Como a Amazon quer se expandir no mercado da saúde?
Como a Amazon quer se expandir no mercado da saúde?
A Amazon vem há alguns anos articulando estratégias para se
A Amazon vem há alguns anos articulando estratégias para se tornar uma peça competitiva no setor da saúde e o anúncio da compra da One Medical, plataforma provedora de cuidados primários, em julho, representou mais um capítulo dessa empreitada. O movimento se justifica: nos Estados Unidos há uma população ávida por alternativas diante do fato de que o país gasta, na saúde, mais do que o dobro do que outros países ricos – apesar de apresentarem resultados aquém desse investimento. Mas ainda existem dúvidas em relação aos próximos passos da gigante de tecnologia.
A expansão de startups e grandes empresas no setor é evidente por uma lógica financeira: quando se observa o share of wallet, uma parte considerável dos gastos destas empresas já está voltada para o mercado da saúde. E deve crescer ainda mais. Marlow Hernandez, CEO da Cano Health, em entrevista para a CNBC, chegou a projetar que o mercado de cuidados primários apresentará um crescimento de US$ 1,8 trilhão para US$ 3,7 trilhões até 2030 só nos Estados Unidos.
As novas possibilidades de digitalização e inovação são aspectos que puxam esse movimento, como aponta Fernando Cembranelli, CEO da HIHUB.TECH: “O que aconteceu de 2010 a 2022 em termos de investimento em saúde digital nos EUA e no mundo é surreal: partimos de um patamar de 1 bilhão de dólares de investimento anual para mais ou menos 30 bilhões de dólares no ano passado. É um crescimento de 30 vezes em 10 anos. São valores sem precedentes e o que mais me impressiona é que de fato se criou um ecossistema de inovação”.
Nesse contexto, a Amazon começou a se movimentar pelo mercado da saúde desde 2018, quando comprou a PillPack, uma empresa de farmácias online, e, dois anos depois, lançou sua própria farmácia, a Amazon Pharmacy. No ano seguinte, em 2019, inaugurou a Amazon Care, primeiramente só para os seus funcionários e depois expandiu esses serviços de atendimento de telemedicina e domiciliar para outras corporações norte-americanas. Entretanto, a empresa já anunciou o encerramento da Amazon Care no final desse ano, o que, em oposição à compra da One Medical, levanta questionamentos.
“Ao longo desses últimos anos houve várias tentativas desses grandes players de instalar soluções digitais em saúde, mas muitas foram frustradas”, avalia Cembranelli. “No caso da Amazon, investir em atenção primária começa a se conectar com essa visão de um ecossistema: existe a atenção primária, os remédios na PillPack que a pessoa compra todo mês… e a telemedicina permite você escalar isso com custo fixo acessível. […] Eu acho que esses movimentos como os da Amazon são bastante impressionantes”.
Dificuldades e o fracasso da Amazon Care
A Amazon Care surgiu sob a percepção de uma oportunidade de mercado diante do sistema de saúde americano em crise. Apresentada como provedora de atendimento de qualidade, tranquilidade e conveniência, a Amazon Care tinha o intuito de proporcionar às empresas atendimento domiciliar e telessaúde direcionada aos seus funcionários, permitindo que eles não precisassem mais levar tempo para encontrar um provedor em sua rede de seguros.
Entretanto, algumas dificuldades foram encontradas, como o fato de que nem todos os aspectos da saúde primária podem ser solucionados em casa ou por uma videoconsulta, além do esforço para competir com outros provedores, como a própria One Medical.
Além disso, durante seu funcionamento, o serviço da Amazon Care sofreu com algumas alegações de ex-funcionários. Entre elas, alguns afirmaram que o serviço priorizava agradar o paciente em vez de fornecer o melhor atendimento. Outros apontaram que as enfermeiras contratadas eram essencialmente trabalhadoras temporárias e possuíam um treinamento inferior. Ainda, surgiram acusações em relação aos protocolos adotados quanto ao armazenamento e descarte de suprimentos, além da dificuldade dos provadores de telessaúde com relação à logística de atendimento em muitos estados, dados os diferentes regulamentos.
Diante do anúncio de fechamento e das alegações em torno do modelo adotado pela Amazon Care, muitos levantaram hipóteses de uma possível incompatibilidade da marca carregada pela Amazon, caracterizada pela velocidade e conveniência, e o setor da saúde.
