Alexandre Seraphim, gerente geral da Adium: “Brasil precisa resolver a judicialização”
Alexandre Seraphim, gerente geral da Adium: “Brasil precisa resolver a judicialização”
Em novo episódio de Futuro Talks, Alexandre Seraphim fala sobre o potencial do mercado farmacêutico no Brasil e os desafios a serem superados
A oferta de medicamentos eficazes e seguros está entre os pilares da saúde e, neste contexto, a indústria farmacêutica desempenha seu papel de pesquisa, inovação e desenvolvimento. Contudo, o cenário brasileiro enfrenta grandes desafios de acesso que demandam inteligência, criatividade e diálogo, como a judicialização e o investimento em saúde. Estes foram alguns dos pontos abordados por Alexandre Seraphim, gerente geral da Adium, no novo episódio de Futuro Talks. Esta foi a última entrevista do executivo na empresa, que anunciou no fim de janeiro Hélio Segouras como novo gerente geral.
Durante o episódio, ele comentou que o Brasil precisa resolver a “encrenca” da judicialização. Primeiro porque, em sua visão, o profissional de saúde – e não um juiz – deveria ter a decisão de um paciente receber ou não determinada terapia. Segundo porque é um meio ineficiente e caro que traz imprevisibilidade para o estado e empresas.
Em termos de investimento em saúde, Seraphim reforçou que o país investe cerca de 10% do PIB em saúde, mas que só 4% aproximadamente é gasto público. Neste ponto, ele explorou que o Brasil tem muito a avançar. De um lado, o aumento do investimento seria bem-vindo, mas de outro, segundo ele, há muita lição de casa que pode ser feita para reduzir ineficiências em todo o ecossistema – a boa notícia é que, em sua visão, o diálogo tem aumentado nesse sentido.
Ao longo da conversa, ele ainda explorou algumas ações e estratégias da farmacêutica, como o acordo com a Moderna para distribuição e comercialização na América Latina da vacina da Covid, o desenvolvimento da tecnologia de RNAm e a inauguração de um Centro de P&D, em São Paulo, SP. Falou também sobre negociação em torno dos preços de medicamentos, necessidade de se investir em inovação e o potencial do Complexo Industrial da Saúde.
Confira o episódio completo:
Quero começar te pedindo para trazer um pouco de contexto: quem é a Adium no mercado farmacêutico?
Alexandre Seraphim – Olha, é uma história muito bonita a da Adium. É uma empresa que já tem 55 anos, foi fundada por um médico com o objetivo de dar acesso a medicamentos inovadores na América Latina. Então, você imagina como é que era, 55 anos atrás, trazer uma tecnologia nova para a América Latina. Muitos players, muitos laboratórios não viabilizavam fazer isso. Então, esse médico licenciava essas drogas e colocava nos países. Ele começou por todos os países da América Latina, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Argentina, foi até o México e, no Brasil, a empresa tem 33 anos. É uma empresa que nasce com esse DNA de disponibilizar produtos inovadores por fabricação própria ou licenciamento. Hoje esse laboratório é focado na América Latina, especializado, está presente em todos os países e é o quinto maior laboratório da região. Tem operação também fora, nos Estados Unidos, no Canadá, mas o DNA da empresa é esse, é América Latina.
Eu queria que você me contasse um pouco desse papel dos produtos licenciados. Porque quando você conta essa história de trazer acesso para a América Latina, eu acho que às vezes é importante explicarmos como chega de verdade um medicamento aqui e porque faz sentido existir, por exemplo, uma companhia que permite o seu acesso.
Alexandre Seraphim – Olha, é um papel cada vez mais importante. O que aconteceu com a indústria farmacêutica ao longo das últimas décadas? Uma especialização. Antigamente você tinha grandes laboratórios, as grandes multinacionais, que desenvolviam, promoviam e comercializavam produtos. Hoje em dia, você vai ver uma especialização bastante grande. Os laboratórios estão se especializando ou nas etapas de desenvolvimento de drogas ou na etapa de produção ou comercialização, e isso modificou demais o mercado farmacêutico. E é fundamental, porque o custo da medicação é cada vez mais alto. Para você desenvolver, as tecnologias envolvidas são diversas. A cada dia vemos novas tecnologias no mercado. Então, o fundador da Adium foi um visionário, porque antecipou esse movimento. Hoje aqui no Brasil, por exemplo, eu tenho grandes drogas, especialmente na oncologia e doenças raras de biotechs, que desenvolvem o produto, mas a licença é feita em toda a América Latina com a Adium. Um caso que todo mundo conhece é o caso da vacina da covid, que é uma parceria com a Moderna, mas nós temos parcerias com muitos outros laboratórios, como a Y-mAbs, a Jazz. Nós os representamos, cuidando de toda a promoção, educação médica e comercialização.
É de ponta a ponta. O medicamento chega, por exemplo, aqui no Brasil, mas toda a parte de entender a regulação brasileira, a conversa com as autoridades, a promoção do produto na comunidade médica e na sociedade fica por conta da Adium, é isso?
Alexandre Seraphim – É verdade, é isso. Nós nos especializamos nisso, entender o mercado e operar o mercado.
Porque não é simples, né? Eu acho que vale você trazer um pouco dessa particularidade da América Latina. Eu tenho a oportunidade de conversar com vários players do setor e muitas vezes eu escuto que o Brasil tem seus desafios. De repente uma coisa muda e temos visto várias coisas mudando nessas últimas semanas, do ponto de vista de saúde, como a judicialização. Então, o tempo todo tem alguma coisa acontecendo. A reforma tributária também está acontecendo. Ou seja, tem algumas particularidades que estar aqui faz diferença, né?
Alexandre Seraphim – Total, total. Eu acho que isso é uma tendência, nós nos especializamos nisso, no mercado. Entender o mercado. E cumprimos a nossa missão, que é dar acesso a esses produtos inovadores. Operar no Brasil, particularmente, não é simples. E muitas empresas têm essa dificuldade de entendimento, principalmente as novas biotechs, que são empresas que desenvolvem produtos fantásticos, mas até eles conseguirem ter o know-how de operar no mercado, você atrasa muito o acesso a esses produtos. E o que nós fazemos? Antecipamos isso, cumprindo essa missão. Hoje, para você ter uma ideia, o Grupo Adium é o quinto maior laboratório na América Latina. Pouca gente sabe disso, porque a empresa, conforme foi crescendo, foi adotando um nome diferente em cada país. Então, o grupo mesmo se chamava Tecnofarma, mudou para Adium, mas agora estamos padronizando essa marca corporativa em toda a região. O Brasil foi pioneiro em adotar o nome corporativo. Antigamente se chamava Zodíac. E aí, há dois anos, nós tomamos essa decisão, fomos os pioneiros, mudamos a marca, e agora todos os outros países vão mudar também. Isso vai dar mais visibilidade para a companhia.
