário. A ANS realizou, em outubro de 2022, um webinar que introduziu o tema para o setor, mas o assunto deve ganhar novos contornos em breve com as indicações de Rebello.

É viável?

“Tem um trabalho de base a ser feito para que de fato esse produto tenha as características que a gente imagina que precisa ter para entregar valor. Mas todos esses desafios são superáveis se a gente de fato conseguir colocar na rua sabendo que ele vai ser utilizado com as características pretendidas, sem desvios pelo caminho”, afirma Renato Casarotti, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).

Os planos de saúde com coordenação do cuidado já vem sendo comercializados por algumas healthtechs e operadoras tradicionais, mas ainda são poucos os exemplos dentro do mercado. Por isso, a iniciativa da ANS é importante para que, além de testar a eficácia do produto em reduzir custos e melhorar indicadores assistenciais, ganhe escala no país.

Entretanto, utilizando o sandbox regulatório, eles precisam ser testados em ambientes controlados, isto é, em pequenos núcleos que sirvam como comparação. A ideia é pegar os resultados e analisar ao lado de planos convencionais. Caso sejam eficazes ao que se propõe, a agência poderia tornar uma possibilidade regulamentada. 

“O que vemos são as grandes operadoras tentando, deixando como opção para as pessoas, e aí tem um nível de adesão relativamente baixo, e temos algumas startups que fizeram um modelo como característica do produto de fato. Trazer essa ideia para o sandbox traz visibilidade para iniciativa, além de ser feito em um universo de teste, que se der errado eventualmente consegue ter uma proposta para descontinuar”, analisa Casarotti.

O maior desafio, além de convencer o mercado e a população sobre a eficácia desse tipo de plano de saúde com uma coordenação do cuidado através da atenção primária, é alinhar com outras esferas as expectativas. O presidente da Abramge cita, como exemplo, o Poder Judiciário e entidades de defesa do consumidor. Isso porque a judicialização é um dos problemas enfrentados pelo setor. 

“Se isso não for desenhado e tiver bons parceiros juntos, por exemplo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), corre o risco de matar o produto na largada. Se eu lanço esse produto, vendo com essa característica, e três meses depois por alguma razão tenho beneficiário acionando o judiciário para ir direto a um especialista, já desviou o produto. Como no Brasil o conceito de sandbox é muito novo, tem que ser muito bem explicado para funcionar”, explica.

Da mesma forma, os prestadores de serviço tem que estar alinhados, porque eles vão ser impactados pela medida. Atualmente, algumas operadoras constroem a sua própria equipe de gestão do cuidado, mas há atuação de hospitais nesta função. É preciso entender a disponibilidade de profissionais de saúde em cada região para realizar essa coordenação.

Em seguida, visando a conseguir os indicadores necessários para comparar a eficácia ou não do produto, unidades de saúde e laboratórios, assim como as operadoras, vão precisar compartilhar informações, seguindo as regras da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), para entender o impacto na saúde dos beneficiários e sustentabilidade dos planos. A avaliação da população também é importante.

Casarotti tem uma visão otimista sobre a aderência do setor: “Pode haver uma reação inicial de receio, por desconhecimento sobre o sandbox, e é natural que haja isso. Mas consigo ver várias operadoras de portes diferentes querendo fazer isso, entendendo que pode ser um ambiente seguro de experimentação desse tipo de serviço, e que faz sentido pensar em colocar na prática se a teoria funciona”.

Outras iniciativas

Apesar do plano de saúde com coordenação do cuidado ser a primeira ideia, a ideia é que o sandbox regulatório avance para outros temas. Paulo Rebello analisa que o setor sempre está em constante discussão sobre os desafios que têm, mas há poucas ações práticas. Agora, a ANS passará a sugerir e alinhar o diálogo com outras esferas.

