Ana Lucia Rivera, diretora da divisão cardiorrenal da Bayer: “Cuidado com a doença renal crônica precisa sair da inércia”

Ana Lucia Rivera, diretora da divisão cardiorrenal da Bayer: “Cuidado com a doença renal crônica precisa sair da inércia”

Em entrevista exclusiva, Ana fala sobre a lacuna no olhar para a saúde renal do paciente com diabetes e dos desafios do processo de diagnóstico precoce da DRC

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By Published On: 07/08/2024
Ana Lucia Rivera, diretora da divisão cardiorrenal da Bayer, em entrevista exclusiva para Futuro da Saúde

Foto: divulgação.

A evolução da ciência, tecnologia e informação tem possibilitado avanços sem precedentes no conhecimento de diversas condições e, mais do que isso, da relação entre elas. A doença renal crônica (DRC) tem se beneficiado desse contexto, com novas soluções que chegam para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Mas, para o paciente com diabetes – uma das principais causas da DRC –, a jornada ainda é repleta de desafios que passam pelo diagnóstico precoce, engajamento no próprio cuidado e até mesmo o olhar dos profissionais de diferentes especialidades para a condição. Esse foi o pano de fundo da entrevista exclusiva com Ana Lucia Rivera, diretora da divisão cardiorrenal da Bayer.

A DRC se configura pela perda de função dos rins, que ocorre de maneira gradual e progressiva. As estimativas apontam que uma a cada dez pessoas no mundo sofrem com a condição, de acordo com artigo publicado em 2022 na Kidney International Supplements. Na era da epidemia das doenças crônicas, a preocupação aumenta justamente porque diabetes, hipertensão e obesidade são as principais causas de desenvolvimento da DRC. Ao atingir estágios avançados, a doença demanda ações para substituir a atividade dos rins, como hemodiálise ou transplante.

Pelo seu impacto na vida dos pacientes, a indústria tem desenvolvido pesquisas e encontrado caminhos que buscam responder aos desafios de diagnóstico e tratamento – o que contribui também para a sobrecarga nos sistemas de saúde. Contudo, o caminho ainda é longo e inclui a necessidade de uma visão holística sobre os indivíduos.

Veja os principais destaques da entrevista:

Por que é importante ampliar a discussão sobre a doença renal crônica como um problema de saúde pública? Qual é o panorama da doença no Brasil?

Ana Lucia Rivera – A doença renal crônica é uma condição muito relevante, porque impacta fortemente a qualidade de vida do paciente e também o próprio sistema de saúde, uma vez que em estágios avançados o paciente tende a demandar diálise ou mesmo transplante. No Brasil, a DRC tem um peso ainda mais relevante porque estamos entre as seis maiores populações mundiais de diabetes tipo 2 – temos quase 16 milhões de brasileiros com esse diagnóstico –, um dos principais fatores de risco. Estima-se que dois em cada cinco pacientes com diabetes tipo 2 tenham DRC.

Sabemos que um dos principais desafios quando se trata da doença renal crônica é a dificuldade do diagnóstico precoce. Quais lacunas na jornada do paciente ainda impedem a melhora desse cenário?

Ana Lucia Rivera – Por ser uma doença que vai evoluindo silenciosamente, que não apresenta sintomas até os estágios mais avançados, muitas vezes o diagnóstico ocorre tardiamente. O que acontece é que o paciente está tratando o diabetes, controlando as taxas de açúcar, e não há um olhar para o rim, que de repente apresenta uma perda de função acelerada e, simultaneamente, aumenta os riscos cardiovasculares, por exemplo. É um paciente que tem muitas comorbidades. Quando a gente fala do paciente com diabetes, ele é um paciente que lida com a hipertensão, a saúde vascular, as questões oftalmológicas. Mas o impacto do diabetes na saúde renal ainda é pouco conhecido tanto pelo paciente, quanto pelo próprio profissional de saúde.

Nesse sentido de educação médica e prática clínica, o que é possível fazer para aumentar a atenção à saúde renal dos pacientes com diabetes?

Ana Lucia Rivera – Os médicos, em geral, costumam solicitar a creatinina, que apesar de ser um indicador de função renal, não elucida sozinho um problema e pode dar a falsa impressão de que está tudo bem. O que temos feito de forma intensa como indústria é trabalhar a importância do diagnóstico com os especialistas que aparecem nas primeiras fases da jornada do paciente, como o cardiologista e o endocrinologista, por exemplo, e batido na questão da taxa de filtração glomerular. Existe um parâmetro de acordo com a idade e o sexo, o que possibilita o diagnóstico. São exames básicos e acessíveis, mas às vezes não entram na rotina de acompanhamento desse paciente. Uma vez identificado o problema, é possível partir para a intervenção, que é onde temos inclusive uma nova solução da Bayer para somar-se a esse arsenal, indicada no manejo da DRC associada à diabetes tipo 2 no Brasil desde 2023.

Por muitos anos, embora houvesse o diagnóstico da doença renal crônica, as limitações terapêuticas eram grandes e não havia tratamentos específicos. Como a descoberta de novas moléculas impacta a jornada desse paciente?