Vamos falar um pouco do cenário Brasil. Recentemente a Adium inaugurou um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento no interior de São Paulo. Qual é o papel desse centro? E qual é o objetivo da Adium com essa inauguração?
Alexandre Seraphim – Em primeiro lugar, nós inauguramos esse complexo novo de desenvolvimento na nossa fábrica em Pindamonhangaba, que nós carinhosamente chamamos de Pinda. Eu acho que fizemos um investimento grande lá, que é o Centro de Desenvolvimento. Nós estamos ampliando também.
São 100 milhões de reais, não é?
Alexandre Seraphim – 100 milhões de reais, mas não só no Centro de Desenvolvimento, mas também na linha produtiva, porque nós estamos ampliando essa fábrica para se tornar uma plataforma de exportação. Isso mostra muito a importância estratégica que o Brasil tem para a empresa. Na verdade, no mercado farmacêutico, o Brasil é praticamente 50% do mercado latino-americano. Então, é um país estratégico. E a Adium, com esse movimento, está reconhecendo isso, transformando o Brasil em uma plataforma de exportação. Nós vamos, com esse centro, passar a desenvolver produtos aqui, não só para o país, mas para a América Latina. E tem um outro ponto aí interessante, o reconhecimento da qualidade dos nossos técnicos. O potencial do nosso país é gigante. Por que a empresa escolhe o Brasil para fazer um centro de desenvolvimento de produtos? Porque nós temos uma capacidade técnica muito boa. Toda a evolução da Anvisa, nesses últimos anos, aumentou a barra para toda a indústria farmacêutica. Então, os laboratórios nacionais, os laboratórios como a Adium, se beneficiaram disso, e formou muita gente boa. Então, nós temos uma equipe de técnicos, cientistas espetaculares. Dá para fazer muito mais.
Eu não sei o quanto você pode contar do que está no radar para ser desenvolvido ali, mas eu estou curiosa para saber se tem algo que você já pode abrir para a gente sobre os primeiros desenvolvimentos. Você disse que quer desenvolver algumas coisas localmente. Tem já isso no Pipeline que você pode contar para a nossa audiência?
Alexandre Seraphim – Tem muita coisa no Pipeline, mas eu não posso contar.
Eu sempre tento nesse programa, ninguém pode me acusar de não tentar.
Alexandre Seraphim – A empresa tem outro centro de desenvolvimento, tem um grande em Buenos Aires. Nós desenvolvemos produto em parceria, é um hub conectado, mas o nosso foco aqui vai ser mais drogas orais.
Já consegui uma pista. Eu sei que a Adium também tem um centro de distribuição em Minas Gerais.. Eu queria que você me contasse, dentro desse contexto, um vai substituir o outro ou os dois se mantêm?
Alexandre Seraphim – Nós adicionamos. A empresa tem crescido muito. Para ter uma ideia, eu completei quatro anos na companhia agora. Quando eu cheguei, a empresa faturava um pouco mais de 300 milhões de reais. Esse ano nós já chegamos a praticamente 1 bilhão de reais. Ou seja, nós triplicamos o tamanho da companhia e isso não foi com nenhuma bala de prata, sem um produto que muda a história da empresa ou uma aquisição. Foi fazendo as coisas certas, tendo visão estratégica, muita ambição, fazendo a transformação cultural, organizacional, valorizando o desenvolvimento humano. E nós praticamente triplicamos a companhia e vamos continuar fazendo isso. Então, é nesse contexto que nós estamos ampliando a fábrica, como eu comentei antes, e abrimos esse centro de operação logística em Extrema, em Minas Gerais. Nós temos ainda o centro em Guarulhos e tivemos que fazer mais um, um centro mais moderno para fazer toda a logística, por exemplo, das novas drogas inovadoras que nós temos, que exigem um cuidado especial de refrigeração. Então, tem toda uma tecnologia envolvida, mas isso é reflexo do crescimento exponencial da empresa.
E agora eu queria que você contasse um pouco da parceria da Adium com a Moderna. Acho que esse foi um dos destaques, talvez, do último ano, pelo menos quando as pessoas começaram a entender a vinda da Moderna para o Brasil e, na verdade, a Adium era representante da Moderna. Como foi esse processo e essa parceria na prática? A Adium tem o direito de trazer a Moderna para o Brasil, é isso, não é?
Alexandre Seraphim – É isso. Como eu te falava antes, a companhia tem no DNA essas parcerias, esses licenciamentos. Então, a Moderna está dentro dessa estratégia da empresa. Eu tenho outros cinco licenciantes no nosso portfólio. A Moderna chama muita atenção por conta da covid, e ela licenciou a Spike Vax em toda a América Latina para a Adium, justamente por conta da presença e da capacidade da Adium. E nos ajudou muito, porque foi justamente na época que nós estávamos mudando de nome, de Zodíaco para Adium. Então, como a Moderna chamou muita atenção por conta da tecnologia mRNA, que é revolucionária no desenvolvimento de vacinas, isso nos ajudou muito com a comunicação com o público externo a associar com a Adium, com a marca que nós assumimos.
“Esse foi um contrato feito para toda a região. Aqui no Brasil, nós fomos responsáveis por tudo. Pelo registro, pelas negociações com o Ministério da Saúde. Vencemos a licitação da covid deste ano. Foram 12 milhões e meio de doses em março deste ano e foi incrível”.
É uma história que eu gosto de contar, porque você não tem ideia. Dois milhões e meio de doses, 40 aviões para carregar tudo isso. É uma logística. Nós entregamos tudo em três semanas e desenvolvemos uma relação muito boa com o Ministério da Saúde. Ajudamos com a divulgação da vacinação. Inclusive, fomos indicados para um prêmio importante, o Prêmio Jatobá, duas semanas atrás, nós participamos dessa premiação por conta dessa estratégia de comunicação. Então, tem sido uma experiência fantástica e um orgulho para nós poder contribuir com a sociedade, resgatar a importância das vacinas. Não é só a vacina da covid, as vacinas de forma geral. Trabalhamos muito com os técnicos do PNI, com os médicos do setor, uma relação que foi muito boa para todos. Isso nos dá um orgulho muito grande.