“Trouxe um primeiro item para que a gente possa evoluir, mas a reboque pode vir outros tantos. A questão do prontuário eletrônico, por exemplo. Temos uma dificuldade e um custo muito alto, com um país de dimensões continentais. Então, por que não começar em uma lógica de que o paciente é detentor de suas informações? Coloca em um pen drive ou cartão, e toda vez que ele for atendido precisa apresentar”, indica o diretor-presidente.

A discussão sobre modelos de remuneração pode ser outro tema contemplado pelo sandbox. Rebello aponta que 65% do mercado ainda remunera através do fee for service, onde o prestador cobra por serviço e item utilizado, e que é preciso evoluir para outros tipos de remuneração. O conceito de medicina baseada em valor (VBHC, na sigla em inglês), por exemplo, é bem discutido pela saúde suplementar e poderia trazer mais indicadores de resultados ao setor, além de melhorar as regras de pagamento.

Rebello afirma que também pretende extrapolar para questões como a compra de medicamentos de alto custo. A indústria farmacêutica deve ser convidada a discutir as propostas nesse sentido que utilizem o sandbox, assim como o Ministério da Saúde. A ideia de criar um fundo único para o custeio de tratamentos, em conjunto com o SUS, pode ser uma das iniciativas.

O diretor-presidente da ANS afirma que, para que qualquer iniciativa saia do papel, o diálogo é essencial. “Já tinha estado com o Governo, a ministra Nísia Trindade, os secretários Helvécio Magalhães e Swedenberger Barbosa. Mas agora de fato precisamos dar um passo e trazer mais eles para essa discussão. Eles estiveram no evento, mostraram preocupação com a saúde suplementar. Não podem ignorar 25% da população que tem um plano de saúde. E há um impacto, caso haja um problema de sustentabilidade nesse setor, que a migração para a saúde pública vai acabar sufocando”, conclui. 

Questões regulatórias com o sandbox

“O sandbox regulatório tem esse nome porque se refere a uma caixa de areia que as crianças brincam, cercada, em um ambiente controlado e sob supervisão de adultos. O regulador ou alguma autoridade verifica como as empresas ou startups estão promovendo e buscando soluções para uma dor do mercado, mas não sob as regras mais rígidas de regulação”, explica Lucas Miglioli, sócio fundador do M3BS Advogados.

A ideia é que se proponha iniciativas que contemplem as demandas da saúde suplementar, como a criação de outros modelos de planos de saúde, integração de dados e negociação com indústrias farmacêuticas e de dispositivos médicos. A ideia do produto voltado para a coordenação do cuidado dos beneficiários seria apenas uma delas, mas o escopo pode permitir que se expanda para outros pontos críticos.

Dentro de regras específicas, mais flexíveis que ao regramento convencional, a agência, junto às operadoras, podem construir essas soluções. Por isso, o diálogo é essencial para identificar questões mais urgentes e verificar a viabilidade das propostas que devem ser aplicadas de forma provisória.

“Tem um período de maturação que pode chegar a 2 anos, e se aquela iniciativa dentro do sandbox se mostrar efetiva, a ponto de solucionar as dores que pretende resolver, ela pode ser implementada. Justamente esse período de maturação que demonstra a importância do sandbox, há um prazo para as empresas desenvolverem e através das soluções buscarem uma alternativa”, afirma Miglioli. 

Na avaliação do sócio-fundador do M3BS Advogados, a agência tem uma característica de buscar inovações que aperfeiçoem o setor. Ainda, possui dados e relatórios que contribuem com a transparência dos dados coletados junto às operadoras, e por isso deve aproveitar para estimular mais mudanças.

O advogado afirma que acha louvável a intenção da ANS, porque segundo ele, muitas questões envolvendo problemas na área de saúde demandam iniciativas inovadoras. “Elas não podem ser levadas a efeito sobre a regulação normal. É muito bacana essa iniciativa de criar essa possibilidade e dar a empresas a possibilidade de exercer a plenitude das suas ideias em um ambiente mais livre”,

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

About the Author: Rafael Machado

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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