“Dieta faz uma diferença de 25 a 30% no risco de câncer”, diz Zora Djuric, cientista da Universidade de Michigan
“Dieta faz uma diferença de 25 a 30% no risco de câncer”, diz Zora Djuric, cientista da Universidade de Michigan
Em entrevista ao Futuro da Saúde, Zora Djuric fala sobre a relação entre a alimentação e o câncer, bem como o potencial dos agentes nutricionais na prevenção e tratamento de tumores
Em janeiro, a Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador dos Estados Unidos, proibiu o uso do corante vermelho nº3 ou eritrosina em alimentos e medicamentos a partir de 2027. O aditivo confere cor avermelhada a balas, cupcakes, cerejas em conserva e xaropes. A decisão foi baseada em evidências científicas que mostraram que a substância, usada em grande quantidade, induziu ao aparecimento de câncer em ratos de laboratório. Embora isso não tenha sido observado em humanos, a proibição deu visibilidade para a associação entre alimentação e câncer.
A dieta pode ser tanto um fator de risco quanto de prevenção para o câncer e outras doenças metabólicas. Para entender melhor esse tópico, o Futuro da Saúde conversou com a pesquisadora Zora Djuric, da Universidade de Michigan. Há décadas, Djuric estuda as relações entre a composição da dieta, a obesidade e a prevenção do câncer. Ela é uma das pesquisadoras principais de um consórcio multi-institucional do National Cancer Institute focado em identificar novos agentes preventivos do câncer a partir de ensaios clínicos de fase inicial.
Na conversa, Zora aponta que a dieta tem influência de 25 a 30% no risco para câncer e que a ciência tem revelado que a quantidade do que se come é, muitas vezes, mais importante do que a qualidade. Isso porque muitos cânceres estão relacionados à obesidade. Mas a dieta não precisa ser vilã, se bem balanceada. O consumo de frutas e vegetais diversos, assim como outros alimentos, pode reduzir o risco para a doença ao fornecer nutrientes protetivos para as células.
Ainda assim, na entrevista a pesquisadora explica que não existe fórmula mágica para evitar completamente o aparecimento de tumores. O que existem são medidas que minimizam essas chances. Ela conta que seu grupo de pesquisa tem tentado desenvolver novos agentes e a dose ideal necessária de nutrientes, como o ômega 3, capazes de prevenir o câncer.
Confira a entrevista:
Qual a relação entre alimentação e câncer? Quando comparado a outros fatores, a nutrição pode induzir ao desenvolvimento de tumores?
Zora Djuric – Bem, isso depende. Alguns tipos de câncer são mais afetados pela dieta do que outros, essa é a primeira coisa a se lembrar. Mas, no geral, a dieta parece fazer uma diferença de cerca de 25 a 30% no risco de câncer. Então, é uma boa parte. Outras causas incluem exposições ambientais, genética e simplesmente a chance. Quando uma célula se divide, a possibilidade de algo dar errado está sempre lá. Então, tentamos minimizar a chance de desenvolver câncer fazendo o que podemos para viver de forma saudável e fornecer aos nossos corpos os nutrientes que podem proteger as membranas celulares, o núcleo, as mitocôndrias e assim por diante, para que as células continuem funcionando.
“Existem dois aspectos diferentes da dieta que são importantes. O primeiro é o que você come, em termos de qualidade. Então, se você tem 200 calorias de doces versus 200 calorias de frutas, qual deles te dá mais nutrientes e elementos que seu corpo pode usar para se proteger? Não é preciso ser cientista para saber a resposta. O outro ponto é quanto você come, porque você pode comer alimentos muito saudáveis e ainda assim comer mais do que precisa e ganhar peso”.
E sabemos que o excesso de gordura corporal é estressante para o nosso corpo e causa muitos efeitos adversos, como mudanças inflamatórias. Então, ambas as coisas são importantes: o que você come e quanto você come.
Como podemos saber quais tipos de alimentos ou substâncias que podem causar um risco maior de contrair um câncer? Existe uma classificação ou lista?