Embora a vacinação seja importante, não tem sido fácil engajar a população na adesão à imunização. Ainda teve nesse ano questões como estoque, vencimento de vacinas. Como dar uma virada no engajamento para que as pessoas utilizem a vacina?
Alexandre Seraphim – Primeiro, é uma pena o Brasil ter perdido esse passo na compreensão da importância que é a vacinação. Nós sempre fomos referência mundial nessa área. Todos conhecem a história das fake news durante a época da covid, mas a vacinação está sendo resgatada. Os índices de vacinação, não só da covid, de todas as outras vacinas, principalmente as vacinas infantis para as crianças, aos pouquinhos estamos resgatando essa cultura da importância da vacinação. Eu mesmo me vacinei agora recentemente com uma série de vacinas novas que saíram da dengue, herpes zoster. Temos que fazer isso. Então, está melhorando e eu sou muito otimista que vamos resgatar essa cultura porque, aliás, é inteligente isso. A vacina é o medicamento mais custo-efetivo que existe porque trabalha justamente na prevenção. E elas vão ter um papel cada vez maior na saúde, vão passar a ter funcionalidade não só profilática como terapêutica e vai ser um tema de saúde constante. Lidar com a vacina foi um aprendizado muito interessante para a Adium. Dentro da nossa estratégia, nós entramos em muitos segmentos novos, em oncologia, doenças raras, e entramos em vacina.
“E um aprendizado nosso é como lidar com a vacina. Você tem uma questão logística incrível e você tem a questão da atualização do vírus. O vírus da covid é um vírus que muda muito rapidamente. Imagina para a empresa, para a Adium, para a Moderna, fazer a produção. Quantas vacinas eu vou produzir? Porque se você produz demais, você perde a vacina, porque o vírus muda”.
A outra variável importante é como vai ser a taxa de adesão da vacinação da população. Isso depende da política pública e da sociedade de aderir ao processo. Então, quem trabalha com vacina tem que ter muito jogo de cintura, muita rapidez e foi o que aconteceu. Nós atendemos o Ministério da Saúde em março, trouxemos 12 milhões e meio de doses. Os 40 aviões. Trouxemos, rapidamente, e distribuímos. Mas o que aconteceu nesse meio tempo? O vírus mudou. E a taxa de adesão da vacinação foi um pouco mais lenta do que deveria ser por conta desse problema todo da fake news. Então, dentro do contrato, nós já prevíamos a troca. E é o que nós fizemos. Então, nós recolhemos uma parte das vacinas que não foram usadas para poder entregar a vacina mais atualizada e que já foi registrada e daqui a pouco está chegando, nas próximas semanas.
É um processo e é um aprendizado, né?
Alexandre Seraphim – E aí a tecnologia ajuda muito porque, por exemplo, essa tecnologia da mRNA é uma revolução na saúde. Ela permite uma adaptação muito rápida para essa mudança de vírus, mas ela não é só para a covid ou para a gripe, que também é um futuro desenvolvimento. Ela vai ajudar no câncer. Ela vai ajudar em muitas outras doenças degenerativas. É uma das grandes novidades da tecnologia e não vai parar aí.
Vamos falar sobre outras coisas que estão dentro do portfólio da Adium. Você falou bastante agora da questão da vacina, mas antes você mencionou os oncológicos, as doenças raras. Para onde estão os olhares? O que já tem hoje aqui no Brasil e o que está no radar do pipeline?
Alexandre Seraphim – Olha, é tanta coisa legal, viu? A empresa está num momento muito bom e esse ano nós trouxemos um medicamento chamado Libtayo para câncer de pele, câncer de pulmão e câncer cervical, que é uma contribuição incrível para a saúde, um medicamento que está tendo um sucesso enorme. Esse ano nós levamos para outro patamar um estudo novo de utilização de uma droga, que também é uma licença que nós temos para câncer de bexiga, para ser utilizada em primeira linha, que também tem sido um sucesso muito grande. E isso nos orgulha muito, porque reduz a taxa de mortalidade de uma forma impressionante. São medicamentos que trazem uma eficácia, uma redução de morte dessas terapias existentes de 30-50%. Mas tem um produto em particular que eu me orgulho muito, que é um produto que é para salvar a vida de crianças, que é uma doença rara, o neuroblastoma. É um tipo de câncer, afeta principalmente crianças abaixo de 5 anos de idade. É uma doença rara. Lembrando que doenças raras são aquelas que afetam, que impactam 65 pessoas para cada 100 mil habitantes e é um desafio enorme. São as drogas de alto custo, justamente porque você vai atender uma população pequena. Esse produto foi um desafio regulatório, porque é um produto com uma tecnologia nova, ele tem que ser usado, associado com outro produto e trabalhamos muito com a Anvisa. Os técnicos da Anvisa são muito profissionais. Eles dialogam com o mercado. É uma agência que tem evoluído. Conseguimos registrar esse produto no Brasil, aí depois foi todo o trabalho de precificação, e lançamos. Então, é um produto para a doença rara. Tem sido um desafio enorme. Nós estamos aprendendo muito, mas ele tem tudo a ver com aquele propósito que eu te contei da empresa, de como a empresa surgiu, que é dar acesso. Falamos muito de acesso, falamos muito de preço, por exemplo. Esquecemos que primeiro temos que ter o produto. Temos que desenvolver a droga e temos que conseguir trazer a droga para cá. E nós fizemos isso. Muitas crianças que têm essa doença rara estão melhorando de vida, estão se curando, porque nós conseguimos trazer esse produto. O nome dele é Danyelza. Então a empresa tem investido muito nessa área de oncologia e doenças raras. Foi uma área que triplicou de tamanho. Hoje nós já somos o oitavo laboratório em oncologia no Brasil, mas nós temos a nossa área de primary care também. Então na área de primary care é medicina geral. Nós somos muito fortes na ortopedia e na urologia e estamos colocando muita ênfase no sistema nervoso central. Nós lançamos vários produtos esse ano, em 2024, mas nós temos um pipeline de produtos muito interessante nessa área de primary care também para 2025.