Ana Lucia Rivera – Essa é uma das principais transformações no tratamento da doença renal crônica. O que acontecia era que, por ausência de terapias com uma maior tolerabilidade no mercado, mesmo que a doença fosse diagnosticada, não se tinha um tratamento específico, diretrizes ou guidelines. Nosso desafio agora é dialogar com os especialistas a respeito do que as sociedades médicas internacionais estão adotando, como estão os guidelines, o impacto do não diagnóstico para o paciente, a fim de sair dessa inércia de tratamento. Evoluímos nos tipos de exames disponíveis, nos medicamentos disponíveis, e agora precisamos avançar no diagnóstico precoce.

Como tem sido esse processo de desenvolvimento de medicamentos, desde a descoberta de uma molécula em potencial até a fase de adoção nos consultórios? Quais são os momentos mais desafiadores?

Ana Lucia Rivera – É sempre um desafio encontrar o equilíbrio entre o risco e o benefício. Temos uma molécula, por exemplo, de uma classe terapêutica que já existe, porém ela tem uma seletividade no modo de ação que faz com que ela seja segura, com poucos efeitos adversos. E esse é o grande ponto, porque às vezes trabalhamos moléculas que tem eficácia muito boa, porém com efeitos adversos que têm um impacto muito grande na qualidade de vida do paciente. E isso impacta também a questão da adesão. Então, você precisa encontrar uma eficácia que seja relevante em termos de desfecho, com uma segurança que permita que o paciente utilize a medicação sem ter grandes impactos na sua qualidade de vida, e com isso chegamos na adesão desejada.

No caso das pesquisas da Bayer com essa solução, um dos principais achados foi o efeito secundário que traz uma proteção cardiovascular para o paciente com diabetes tipo 2. Como é observada essa relação rim e coração?

Ana Lucia Rivera – Esse é um ponto que precisamos reforçar muito. A conexão rim-coração é superimportante, porque um rim que não funciona bem pode resultar em um evento do coração antes mesmo que esse paciente chegue na diálise. O paciente com doença renal crônica é um paciente que tem o risco de evento cardiovascular até seis vezes maior em comparação com o que não tem esse diagnóstico. Se o rim está falhando, o coração vai começar a falhar, e vice-versa. Essa é uma relação muito nítida.

Já estão sendo conduzidos novos estudos para avaliar outras possíveis indicações associadas a este medicamento, principalmente em outros grupos de pacientes?

Ana Lucia Rivera – Sim, já temos estudos sobre insuficiência cardíaca, estudos em pacientes que têm diabetes tipo 1, pacientes que têm doença renal sem diabetes, e muitos outros. Vários dos estudos que estão acontecendo estão olhando justamente para o coração por conta da estreita relação cardiorrenal. Todo estudo científico responde a uma pergunta. E é natural que uma resposta puxe uma nova pergunta. Porque conforme a gente consegue entender mais a molécula, o seu mecanismo de atuação e o nível de benefício que ela atingiu, conseguimos avançar na investigação de outras possibilidades de uso.

Nos últimos anos, a Bayer fez o movimento de transformar a área que anteriormente era de cardio em cardiorrenal. O que essa mudança diz, em termos práticos, sobre a maneira como a empresa enxerga a jornada do paciente crônico?

Ana Lucia Rivera – Esse posicionamento vem a partir da constatação dessa perspectiva holística para o paciente. A gente parte dessa ideia de que a jornada desse paciente deve ter esse olhar multidisciplinar no seu desenvolvimento, com várias especialidades envolvidas no seu cuidado. E é para onde a saúde caminha. Não adianta o cardiologista achar que só cuida do coração, porque às vezes o paciente vai ter um infarto por uma falha renal, por uma pressão do não funcionamento do rim. É uma abordagem que promove a comunicação e a conexão entre as especialidades.

Olhando para o futuro, quais devem ser os próximos passos para suprir o gap existente no manejo de doenças crônicas como o diabetes e a DRC?

Ana Lucia Rivera – Acredito que é preciso um olhar mais atento para a saúde renal como um fator crítico de saúde. Porque como indústria, é natural que haja um olhar mais direcionado para aquelas condições que têm mais impacto, mais mortalidade. E quando falamos sobre saúde cardiorrenal, estamos falando sobre taxas de hospitalização, de eventos agudos, de desfechos duros. Existe também um claro movimento de olhar para a questão cardiovascular e entender o que mais pode ser feito, onde é possível avançar para mitigar os impactos desses eventos no sistema de saúde. O desafio do diagnóstico precoce já está na pauta dos médicos e da indústria também, mas é difícil trazer essa mudança de fato, é algo cultural. Estamos muito focados nisso porque é onde podemos fazer uma diferença maior. Se você olhar, já se fala muito sobre o paciente com pré-diabetes e as possíveis intervenções, é a janela de oportunidade de mudança de comportamento, de uma terapêutica mais leve. E para fechar, acho que a busca por adesão ao tratamento ainda precisa crescer muito na conversa entre o médico, o paciente, e em como a indústria também cria seus programas de suporte. Até mesmo em como governos e farmácias atuam nessa questão de adesão, porque estamos falando de doenças crônicas.

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Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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