Zora Djuric – Há muita literatura sobre isso e várias organizações fazem revisões extensas da literatura. Você nunca deve olhar para um único artigo. Você deve olhar para várias publicações e ver se elas chegam a resultados semelhantes, aí você pode ter mais certeza de que está certo. Então, há três organizações importantes que posso citar. Uma é o IARC – Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer. Eles fazem muitas revisões da literatura. O Instituto Americano de Pesquisa sobre o Câncer, o Instituto Mundial de Pesquisa sobre o Câncer e a Sociedade Americana de Câncer também fazem isso e publicam relatórios que atualizam continuamente. O que sabemos a partir disso é que é benéfico comer mais frutas, vegetais e grãos integrais, carnes magras e evitar carnes processadas, carnes curadas, açúcares adicionados e grãos refinados. As indicações são muito parecidas com as recomendações dietéticas para outras doenças crônicas.
Existe algum tipo específico de câncer que têm maior incidência relacionada à dieta? Você tem muitos estudos sobre câncer colorretal. Esse seria um caso?
Zora Djuric – Sim, o câncer de cólon é um dos cânceres mais responsivos à dieta. Existe uma lista de cânceres associados à obesidade que reflete basicamente a relação entre dieta e câncer. O câncer endometrial provavelmente é o número um no que diz respeito ao efeito da obesidade, com um aumento muito grande no risco, infelizmente. O câncer de mama também tem essa associação com a obesidade, o de pâncreas e muitos dos cânceres do trato gastrointestinal.
Isso significa que uma pessoa com obesidade tem mais risco de ter câncer?
Zora Djuric – Sim. Estamos descobrindo cada vez mais como os cânceres estão relacionados à obesidade. Na verdade, sabemos por estudos com animais que o efeito das calorias é mais forte do que o efeito da composição da dieta. Então, se você comer uma dieta muito boa, mas for obeso, isso vai anular em grande parte os nutrientes que você está recebendo. Portanto, o equilíbrio calórico é realmente muito importante, o que também é verdade para diabetes e doenças cardiovasculares. O peso corporal é um fator enorme para todas essas doenças.
Outro de seus estudos foca em como podemos ter menos risco de ter câncer quando usamos certos tipos de medicamentos, certo?
Zora Djuric – Existem agentes que parecem reduzir o risco de câncer. Claro, todo tipo de agente farmacêutico pode ter efeitos colaterais também. Então, se você tem um risco muito alto de câncer porque tem um histórico familiar forte, por exemplo, ou tem algum tipo de problema médico que aumenta o risco de uma condição precursora de câncer, então pode valer a pena tomar uma medicação, porque o seu risco é muito alto. A aspirina, por exemplo, tem alguns efeitos preventivos. A metaformina, que reduz os níveis de insulina e é usada no tratamento da diabetes, é conhecida por reduzir o risco de câncer. Então, existem vários agentes que consideramos preventivos, mas eles não estão sem riscos. Alguns riscos podem ser pequenos, outros podem ser maiores.
“Estamos muito interessados em ajudar a desenvolver novos agentes e também reaproveitar agentes existentes para a prevenção do câncer, o que pode significar usar doses diferentes. Isso é o que fazemos em nossos estudos de fase inicial. Tentamos descobrir qual dose seria necessária para prevenir o câncer. E fazemos isso também com nutrientes. Por exemplo, ácidos graxos ômega-3 purificados de peixes. Eles têm efeitos preventivos bem fortes, mas você tem que acertar a dose”.
Se você tomar apenas um grama por dia, provavelmente não funcionará, mas três gramas por dia parece que realmente pode funcionar.
Sobre esses agentes que podem ajudar a prevenir o câncer, como isso acontece? Quais os mecanismos e evidências?
Zora Djuric – O mecanismo pelo qual cada agente funciona é diferente. Então, não há um único mecanismo. A metaformina reduz os níveis de insulina e a insulina é algo que aumenta o fator de crescimento insulínico, que incide sobre o crescimento das células cancerígenas. A aspirina age diminuindo uma enzima chamada ciclo-oxigenase, que produz mediadores lipídicos prejudiciais em nossas células. Então, diferentes agentes vão ter diferentes mecanismos de ação.