Mas quando você fala do sistema nervoso central, você está olhando para, por exemplo, Alzheimer, Parkinson, ou dor de cabeça?
Alexandre Seraphim – Nós estamos olhando muito a epilepsia, nós estamos olhando muito depressão. Mas também tem TDAH, lançamos um produto recentemente. Então é um sistema, se a gente olhar no longo prazo, sistema nervoso central em geral.
É uma área que vai entrar mais no pipeline da área?
Alexandre Seraphim – Cada vez mais. É uma área de interesse. Nós temos entrado em muitos segmentos novos. Essas licenças em oncologia, doenças raras, vacinas, como eu mencionei antes, mas também em primary care, tem muitas oportunidades. Na área primary care, nós fazemos desenvolvimento próprio de produtos. Aliás, é uma das missões do novo centro de pesquisa e desenvolvimento que nós inauguramos em Pinda.
E aí quando você fala faz o desenvolvimento, é de fato faz a pesquisa e o desenvolvimento de uma nova molécula? Ou talvez genérico?
Alexandre Seraphim – É, nessa área nós desenvolvemos produtos similares. Nós tentamos ser sempre um dos primeiros a lançar o produto quando vence a patente de referência e tentamos melhorar sempre esse produto. Então, por exemplo, tem produtos que nós temos doses que são diferentes do produto de referência, as apresentações. E isso é muito importante para o acesso. Essa área de primary care são os produtos out-of-pocket. As pessoas pagam por aí, vão à farmácia e pagam. Então, quanto mais competição você tem, melhor. Você melhora a distribuição. Nós investimos muito em educação médica continuada. E também o preço. O preço também melhora para a população. Então, ajuda muito a fomentar o acesso à população e garantir que o produto esteja no mercado porque muitas vezes o produto de referência, por uma questão ou de estratégia da empresa, sai do mercado. Ou, às vezes, falta produto por um problema de produção. Então, é sempre bom você ter, no mínimo, dois, três players para uma determinada molécula. Algumas moléculas são muito simples de serem produzidas. Então, você tem muitos competidores, mas nós trabalhamos justamente com aquelas que são mais difíceis de serem reproduzidas e temos tido muito sucesso com isso.
Vamos falar de acesso. Você falou sobre o ponto de vista de baratear o custo de medicamentos de primary care. Mas a Adium também trabalha com medicamentos de alto custo para doenças raras e oncológicas. Não temos como não falar de acesso quando falamos de trazer a inovação, porque as pessoas querem, de fato, ter acesso àquela inovação. Como você vê essa questão?
Alexandre Seraphim – Uma pergunta muito atual, muito importante. O medicamento, o custo do medicamento, é algo muito visível. Então, é o primeiro lugar que as pessoas acessam e discutem, mas temos que ampliar um pouco mais a discussão. Você sabia que, quando você pega o orçamento do governo federal, quanto desse orçamento é consumido com medicamentos? Menos de 10%. Para a saúde privada, também, deve estar por aí. Tem até uma regra lá na Europa, que quem estuda farmacoeconomia lá na Europa, eles usam a regra 3, 2, 1. De cada 6 euros investidos, gastos na saúde, 3 euros é o custo hospitalar, da operação hospitalar. 2 euros é para pagamento de profissionais de saúde. E 1 euro para medicamentos.
“Tem sim uma questão de sustentabilidade do modelo de saúde que tem que ser pensado, tem que ser discutido. E quando falamos de preço e de medicamentos, temos que colocar no lugar certo. Não é o principal custo. Disso, chega 10%, talvez um pouco mais. Então, não está aí o maior problema de acesso. A outra coisa que temos que pensar, quando falamos de preço de medicamento, é que é um setor extremamente regulado. As pessoas não sabem, mas os preços dos medicamentos do Brasil são dos mais baixos do mundo”.
Inclusive, comparando com os nossos vizinhos da América Latina, porque o nosso preço é controlado. O preço nos outros países é livre. E desde o momento que você registra o seu produto, toda a cadeia de preço é extremamente regulada. Então, vamos falar de produtos de alto custo, como esses da oncologia. Na hora que o governo vai precificar, o preço não é o preço que eu quero. É o preço que a CMED define, a partir da comparação com outros países. Acabou aí? Não. Aí nós lançamos o produto. E agora você quer incorporar ele na saúde pública, na Conitec, ou você vai querer incorporar no sistema privado pela ANS. Para ser incorporado, você tem que provar de novo que o seu produto é custo-efetivo. Você tem que fazer uma análise de impacto orçamentário. Quer dizer, existe uma série de filtros para ele ser incorporado ou não e depois disso, você continua para a vida toda com o controle de preço, que você não pode aumentar. A partir daí, o preço, naturalmente, com a competição, vai diminuindo rapidamente, ainda mais com essa velocidade de inovação tecnológica que temos. Então, os preços dos medicamentos no Brasil, são muito razoáveis, são muito controlados, e não são o maior driver de custos do sistema de saúde. Temos que colocar as coisas no lugar e analisar essa questão de uma forma ampla.
E como melhorar esse processo? Como a Adium está trabalhando para pensar em melhores estratégias de acesso no Brasil?
Alexandre Seraphim – Dito isso, aí vem como você melhora. Você vai sempre conseguir melhorar o custo para a saúde a partir do diálogo, a partir do combinado. O Brasil tem uma vantagem de ter uma escala enorme. Com essa população, se você consegue fazer bons combinados, você consegue melhorar a produtividade do sistema. Então, produtos de alto custo, para doenças raras principalmente, tem novas fórmulas que estão sendo estudadas com o Ministério da Saúde, qual é a melhor forma de precificar. Os órgãos de saúde podem melhorar muito o sistema de compra deles, dando previsibilidade para a indústria. Por exemplo, a licitação pública. Se eu tenho antecedência, se eu tenho tempo para produzir, porque são volumes enormes, você vai ter mais concorrência no mercado, melhora o preço de aquisição do governo. Tem muitas formas de você melhorar o custo, mas tem que trabalhar com inteligência, tem que trabalhar com criatividade e com muito diálogo. A Adium faz muito isso com as operadoras e com o governo também. Nós temos um diálogo frequente com as operadoras, temos uma série de discussões com eles. É mais do que preço, é custo-efetividade porque essas drogas, na verdade, têm um custo grande no começo, mas elas evitam um custo maior lá na frente. Eu adicionaria mais um componente nessa equação, que é o valor que a sociedade dá para isso. Porque quando falamos de saúde, estamos falando de quê? Estamos falando de vida. Eu estou falando em viver mais e viver com qualidade. Isso é prioridade para a humanidade. Então, se você tem uma doença rara, por exemplo, temos que ter a solidariedade com quem tem porque quando você divide o custo por toda a sociedade, ele, na verdade, é muito pequeno. Agora, não tem como ser simples e barato você produzir uma droga para atender 20, 40 pessoas e encontrar esses pacientes e treinar médicos em um país desse tamanho. Não tem como ser baixo o custo, mas aí vem uma questão da sociedade. Qual o valor que isso tem? É um valor infinito. Se você tem um filho seu com neuroblastoma, você vai querer cuidar com a melhor tecnologia possível. E temos que ter essa consciência. Tem muito para avançar no Brasil. Por exemplo, se você pega o gasto com saúde de forma geral, está em linha dos países da OCDE. Cerca de 10%. A diferença é que, nesses países, a maior parte desse custo é público. No governo do Brasil é só 4%. Então, também gastamos pouco. Eu acho que devemos investir mais na saúde e temos que buscar formas de reduzir o custo da saúde, mas em todo o sistema. E tem muito espaço. Tem muito dever de casa para ser feito.