Outras opiniões acreditam se tratar de um movimento estratégico, como apontado por Cembranelli: “Eu acho que são novas vias de crescimento. Aqui no Brasil a gente tem o capital muito mais restrito, então você está muito mais focado em trazer resultados, mas acredito que esse movimento da Amazon é algo sustentável. A compra (da One Medical) em si não me chama tanto a atenção, mas o fato de eles terem desligado a unidade própria em favor da aquisição… isso é muito estratégico”.
Próximos passos da Amazon na saúde
Após a Amazon afirmar que a Amazon Care não era a solução de longo prazo certa para os clientes corporativos, foi anunciada a compra da One Medical, cujo foco é garantir que uma parcela da população norte-americana com recursos supere os aborrecimentos, como as longas esperas, da assistência médica. A empresa, contudo, passava por um momento de questionamentos: o fato dos escritórios da One Medical estarem em áreas mais ricas, por exemplo, fizeram algumas pessoas alegarem que o lucro estava à frente do atendimento. Neste contexto, entende-se que a Amazon fez um bom negócio: comprou uma empresa forte em um momento que seu valor estava depreciado.
Com a estratégia de passar a atuar com a One Medical alinhada, já começaram a surgir até especulações sobre a expansão dos negócios. Uma reportagem da principal publicação japonesa de economia Nikkei apontou, no início de setembro, que a empresa está considerando a ideia de fazer parcerias com farmácias no Japão para entrega de medicamentos a partir de 2023, evidenciando seu contínuo interesse pelo mercado da saúde.
O negócio funcionaria com uma plataforma sobre a qual os pacientes conseguem obter informações sobre os medicamentos e se inscrever para o recebimento deles. Nesse sentido, a Amazon apenas ofereceria apenas o sistema online.
Em relação a esses novos movimentos, Brendan Keeler, gerente de produtos da empresa de tecnologia de saúde Zus Health, afirmou ao The Verge que essa nova abordagem em que a Amazon apenas adiciona sua tecnologia a organizações que já estão funcionando pode fazer mais sentido para a empresa. Fernando Cembranelli complementa: “A questão não é comprar uma solução, mas sim entender como as soluções que você adquire geram valor conjunto e como de fato escalar essa visão”.
Expansão do mercado de saúde no Brasil
Em relação ao mercado da saúde no Brasil, dados da Startup Scanner apontam um aumento das healthtechs: houve um crescimento de 13,7% entre 2019 e 2022. Entretanto, Cembranelli ressalta que “as pesquisas estão mostrando que mais de 60% das startups não levantam capital. De um lado, eu acho que existe uma mídia que é muito favorável aos investimentos, mas temos muitos empreendedores que não levantaram capital ou levantaram muito pouco… isso quer dizer que estamos em um mercado que é escasso em capital”.
Ele afirma, contudo, que o mercado brasileiro de saúde avançou ao longo dos anos para o meio digital e para a construção gradual de um ecossistema de saúde, tendo a telemedicina como um marco de transição:
“Eu tenho uma leitura de que até a aprovação da telemedicina, o ecossistema de inovação e saúde no Brasil estava muito lento: era como empreender com o freio de mão puxado. Agora, com a perspectiva da telemedicina, a minha visão é de que o ecossistema está acelerando e há uma percepção clara dos líderes do setor de que não dá mais para ficar de fora. Existe uma pressão para inovar”.
A respeito da inserção de empresas de tecnologia no mercado da saúde, em paralelo aos movimentos da Amazon nos EUA, Cembranelli avalia que “a saúde está no radar, porém é um setor que precisa de uma especialização importante, no sentido de que você precisa ter executivos que entendam o mercado de saúde. Vemos muitas novas empresas ou empresas tradicionais que querem entrar nesse mercado, mas é necessário uma especialização para ter uma vertical de sucesso no setor”.
Cembranelli também comenta que “a velocidade do ecossistema brasileiro na implementação de mudanças acelerou muito pós pandemia”, o que cria expectativas para os próximos passos do mercado da saúde no Brasil:
“A próxima pauta que eu acho que vem como projeto de lei é a interoperabilidade. Estamos chegando em um momento em que a troca de dados possui cada vez mais valor […] Eu acho que de fato tem muitas empresas mudando seu DNA para fortalecer a tecnologia, porque se você tiver um olhar simplesmente analógico da saúde, não faz sentido você formar esse ecossistema”.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.