“Eu, pessoalmente, gosto mais de uma dieta do que de um medicamento, porque quando você come sete diferentes frutas e vegetais ao longo do dia, você está recebendo muitos compostos diferentes, o que significa que você está atacando muitos mecanismos diferentes. Essa é a beleza de uma abordagem dietética, você pode atingir muitos alvos”.
E, na verdade, se você olhar para o tratamento do câncer, é raro dar um único tratamento. Normalmente, o melhor tratamento é uma combinação de medicamentos, porque o câncer é uma doença multifacetada. E acho que é isso que estamos começando a olhar na prevenção, que realmente deveríamos estar dando combinações de agentes e não apenas um. E quando fazemos isso, também podemos diminuir a dose de cada um para minimizar os efeitos colaterais. Então, pensamos que isso tem muito potencial. Mas, até agora, ainda não há pesquisa suficiente sobre isso.
A respeito desses agentes nutricionais, que tipo de dieta deveríamos seguir? Há alguma recomendação?
Zora Djuric – Bem, sim. Você quer comer uma grande variedade de frutas e vegetais todos os dias e em todas as refeições. E grãos integrais, não grãos refinados, não farinha branca, arroz integral, macarrão integral. O peixe é excelente, frutos do mar. E quantidades modestas de carnes magras. Evitar alimentos processados, que têm muitos aditivos químicos. E definitivamente evite carnes processadas, porque a evidência para carnes processadas e câncer é bastante sólida. Também, balanceie o que você come com atividade física. É realmente difícil. Nos Estados Unidos, temos tantos produtos alimentícios que são tão fáceis de consumir em excesso. As empresas alimentícias contratam cientistas para criar produtos alimentícios viciantes. Se você comer uma batata frita, é muito difícil parar, você simplesmente continua comendo. E esse é o problema, ter alimentos facilmente disponíveis que atingem nossos sentidos e você quer comer mais. Mas será que eu realmente preciso comer isso? A pergunta que eu me faço é: o que estou ganhando se eu comer isso? E isso realmente vai te fazer parar e pensar, sabe? Então, sim, é um desafio como adulto evitar comer demais. É mais difícil ser saudável porque, muitas vezes, você tem que preparar suas próprias refeições, em vez de apenas comprar algo pronto. Mas acho que vale a pena.
Falando do outro lado da linha de cuidado, quero entender o contexto de quem já possui algum tipo de câncer. Nesse sentido, como uma mudança na dieta pode ajudar durante o tratamento do tumor?
Zora Djuric – Acho que o IARC faz um trabalho muito bom com as recomendações para pacientes com câncer. É o mesmo tipo de coisa que para prevenção. Para o câncer de mama, houve um grande estudo nos EUA sobre uma dieta baixa em gordura, o que também resultou em um aumento no consumo de frutas e vegetais. E eles obtiveram um efeito protetor a longo prazo. Durante o tratamento é um pouco diferente do que depois do tratamento. Embora tenhamos feito um estudo pequeno em que olhamos para a ingestão de frutas e vegetais e encontramos que isso minimizou os efeitos colaterais da quimioterapia, o que foi bom para os pacientes. Há uma pequena evidência de que a dieta cetogênica, com menos carboidratos e mais gorduras, seja melhor durante o tratamento, mas não necessariamente depois do tratamento. Não tenho certeza do porquê, mas isso é uma pesquisa nova de agora, olhando para dietas cetogênicas e tratamento.
Como os governos atuam nessa questão?
Zora Djuric – Não sei sobre o Brasil, mas nos EUA, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças e o Departamento de Agricultura dos EUA emitem recomendações que são muito úteis e o Instituto Nacional de Câncer faz o mesmo. Então, as recomendações estão lá. Mas, sobre a regulamentação de produtos alimentícios no mercado, eles não fazem isso a menos que haja uma evidência realmente forte, como em certos aditivos.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.