Você tem visto o diálogo melhorando? Essa negociação, esse olhar além do preço está fazendo mais parte das discussões?
Alexandre Seraphim – Tem melhorado muito. Veja a parceria que a indústria farmacêutica tem com as operadoras. Nós mesmos temos todo ano um evento, fizemos um evento com você esse ano de inteligência artificial, focado nas operadoras. No ano passado, também fizemos um outro evento junto com as operadoras, discutindo exatamente esse tipo de questão. E a discussão com o agente público também é cada vez melhor. Você vê uma participação também muito forte da nossa associação, o Sindusfarma principalmente, faz uma discussão muito inteligente com todos os atores e é daí que vão sair as soluções. Tem muita coisa criativa se estabelecendo. Você vê, por exemplo, a racionalização do sistema. Você vê as operadoras se associando com redes de hospitais, com empresas de diagnóstico. Um exemplo é a BP com o Bradesco, com o Fleury, com o Croma. Você vê de tudo. Você vê uma criatividade enorme. Eu visitei a Santa Casa em Porto Alegre recentemente, eles inauguraram o Nora Teixeira, que é um hospital privado montado com doações, que ajuda eles a financiarem a Santa Casa. E por aí vai. Você vê as redes se montando e os laboratórios farmacêuticos se especializando, fomentando esse diálogo e as coisas vão acontecendo. Às vezes tem questões que são colocadas do setor privado e o público que não se falam, mas quando você olha mais de perto, você vê que 40% dos leitos utilizados no sistema público estão dentro dos hospitais privados. A própria integração de dados, que é um tema que você toca muito no seu programa, isso é fundamental e a discussão está acontecendo.
“É claro que no Brasil às vezes tem um pouco de frustração, porque as coisas demoram um pouco mais para acontecerem, mas de repente elas acontecem. E tem que ter a discussão, é um país muito grande, é muito complexo. Você tem muitos agentes, indústria farmacêutica são mais de 200, hospitais são 7.500, plano de saúde são 700. Então, você tem que orquestrar tudo isso, fazer um diálogo, um consenso e avançar, mas a gente avança”.
É por isso que eu digo que essa equação de custos tem muito dever de casa. Dever de casa com racionalização, que vai inevitavelmente acontecer. Consolidação de empresas em todos os setores. Precisa de todas essas? Todas elas vão sobreviver? Então, tem muita coisa para ser feita em consolidação, especialização. Você escolheu um modelo de negócio especializado, alguns vão ser verticalizados, outros vão focar em um determinado segmento de pacientes. Incorporação de tecnologia. A inteligência artificial já está trazendo uma contribuição enorme. Isso vai continuar ajudando muito a todo o sistema a aumentar a sua produtividade. Mas, acima de tudo, tem uma questão que nós somos muito bons no Brasil, que é a criatividade. Você está cobrindo isso no seu podcast, toda essa remodelagem no mercado. Essa criatividade é necessária e é uma função do mercado fazer isso. Eu acho que ainda vamos ver acontecendo no mercado de saúde o que acontece, por exemplo, no mercado financeiro. Mercado extremamente sofisticado, avançado. Você vê o Estado, por exemplo, lançando uma ferramenta igual Pix, que é um sucesso fantástico e você vê no mercado privado surgindo um banco, o maior banco digital do mundo, Nubank, que nem existia. Podemos fazer o mesmo na saúde.
Pensando no que tem acontecido recentemente no Brasil, que foi a decisão do STF em relação à judicialização de medicamentos principalmente para diminuir o seu impacto no sistema público. Essa foi uma decisão recente, que ainda está gerando alguns debates e repercussões, que provavelmente vão avançar durante 2025. Na sua visão, qual é o seu papel e como esse debate tem que seguir?
Alexandre Seraphim – Olha, primeiro está acontecendo um debate. Isso é muito bom e vários agentes envolvidos. O Brasil precisa resolver essa encrenca da judicialização. Primeiro lugar: foi uma decisão da sociedade, que foi representada pelos legisladores na Constituição, que dá esse direito à saúde. É um direito fundamental.
“Nós estamos dizendo que queremos ter acesso a essas novas tecnologias. O acesso pela judicialização é o pior possível. Está errado, é caro e ineficiente. Você está delegando para um juiz e não para um médico, para um profissional da saúde, a decisão se deve ou não ser incorporada. Não é a missão do juiz. E é caro. É terrível. Aí você judicializa, acaba pagando muito mais pelo medicamento do que você pagaria se ele tivesse incorporado”.
E é uma imprevisibilidade incrível porque você não sabe onde vai parar essa conta. Ela pode cair no Estado, no município ou na operadora de saúde. É um sistema burocrático. É um sistema caótico. Encarece o investimento naquela tecnologia e encarece todo o sistema porque você imagina tudo que se envolve. Advogado, juiz, a empresa. Paramos tudo que está fazendo e tem que trazer o produto. É improdutivo demais. É burocrático demais. O que é inteligente fazer? É sentar, discutir, definir regras e incorporar mais produtos e, de uma forma mais simplificada, ter essas negociações com a indústria. Isso inevitavelmente vai ter que acontecer porque do jeito que está não é inteligente. É isso que encarece o sistema, é essa discussão inteligente e mais ampla e mais profunda que a gente precisa ter e não simplificar demais “ah, medicamento é muito caro”. Olha o custo desse processo de judicialização. Então, eu acho que é um avanço essa discussão que está sendo dada, mas tem muito serviço para ser feito e vai avançar porque tem que avançar. Você tem uma tensão que é enorme, do pagador, seja o governo ou o plano de saúde, que tem uma questão de viabilidade financeira, mas você tem uma população que, afinal de contas, “olha, tem um filho meu que está com uma doença”. Existe uma tecnologia para cuidar. É um absurdo, como é que eu não vou fazer isso? Então, essa tensão tem que ser equacionada dessa forma. É com inteligência, é com diálogo. Judicialização que é a maneira como estamos fazendo, é a mais burocrática, é a mais ineficiente possível. E o pior, atrasa o atendimento de quem precisa. Às vezes o medicamento chega tarde, então isso vai ter que melhorar e muita coisa vai ter que ser complementada. Por exemplo, de novo, voltando do setor de finanças, é claro que você tem a judicialização de uma droga muito grande, um plano de saúde muito pequeno afetado, por exemplo. Como é que você resolve isso? Não dá acesso à droga. Essa não é a resposta. A droga é muito cara, vai vender pela metade. O que vai acontecer é que o fabricante não vai ter a droga disponível no país. A pior forma de não dar acesso é não ter o medicamento. O inteligente não é isso. Você, por exemplo, no setor de seguro, você tem o resseguro, você divide risco e por aí vai. Então, você tem como trazer soluções e propostas inteligentes para a mesa.
Vamos falar agora sobre o Complexo Econômico e Industrial da Saúde. Essa está sendo uma das pautas prioritárias do governo atual, que já teve alguns avanços, mas a gente ainda não viu muita coisa prática acontecendo. Isso tem algum tipo de sinergia com a Adium?
Alexandre Seraphim – Olha, a ideia do complexo industrial da saúde é muito boa. É uma iniciativa boa, porque ela visa fomentar a produção e o desenvolvimento de drogas no país, diminuir a dependência, aumentar as exportações e desenvolver esse setor farmacêutico. Então, o propósito é muito bom. Agora, é mais do que dar dinheiro e o brilhante financiamento do BNDES, que é bom, está certo, mas dá para fazer muito mais com menos. Eu vou te dar um exemplo. Investimos 100 milhões de reais em Pinda, e não teve um real do BNDES. Eu, nesses últimos 10 anos, trabalhei em outras duas empresas, esse é o terceiro laboratório que eu abro. Numa empresa, eu trabalhava desenvolvendo um laboratório junto com a Aché de nanotecnologia. É fase pré-clínica. É inovação raiz. Nós inauguramos esse laboratório em parceria com a Aché. Abriu um laboratório só de inovação incremental aqui perto em Santo Amaro, então é outro tipo de proposta, e agora esse laboratório da Adium, que é para desenvolvimento geral. Três laboratórios. Pesquisa, desenvolvimento, cientista, inovação, que é o futuro. É tudo que queremos para o nosso país e não teve um real do governo. Não teve um real, nenhum investimento do governo. E você sabe que nesses casos, uma das coisas que mais trava o desenvolvimento nessa área, por exemplo, é a precificação. Vamos pegar o caso da inovação incremental. Hoje a regra de precificação do governo vai pegar o custo mais baixo da molécula existente. O que é inovação incremental? Você pega uma molécula que já existe e você associa ela com uma outra, ou você, por exemplo, modifica a forma dela. Ela é injetável, passa a ser oral. Na hora que você vai precificar, o governo pega um método de comparar o custo daquela molécula existente no mercado hoje. Isso inviabiliza, porque não paga o custo do desenvolvimento. É uma pena. Então, eu tive que abortar alguns projetos justamente por causa disso.
Então tem que mudar a mentalidade, tem que mudar o “como”.
Alexandre Seraphim – Como é que eu vou desenvolver, vou investir 15, 20 milhões de reais em uma droga que, depois de 5 anos de trabalho, na hora que eu vou aprovar preço, ele me compara com um preço genérico que não tem o conteúdo da inovação incremental que eu fiz? Essa é uma trava que exige uma reflexão, uma inteligência, e discutimos isso com o governo há algum tempo. Porque se você destrava isso, você vai ver os laboratórios nacionais fazendo investimento, desenvolvendo produtos, aí você desenvolve os farmacêuticos, você desenvolve os cientistas e prepara a indústria para dar o próximo passo, que é a inovação radical. Eu não estou pedindo dinheiro para o governo, você está falando simplesmente de flexibilidade na legislação para incentivar o desenvolvimento da ciência, o desenvolvimento da inovação.
“Então, preço é uma coisa, você facilitar a importação de equipamentos, do padrão químico que você tem que usar para fazer o desenvolvimento da molécula. Tem uma série de coisas que você pode fazer, mas tem que pensar estrategicamente, tem que conversar com quem entende do negócio, são as empresas farmacêuticas, e flexibilizar, simplificar, precisa modernizar a legislação, precisa simplificar a burocracia”.
Você vê o investimento da Adium, mas você pega as outras empresas nacionais, o que elas fazem é espetacular, e o Brasil tem gente muito boa, dá para fazer muito mais, mas tem que ter visão estratégica, e ir mais a fundo. É mais do que simplesmente abrir linha de financiamento do BNDES, isso é bem-vindo, mas dá para fazer mais.
Uma boa provocação. Esse diálogo está mais aberto agora?
Alexandre Seraphim – Está sim. Eu acho que o nosso país, de forma geral, tem essa mentalidade democrática, buscamos o consenso, mas o consenso dá trabalho, e toma tempo, mas avançamos. Nós temos conquistado tanta coisa nos últimos anos. É que a sempre temos uma frustração, demora muito, mas se você olhar na linha do tempo, avançamos.
Sempre queremos mais, né?
Alexandre Seraphim – O problema é que temos que acelerar esses avanços, porque a tecnologia está avançando mais rápido. Tem duas coisas que estão avançando muito mais rapidamente do que a gente imagina: o envelhecimento da população e a tecnologia. A combinação dessas duas coisas exige uma resposta muito mais rápida do que estamos conseguindo dar, então precisamos aperfeiçoar a legislação, as agências regulatórias, precisamos do governo. A iniciativa privada pode fazer muita coisa por conta própria, a temos muito dever de casa para fazer, não depende do governo, mas o governo tem que liderar. Por exemplo, integração de dados. É fundamental, tem uma tecnologia da inteligência artificial disponível, você imagina aplicar a inteligência artificial numa base de dados ampla, isso para a saúde pública, para estudar a epidemiologia das doenças, tomar a decisão certa, é fundamental. E não só para o governo, para efeito de saúde pública, mas também para as farmacêuticas, para usar os dados, e para as operadoras, precisa de uma liderança. O dia que conseguirmos integrar esse dado, como já acontece no mercado financeiro, o salto que daremos em termos de eficiência, de produtividade vai ser fantástico. Então, essa visão estratégica e essa capacidade de implementação, tem muito serviço para fazer.
Você me contou nos bastidores que tem um olhar para a humanização da saúde. Queria que você contasse como você aplica essa perspectiva humanística dentro da Adium.
Alexandre Seraphim – É um tema muito importante para nós e muito importante para todos. E, por incrível que pareça, quanto mais a tecnologia avança, mais ela requer esse olhar para o ser humano. Por quê? Porque com esse avanço da tecnologia a humanidade vai se deparar com questões morais muito importantes. E aí, como vamos decidir? Como a máquina vai ajudar a assumir alguns papéis que o homem toma, mas usando qual princípio? Então, olhando globalmente, tem essa necessidade. Agora, olhando do ponto de vista da responsabilidade das empresas, o que pensamos na Adium é que as organizações têm que ter equilíbrio. Para a empresa sobreviver precisa ter lucro, precisa ter performance. Para ela ser sustentável no longo prazo, ela precisa se inovar. Então, são temas que todas as empresas têm, mas importa muito como ela faz isso. E o que a gente, como sociedade, vê cada vez mais presente e forte, é essa exigência da responsabilidade das empresas. Como você atinge o seu lucro, como você atinge os seus objetivos, mas como você faz isso, como você contribui para a sociedade. Então, as empresas estão cada vez mais abraçando a responsabilidade social e ambiental, expressa na agenda ESG. E os jovens, os novos talentos querem saber disso quando vão procurar uma empresa para trabalhar. Dentro desse rol de responsabilidade, você tem a responsabilidade ambiental, por exemplo. A nossa fábrica lá de Pinda é toda coberta com painéis solares, nove metros quadrados de painéis solares. A gente faz muito voluntariado lá também na responsabilidade social e você pensa muito em inclusão e voluntariado, mas tem um tipo de responsabilidade que foi meio esquecido, que é justamente a responsabilidade humanística. E do que trata isso? Na Adium, nós adotamos um princípio que foi desenvolvido por um professor da Unifesp, Dante Gallian. Há 15 anos, ele se deparou com o desafio da humanização dos médicos. Existia no Brasil, no SUS, um programa nacional de humanização que até deixou de existir, mas na medicina, de forma geral, essa questão da humanização sempre foi muito importante, porque é onde a tecnologia avança muito rapidamente.
“Você está de frente com um paciente, com a família de um paciente, que está num momento vulnerável, e para ajudá-los, não basta só ter a melhor tecnologia. Você tem que ter uma abordagem empática, humana. Isso sempre foi um desafio na medicina. Como a gente faz? Aí vamos treinar médico. Você treina a pessoa com técnica cirúrgica, você treina uma pessoa com técnica de vendas, com análise financeira, para operar um torno mecânico, mas como é que você ensina alguém a ter compaixão?”
A ter empatia? Olhar para você e se colocar no seu lugar, a ter humildade? Não é com as ferramentas que a gente conhece, que são ferramentas técnicas olhando o lado cognitivo do ser humano. Então, foi esse desafio. E eles viram isso na prática, porque eles tentavam aplicar as técnicas de treinamento que se conhece para humanizar o médico e não funcionava e não vai funcionar nunca, nas empresas também não. E aí esse professor resgatou uma ideia de Aristóteles, que vê em três dimensões do ser humano a sua humanidade. É a capacidade afetiva, intelectiva e volitiva. É o afeto, a reflexão e a vontade de transformar e de implementar, fazer acontecer. E como é que essas dimensões podem ser mobilizadas? Através das artes, através da filosofia e especialmente através da literatura. Então esse professor desenvolveu uma técnica baseada em literatura clássica, em que você reúne as pessoas, você lê um livro clássico. E por que os clássicos? Porque eles persistem no tempo. É incrível como essa literature mobiliza, uma literatura de Shakespeare, de 500 anos atrás, Tolstói, que tem mais de um século, culturas muito diferentes, ou a Odisseia, de antes de Cristo. Por que perdura isso no tempo? Por que quando você lê um livro desse você se entende, aquilo te conecta? Porque a literatura traz essa essência misteriosa do ser humano e ela mobiliza o seu afeto, a sua reflexão, e te transforma para você agir no mundo. As artes, de forma geral, fazem isso, mas esse professor estudou especialmente a literatura clássica, desenvolveu esse método e foi um sucesso. Eu tive esse encontro com ele, isso já tem mais de 15 anos, e conversamos, disse: “vamos fazer isso também nas empresas, porque as empresas e organizações precisam desesperadamente de humanização”. Mas é uma humanização em outro patamar, existe um nível básico de humanização, que é aquele que você respeita as pessoas, tem educação, não grita com ninguém. Isso é o mínimo, mas nem o mínimo está sendo feito. Um lado um pouco mais avançado, você vai falar de vulnerabilidade, que a gente já adota hoje. Mas, você tem que continuar nesse caminho, chegar naquilo que chamamos de saúde existencial.
E como levar isso para as empresas?
Alexandre Seraphim – Primeiro, nós estimulamos a leitura. Nós temos uma biblioteca, um acervo com cerca de 700 livros físicos e mais de 1.600 livros que são audiobooks. Então, primeiro, você tem o livro, que é o instrumento, que você quer trabalhar disponível para as pessoas. Lá na Adium, nos últimos quatro anos, foram emprestados mais de 2.500 livros dessa biblioteca. A segunda coisa que nós temos é a implementação dessa metodologia que se chama laboratório de leitura. Nós formamos grupos de 15 pessoas, escolhemos um livro da literatura clássica, e aí tem uma metodologia aplicada através do coordenador, que é um agente externo, que conduz essa discussão. É a ideia do clube do livro, mas que tem essa metodologia. Nós já fizemos cerca de 19 ciclos como esse, e mais de 250 pessoas participaram. E o que vemos como resultado? Vemos emergir a empatia, você se coloca no lugar do outro, você conhece um colega do seu trabalho que você nem imaginava, que aquela pessoa era daquela forma. Então, você estimula muito a empatia, a gratidão. As pessoas sempre têm uma gratidão enorme com a empresa por permitir, dar esse espaço do tempo de trabalho para fazer esse tipo de reflexão. Então, isso é bom para a empresa. A reflexão sobre a própria vida, já estamos falando de saúde existencial, de você parar e refletir sobre aquilo que é bom para a sua vida. Isso ajuda muito na empresa, no trabalho colaborativo. A maior dificuldade que você tem hoje é fazer as pessoas trabalharem em equipe, mas de forma genuína e isso ajuda também. É muito gratificante e cumpre esse propósito humanizador. Uma outra coisa que fazemos é disponibilizar para os funcionários também uma assinatura da Casa do Saber, que tem uma série de cursos em filosofia, história, psicanálise, para aumentar esse repertório cultural das pessoas, porque fortalecendo o repertório cultural através da filosofia, das artes, você está fortalecendo a alma. E aí você está fortalecendo a pessoa, isso é um desenvolvimento humano. É bom para você e é bom para a organização.
A minha última pergunta é para você que eu faço para todo mundo que vem aqui: quais são as pautas que o Futuro da Saúde tem que prestar atenção em 2025?
Alexandre Seraphim – Olha, de imediato, tem as pautas que conhecemos, a judicialização, é claro, o avanço em pesquisa clínica, que é uma oportunidade enorme para o país, inteligência artificial, acesso e integração de dados. Essas cinco estão presentes, estão acontecendo aqui e agora e vão continuar e temos que prestar muita atenção nelas. Tem mais uma que também está acontecendo agora e vai continuar pelos próximos anos, na verdade nunca vai parar, que é essa racionalização no mercado, esse movimento, especialmente no mercado privado, dos rearranjos, dos modelos de negócio. Então, vai ter muita consolidação, muita especialização, eu vou ser verticalizado, eu não vou, eu vou fazer rede de hospital, rede de clínicas. Isso vai continuar acontecendo e vamos ver muita criatividade, essa criatividade do brasileiro, do Nubank, do Pix, que eu mencionei antes. Outras coisas vão começar a aumentar de importância e serão as pautas do médio e longo prazo. Uma delas tem muito a ver com a demografia. Hoje nós somos 212 milhões de pessoas no Brasil, mas a nossa taxa de fertilidade está abaixo de 2.1, que é o número de filhos por mulher que você tem que ter para manter a população. Hoje, o Brasil está com 1.7. Então, a nossa sociedade está envelhecendo e diminuindo. Hoje nós somos 212 milhões, as projeções mostram que em 2100 nós seremos 161 milhões.
“A gente está envelhecendo muito rápido e diminuindo a população. Isso tem uma série de implicações para a saúde. Então, alguns assuntos que vão entrar na pauta no futuro: medicina reprodutiva. Isso já acontece em outros países, mas em algum momento o Brasil vai parar de falar de aborto e vai falar mais de reprodução humana, da necessidade de incentivar as pessoas a terem filhos. Vai ser uma realidade. Isso não está na pauta hoje, mas vai entrar”.
Outro tema que já está na pauta, mas vai aumentar muito a intensidade é as vacinas. É uma revolução na tecnologia. Essas vacinas novas, vacina para câncer, vacina para tudo. Reduz custos, aumenta a prevenção. Outra pauta que vai entrar é o entendimento da saúde para além do medicamento e da intervenção hospitalar. Entender a saúde em um contexto geral tem dois riscos que afetam demais a saúde da população. O risco comportamental e ambiental. Por exemplo, ambiental. Essa interferência do homem na natureza suscita pandemias. Foi o caso da H1N1, Zika, a própria covid. Isso vai aumentar, então os cientistas dizem que nós vamos ver mais pandemias chegando. A poluição, quem vive numa cidade como São Paulo, tem problemas respiratórios, a incidência de problema respiratório é muito maior do que em outros lugares. Problemas comportamentais, tabagismo, alcoolismo, obesidade, sedentarismo, estão na base de surgimento de doenças degenerativas que são cada vez mais presentes, mas você percebe que antes de você falar da doença, você tem que falar o que gera a doença que são os riscos comportamentais e ambientais. E ampliar essa discussão de saúde. A inteligência artificial, mas a tecnologia como um todo, por exemplo, a telemedicina. Isso é uma pauta fundamental para aumentar o acesso num país continental como o nosso, com uma população tão grande.
Além delas, mais alguma?
Alexandre Seraphim – Tem aquilo que eu gostaria que entrasse na pauta, que é um desejo. É ver uma estratégia de nação, de país, de sociedade para a saúde. Aquilo que nós conversamos no começo, saúde é vida. Estamos falando da nossa prioridade número um. Para nós e para a nossa família, para as pessoas amadas. Então, a saúde precisa ser pensada de uma forma estratégica e coordenada. O sistema é muito complexo e a nossa sociedade também é muito complexa. Então, precisamos ter liderança, colocar ordem e ter uma visão estratégica de longo prazo e abordar o tema da saúde de uma maneira inteligente. Integração de dados, por exemplo, tem que fazer parte dessa discussão. E muitos outros temas vão entrar. Tem um tema que, por exemplo, vai ter que entrar na pauta que é o autocuidado. Se fala muito pouco disso, e não tem como o sistema de saúde sozinho cuidar de todas as pessoas. Todo mundo ir para o hospital, ter atendimento médico. As pessoas têm que aprender a cuidar delas. E autocuidado de forma geral, isso inclui nutrição, por exemplo, comportamento. Isso é muito importante: prevenção e autocuidado. É por aí que você diminui o custo da saúde e permite acesso para quem realmente precisa ter a melhor tecnologia, mas tem que evitar que muita gente chegue aí. Como você evita isso preventivamente? Com autocuidado. E isso tem que estar dentro de uma estratégia coordenada e liderada pela sociedade. Essa é uma pauta que eu, como cidadão brasileiro, gostaria de ver.
One Comment
Leave A Comment
Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.
Excelente e didática entrevista. Muito esclarecedora!!!